
O CEO da Shopify, Tobias Lütke, implementou uma política de contratação que prenuncia uma mudança fundamental nas práticas de emprego. Os gerentes agora devem provar que a inteligência artificial não pode executar um trabalho antes de receber permissão para contratar talentos humanos.
Na plataforma de e-commerce, a proficiência em IA já é um dos fatores levados em conta nas avaliações de desempenho. Em um memorando interno, Lütke estabelece uma nova diretriz para os times em relação ao uso de inteligência artificial: “Usar IA de forma eficaz agora é uma expectativa fundamental para todos na Shopify.” Não apenas para desenvolvedores. Nem só para analistas. Para todos.
Isso não é uma moda passageira ou mais um item na lista do departamento de TI. É uma mudança cultural. Um novo jeito de trabalhar e pensar — que a Shopify está integrando às suas avaliações de desempenho, ciclos de desenvolvimento de produto e expectativas em toda a empresa.
No memorando, o CEO faz as seguintes declarações:
- Proficiência em IA agora é obrigatória: Usar IA de forma eficaz deixou de ser opcional na Shopify — é uma exigência básica para todos os colaboradores, independentemente da função. Isso representa uma mudança cultural e operacional significativa.
- Não usar IA exige justificativa: Os funcionários devem demonstrar por que a IA não pode ser usada antes de solicitarem recursos adicionais (como mais equipe ou tempo).
- IA no desenvolvimento de produtos: A IA deve ser integrada nas fases iniciais de todos os projetos. A intenção é acelerar drasticamente o aprendizado e a colaboração entre equipes.
- Responsabilização pelo desempenho: A Shopify está incluindo o uso de IA nos critérios de desempenho e nas revisões entre colegas, tornando sua adoção parte da forma como os funcionários são avaliados e recompensados — inclusive as lideranças e a alta gestão.
Lütke afirma que não adotar a IA agora levará à estagnação e ao declínio, enfatizando que os colaboradores precisam continuar aprendendo — ou correrão o risco de retroceder. “Esse é um exemplo do que é a liderança na era da IA”, diz Paul Baier, colaborador da Forbes US e CEO da GAI Insights, empresa de consultoria e pesquisa especializada em inteligência artificial generativa. “CEOs devem aprender a liderar organizações com mil colaboradores empoderados por 5 mil assistentes de IA.”
Mentalidade de negócios, não apenas de tecnologia
O memorando do CEO da Shopify impactou devido à sua franqueza. Lütke não sugere educadamente que os funcionários “experimentem” a IA. Ele não oferece módulos de treinamento nem ferramentas opcionais. O executivo diz: adapte-se ou fique para trás. “Estagnação é fracasso em câmera lenta. Se você não está subindo, está escