
No início de 2025, Mark Zuckerberg, em entrevista ao podcaster Joe Rogan, afirmou que sentia falta de “energia masculina” nas empresas. Neste ano, sob o comando do bilionário, a Meta abandonou suas políticas de diversidade, equidade e inclusão, unindo-se ao grupo composto por gigantes como Google, Amazon, Accenture e Microsoft.
Apesar da ênfase, a fala de Zuckerberg parece desconexa da realidade do mercado de tecnologia, onde a maioria absoluta é composta, justamente, por homens. De acordo com a PwC, apenas 5% dos cargos de liderança no setor são ocupados por mulheres. Nos Estados Unidos, a força de trabalho feminina em STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) é de 25%. No Brasil, uma pesquisa da Serasa Experian revelou que menos de 1% da população pertencente ao sexo feminino atua na área.
Mas nem sempre foi assim. Um levantamento da National Science Foundation e a American Bar Association mostrou que até 1984, nos EUA, o número de mulheres em cursos de computação era proporcional ao de homens. Em um artigo para a MIT Technology Review, Deborah Folloni, Forbes Under 30 e empreendedora, explicou a mudança: “Durante o boom dos Personal Computers (PCs), o público-alvo das campanhas de marketing de marcas líderes, como IBM e Apple, era masculino. Os PCs eram vendidos como se fossem ‘video-games’, um item que sempre foi considerado ‘coisa de menino’.”
A reprodução de narrativas que caracterizam a tecnologia como uma área “masculina”, a falta de incentivo e o ambiente de trabalho desigual afastaram as mulheres do setor por anos. Por outro lado, como elucida Alaine Charchat, CIO do Grupo Reckitt, “uma das primeiras linguagens de programação foi desenvolvida por uma mulher”.
Charchat refere-se à Grace Hooper, principal responsável pela COBOL, linguagem de programação pioneira para sistemas como Linux, Windows, Unix e z/OS. Além da cientista da computação, outras figuras foram essenciais para o progresso científico e tecnológico global, como Ada Lovelace, matemática britânica do século XIX, e a atriz Hedy Lamarr, co-criadora do sistema de comunicação de espectro alargado precursor do Wi-Fi e Bluetooth.
Os exemplos não se restringem ao passado. No presente, tantas outras mulheres estão trilhando o árduo caminho da liderança em tecnologia para garantir que o potencial feminino não seja deixado de lado.
Com trajetórias distintas mas o mesmo propósito de utilizar a tecnologia para construir negócios de sucesso e impacto, essas seis mulheres não permitiram que os bugs as impedissem de atualizar o sistema.
Conheça seis lideranças brasileiras em diferentes áreas da tecnologia:
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Foto de Alaine Charchat, CIO da Reckitt na América Latina
Alaine Charchat, CIO da Reckitt na América Latina
Capa da primeira edição da lista Forbes Melhores CIOs do Brasil, Alaine nasceu em Padre Miguel, subúrbio do Rio de Janeiro. “Comecei na tecnologia por influência da família. O foco naquela época era trabalhar para ganhar dinheiro”, relembra.
No terceiro ano do Ensino Médio, formada em um curso tecnólogo em processamento de dados, Charchat mudou o turno escolar para estagiar como programadora em uma rede de supermercados. “Fiquei impactada porque só tinha homem. Eu questionava meu pertencimento àquele espaço.”
Com o aumento salarial proporcionado pela efetivação, ela ingressou na faculdade de Ciência da Computação, onde sentiu um novo “choque”. “Tinham três mulheres na minha turma. Então, desisti e migrei para o marketing, mas como eu não poderia sair do trabalho, continuei na tecnologia e nunca saí.”
Liderança
Nos últimos 20 anos, Charchat passou por gigantes do setor de bens de consumo. Em 2022, foi convidada para assumir o posto de CIO da Reckitt para América Latina, com a missão de acelerar a transformação digital da empresa. Apesar de não ter trabalhado diretamente com marketing, a formação rendeu bons frutos. “Eu aprendi muito sobre o mercado. Logo, busquei saber por que eu uso a tecnologia e como ela pode ser um diferencial para o crescimento da companhia.”
Inovação na prática
Além da otimização de investimentos e eficiência operacional, Alaine organizou um hackathon — “maratona” que reúne pessoas de setores distintos para desenvolver estratégias inovadoras — inédito na Reckitt. “Ninguém falava de inovação aberta. Depois do evento, criamos um escopo de soluções que estamos entregando até agora”, celebra. Hoje, a CIO lidera mais de 200 iniciativas, que vão de inteligência artificial a low code e no code.
A força feminina na tecnologia
“Fui transferida para São Paulo em 2005. Cheguei na cidade com um salário de, aproximadamente, dois mil reais para me manter sozinha, pagar aluguel, me alimentar, enfim, fazer tudo. Só que eu sabia que era uma oportunidade única. Enquanto meus colegas passeavam no fim de semana, eu pegava horas extras”, relata a executiva.
As duas décadas de experiência e as “madrugadas de estudo e preparação” trouxeram o respeito e estabilidade que, em alguns momentos, são negados às mulheres. “Eu sofri preconceito, às vezes, precisava falar alto, me masculinizar. Atualmente, sinto que posso ser eu mesma. Não preciso de uma máscara”, afirma.
Conselho
No primeiro emprego, Alaine foi vítima de assédio. “Meu chefe olhou para mim e disse: ´Nossa, eu fico te imaginando nessa posição´. Ele se referia a camiseta que eu vestia, com a estampa de um bebê engatinhando. Quando denunciei, fui demitida.” Este episódio, em particular, além dos percalsos cotidianos, motivaram a líder a ajudar outras mulheres, seja com conversas ou com projetos práticos.
A mensagem que Charchat deixa às suas ouvintes é: “Dentro do universo tech, você pode ser o que quiser. Eu digo que é como um parque da Disney, tem brinquedos para todos os perfis. Não tenha medo.”
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Foto de Leila Zimmerman, Chief Information Officer (CIO) da Mondelēz Brasil
Leila Zimmerman, Chief Information Officer (CIO) da Mondelēz Brasil
Leila começou a se interessar pela tecnologia aos 14 anos, mas a curiosidade se transformou em aspiração após o contato com um computador — comprado por meio de um consórcio.
Em seguida, ainda no Ensino Médio, a CIO entrou em um curso de processamento de dados. “Percebi que queria mais. Li uma edição da revista ‘As 100 Melhores Empresas para se Trabalhar’ e escrevi cartas à mão para todas. Apenas uma respondeu: a Xerox”, conta sobre o primeiro emprego: estagiária no setor de mainframes, momento em que percebeu que mulheres eram minoria. “Isso me motivou a ocupar esse espaço”.
Liderança
O início da carreira de Leila foi semelhante ao da maioria das mulheres em tech: desafiador. “Era comum ser a única mulher na equipe e precisar provar minha competência mais do que os colegas homens.” O que não a impediu de seguir em frente e alçar novos voos.
“Ao longo do tempo, aprendi que liderar não é somente gerir projetos, mas construir relações de confiança, conduzir conversas difíceis com respeito e, acima de tudo, garantir que o time tenha sucesso. Esse foi o meu ponto de virada.”
Inovação na prática
Com o objetivo de dobrar de tamanho globalmente até 2030, a Mondelēz Brasil convidou Zimmerman para acelerar a jornada digital da organização. “Neste contexto, uma das iniciativas mais transformadoras é a implementação de inteligência artificial no planejamento integrado de supply chain [cadeia de suprimentos]. A IA traz insights precisos acerca de produtos, produção e go-to-market, acelerando as decisões de negócio. Outro avanço importante é o smart pricing, método que utiliza algoritmos para determinar o melhor preço de acordo com o mercado”, exemplifica a CIO.
Apesar da empolgação com a IA, Leila alerta: “Integrar novas tecnologias demanda mais do que recursos avançados, é preciso certificar que sejam escaláveis e sustentáveis, sem aumentar a complexidade operacional. As ferramentas precisam estar conectadas às estratégias da instituição.”
A força feminina na tecnologia
Na companhia, 80% da alta liderança é feminina, assim como 54% das posições segmentadas do C-Level. Os números resultam de iniciativas proativas para criação de oportunidades. “Não porque diversidade é um conceito bonito, mas porque a inovação acontece quando diferentes perspectivas estão na mesa.”
“Muitas vezes, há uma percepção equivocada de que mulheres são delicadas ou menos assertivas, mas temos tanto potencial quanto qualquer profissional, inclusive em espaços historicamente masculinos”, diz Zimmerman.
Conselho
“Não existem setores masculinos ou femininos. Existe talento, capacidade e dedicação. Não esperem estar 100% prontas para aceitar um desafio, o crescimento ocorre no processo, e a tecnologia exige aprendizado constante”, finaliza a Chief Information Officer (CIO) da Mondelēz Brasil.
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Vânia Neves, conselheira e ex-CTO da Vale e diretora de TI da GSK para Brasil, Argentina e México
Vânia Neves, conselheira e ex-líder de tecnologia da Vale e GSK Brasil, Argentina e México
Inspirada pela mãe, Vânia almejava uma carreira na psicologia. “Ela não fez faculdade, mas vivia cercada de gente, aconselhava a todos, e eu achava aquilo o máximo”, relembra. Mas rapidamente seu olhar se voltou para outra forma de entender o mundo: a tecnologia.
“Na época em que comecei, não existia um curso específico. Então, fui para a matemática, que era uma ponte para tech”, conta a ex-CTO da Vale, formada pela Universidade Federal Fluminense.
“Como precisava trabalhar, prestei concurso e fiquei por dois anos no INSS, mas não atuava com nada relacionado a tecnologia. De repente, uma amiga me deu uma dica: ‘abriu um processo seletivo para trainee na White Martins’. Aí eu cometi minha primeira loucura, larguei o serviço público para abraçar a oportunidade.”
Liderança
Com quase 40 anos de experiência — e vinte à frente de gigantes como a farmacêutica GSK e a mineradora Vale —, a trajetória da conselheira foi marcada justamente por seu desejo de compreender as particularidades dos indivíduos. “A paixão pela psicologia me faz ser uma ‘tech people person’. É uma perspectiva da tecnologia voltada para pessoas, afinal, são elas que trazem resultados para as empresas.”
Neste período, Neves se tornou mestre em liderança e não parou de procurar modos de se manter atualizada. “Eu sempre fui inquieta, gosto de saber o que está acontecendo. No mestrado, escolhi abordar o impacto do ‘Global Mindset’ em líderes, porque queria provar algumas teses com a ciência.”
Inovação na prática
Em uma comunidade composta por uma maioria masculina, a mente agitada de Vânia se destacou e a levou ao posto de diretora de inovação do grupo de CIOs do Rio de Janeiro. “Isso culminou em um movimento de ‘cultura inovadora’ na GSK Brasil, onde eu criei uma trilha de aprendizado e letramento para executivos e colaboradores.”
Na Vale, a ex-CTO liderou a criação de um modelo de democratização de ferramentas tecnológicas dentro da organização, permitindo que diferentes áreas tivessem autonomia para desenvolver soluções de acordo com um escopo de governança definido pelo time de tecnologia.
A força feminina na tecnologia
“Você conhece a fábula do sapinho surdo?”, pergunta Neves. A história referida pela conselheira, em suma, narra a conquista de um sapo que alcançou o topo de uma torre, enquanto todos os outros competidores desistiram porque a multidão entoava comentários negativos sobre eles. “Em alguns momentos, precisamos fazer como o sapinho, se blindar, respirar fundo e seguir.”
Para enfrentar os desafios de atuar em um setor majoritariamente masculino, a ex-diretora de TI da GSK buscou antecipar tendências, liderar de maneira humanizada e estar pronta para qualquer questionamento. “Vindo de uma família muito humilde de negros, aprendi, desde pequena, algo super relevante: ‘se você quer mudar a realidade, tem que se preparar para as oportunidades que podem aparecer. Minha jornada foi assim, tentando trazer excelência para a empresa e para a equipe.”
Conselho
“A capacitação é a chave. Mulheres acreditam que precisam estar 100% prontas antes de aceitar um novo desafio, os homens, por outro lado, tendem a confiar mais na própria capacidade de aprender no processo. Mas a verdade é que nós já estudamos e nos preparamos bastante. Se você domina 98% do que precisa, vá em frente, o restante você conquistará com o tempo”, afirma Vânia, que, além de conselheira, é mentora de lideranças femininas.
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Foto de Daniela Komatsu, CIO da Espaçolaser
Daniela Komatsu, CIO da Espaçolaser
Natural de Araçatuba, interior de São Paulo, Daniela vem de uma família de dentistas. Interessada por problemas lógicos, aos 12 anos, procurou uma escola de programação. “Eu sempre tive o objetivo de ser líder em uma multinacional, eu tinha essa ambição. Quando a vaga surgiu, me inscrevi para um processo seletivo para estagiar na IBM, onde me especializei em SAP”, conta.
Liderança
Foi na Accenture, empresa que atuou por mais de uma década, que Komatsu teve sua primeira oportunidade com a liderança. “Nessa época, havia uma preocupação muito grande com a participação das mulheres no mercado, por diversos motivos, alguns que eu já conhecia, como que a diversidade aumenta a performance”, pontua.
Antes de assumir o posto na Espaçolaser, a CIO foi head de tecnologia do Grupo Fleury. Para ela, as duas empresas se conectam por suas equipes majoritariamente femininas com o propósito de entregar “bem-estar”. “Promover esse tipo de cuidado com ferramentas inovadoras me atraiu.”
“Hoje, meu desafio é estimular soluções tecnológicas que tragam eficiência, produtividade, inovação e informações apuradas para a tomada de decisão.”
Inovação na prática
A missão da executiva nos últimos meses tem sido implementar uma governança de dados para a companhia. Com milhões de materiais obtidos mensalmente por meio dos atendimentos em mais de 800 lojas espalhadas pelo Brasil, o obstáculo é transformá-los em indicadores qualitativos.
“É um caminho longo, que exige uma mudança de visão e de comportamento, além de muita tecnologia. É algo que precisa estar no dia a dia de todas as áreas, para que os dados sejam utilizados de forma analítica, para traçar planos de ação e mitigar erros”, diz a CIO, que vê a cadeira de C-Level como solitária e, por isso, busca manter redes de networking ativas.
“Ter contato com outras pessoas da área e frequentar eventos, por exemplo, ajuda a direcionar algumas escolhas e não adotar novidades por causa do hype.”
A força feminina na tecnologia
Entre os grupos de lideranças de Daniela, está o MCIO Brasil, formado por mulheres na posição Chief Information Officer. “Nos reunimos, trocamos bastante informação e nos ajudamos. Mulheres precisam ajudar umas as outras. Se alguém falasse isso para mim há 20 anos, eu, que já estou com quase 30 de carreira, diria ‘nossa, que bobagem’, mas faz toda a diferença”, reforça.
Conselho
Tendo em vista a desigualdade de gênero no setor, Komatsu aponta para a conscientização e a autoestima como caminhos possíveis. “A primeira coisa é ter consciência de que não é apenas pela competência que você vai chegar lá. Então, vá atrás, busque, se interesse. Não há barreiras para isso. Assim como os homens celebram conquistas e aceitam as oportunidades, nós também devemos.”
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Claudia Regazzini, Diretora Executiva na CI&T
Boa aluna em matemática durante a época de escola, Claudia viu na tecnologia uma chance de dedicar-se a disciplina. “Fiz um teste vocacional, mas o resultado sugeriu jornalismo e publicidade. Só que não era o que realmente me entusiasmava. Então, em 1993, entrei na PUC-Campinas para estudar Análise de Sistemas.”
Apesar de não ser como imaginava, a executiva “se apaixonou” pela profissão. “No terceiro ano, durante o meu primeiro estágio, tive a certeza de que era isso o que eu queria para a vida. Não era sobre explorar um mundo masculino, era sobre o meu interesse”, pontua.
Liderança
De acordo com Regazzini, a maioria dos jovens que saem da faculdade de computação começam no cargo de “desenvolvedor”. “No meu caso, não foi diferente, mas logo percebi que a área não combinava com a minha verdadeira vocação. Eu sentia falta da comunicação.”
Algum tempo depois, ela migrou para o setor de qualidade, espaço ideal para compreender de maneira mais abrangente o funcionamento de um negócio. A oportunidade de se aprofundar e o engajamento com a nova função motivaram Claudia. “Passei a coordenar outros profissionais e a ajudá-los.” Deste momento em diante, ela se soube que sua aptidão estava na liderança.
Inovação na prática
Quando o mercado de transformação digital começou a ganhar força, Claudia foi responsável pelo escopo da CI&T para o Itaú, primeiro grande contrato da companhia no Brasil. Em seguida, Regazzini levou “para casa” a Cielo. “Foi um processo desafiador e emblemático. Claro, não fiz nada sozinha, trabalhei com muitas pessoas incríveis, mas tenho um carinho especial por essa conquista.”
A executiva menciona sua abordagem baseada na escuta ativa como chave para bons resultados. “Entendo as necessidades do cliente, combino esse conhecimento com a minha bagagem em tecnologia e busco criar valor para ele. Não se trata apenas de oferecer uma solução tecnológica, mas de mostrar como ela pode gerar impacto e retorno financeiro.”
A força feminina na tecnologia
Claudia lembra que, no passado, foi questionada e tratada de forma desigual por ser mulher. “Ao mesmo tempo, não me deixei abalar por comportamentos ou comentários que poderiam me desmotivar. Sempre fui à luta.”
A diretora via os obstáculos como formas de aprender e melhorar. “Se me diziam que eu não era capaz, eu ia lá e provava o contrário. No fundo, eu nunca duvidei da minha capacidade”, conta. Mas a segurança para enfrentar o status quo só veio com a experiência. “Ainda enfrento desafios em um ambiente predominantemente masculino. Porém, com a maturidade, aprendi a me posicionar.”
Conselho
“Eu quero que as mulheres cresçam, que sejam elas mesmas. Se não quiserem ser líderes, que isso seja uma escolha delas, e não uma imposição. Não podemos entrar em uma reunião já com medo, achando que estamos devendo algo.Temos todas as habilidades e competências necessárias para trabalhar com tecnologia. Não há nada que os homens façam que as mulheres não possam fazer”, finaliza a diretora executiva.
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Leila Martins, Diretora de Dados da Lojas Renner S.A.
Médica veterinária de formação, Leila não seguiu o caminho tradicional do mercado. “Em um momento da minha vida, decidi mudar de carreira”, conta a executiva, que começou na tecnologia por acaso. “Tive a possibilidade de trabalhar em uma multinacional e, algumas habilidades, como falar inglês, me direcionaram para um projeto de implementação de sistemas baseados em dados. Foi meu primeiro contato com esse universo.”
Para sanar as lacunas técnicas, Martins fez cursos específicos ao longo dos últimos vinte anos. “Hoje, existem inúmeras capacitações disponíveis. Mas, basicamente, a atuação em grandes projetos me forjaram na prática.”
Liderança
A familiaridade com dados em uma época embrionária do segmento abriu portas para Martins. A bagagem na área levou a executiva a coordenar iniciativas e equipes, o que a capacitou para assumir posições de liderança. “Minha capacidade e visão em perspectiva fizeram com que eu me destacasse. Foi muito natural.”
Agora, a CDO atua na gestão tecnológica com um olhar especial para os negócios. “As soluções precisam partir de uma necessidade. Quando isso fica evidente, é possível se beneficiar de qualquer ferramenta.”
Inovação na prática
À frente do departamento de dados das Lojas Renner, uma das maiores varejistas do Brasil, Leila brinca que as possibilidades são abundantes, o que facilita a inovação. “Trabalhar no varejo é uma delícia, porque lidamos com diferentes áreas e temas, do desenvolvimento de produtos à logística.”
Em particular, a CDO destaca uma iniciativa de “captura de tendências” por meio de dados. “Conseguimos identificar, a partir de informações públicas, qual é a tendência de moda que vai se transformar em um sucesso.”
A força feminina na tecnologia
Para Martins, não há diferenças consideráveis entre lideranças femininas e masculinas. “Existe uma energia mais agressiva e uma energia mais acolhedora. No entanto, muitas vezes, associam essas manifestações a gêneros”, explica.
Por outro lado, os percalços vividos pela executiva a levaram a combater a desigualdade no setor. “Eu tenho uma preocupação real em desenvolver um olhar de inclusão nos lugares onde eu atuo, para que a gente consiga proporcionar oportunidade de crescimento para mulheres.”
Conselho
O poder da tecnologia em promover mudanças na sociedade e a ascensão de novas ferramentas é uma chance única para quem deseja começar, diz Leila. “O potencial de desenvolvimento pessoal e de carreira é amplo e é para todas.”
Alaine Charchat, CIO da Reckitt na América Latina
Capa da primeira edição da lista Forbes Melhores CIOs do Brasil, Alaine nasceu em Padre Miguel, subúrbio do Rio de Janeiro. “Comecei na tecnologia por influência da família. O foco naquela época era trabalhar para ganhar dinheiro”, relembra.
No terceiro ano do Ensino Médio, formada em um curso tecnólogo em processamento de dados, Charchat mudou o turno escolar para estagiar como programadora em uma rede de supermercados. “Fiquei impactada porque só tinha homem. Eu questionava meu pertencimento àquele espaço.”
Com o aumento salarial proporcionado pela efetivação, ela ingressou na faculdade de Ciência da Computação, onde sentiu um novo “choque”. “Tinham três mulheres na minha turma. Então, desisti e migrei para o marketing, mas como eu não poderia sair do trabalho, continuei na tecnologia e nunca saí.”
Liderança
Nos últimos 20 anos, Charchat passou por gigantes do setor de bens de consumo. Em 2022, foi convidada para assumir o posto de CIO da Reckitt para América Latina, com a missão de acelerar a transformação digital da empresa. Apesar de não ter trabalhado diretamente com marketing, a formação rendeu bons frutos. “Eu aprendi muito sobre o mercado. Logo, busquei saber por que eu uso a tecnologia e como ela pode ser um diferencial para o crescimento da companhia.”
Inovação na prática
Além da otimização de investimentos e eficiência operacional, Alaine organizou um hackathon — “maratona” que reúne pessoas de setores distintos para desenvolver estratégias inovadoras — inédito na Reckitt. “Ninguém falava de inovação aberta. Depois do evento, criamos um escopo de soluções que estamos entregando até agora”, celebra. Hoje, a CIO lidera mais de 200 iniciativas, que vão de inteligência artificial a low code e no code.
A força feminina na tecnologia
“Fui transferida para São Paulo em 2005. Cheguei na cidade com um salário de, aproximadamente, dois mil reais para me manter sozinha, pagar aluguel, me alimentar, enfim, fazer tudo. Só que eu sabia que era uma oportunidade única. Enquanto meus colegas passeavam no fim de semana, eu pegava horas extras”, relata a executiva.
As duas décadas de experiência e as “madrugadas de estudo e preparação” trouxeram o respeito e estabilidade que, em alguns momentos, são negados às mulheres. “Eu sofri preconceito, às vezes, precisava falar alto, me masculinizar. Atualmente, sinto que posso ser eu mesma. Não preciso de uma máscara”, afirma.
Conselho
No primeiro emprego, Alaine foi vítima de assédio. “Meu chefe olhou para mim e disse: ´Nossa, eu fico te imaginando nessa posição´. Ele se referia a camiseta que eu vestia, com a estampa de um bebê engatinhando. Quando denunciei, fui demitida.” Este episódio, em particular, além dos percalsos cotidianos, motivaram a líder a ajudar outras mulheres, seja com conversas ou com projetos práticos.
A mensagem que Charchat deixa às suas ouvintes é: “Dentro do universo tech, você pode ser o que quiser. Eu digo que é como um parque da Disney, tem brinquedos para todos os perfis. Não tenha medo.”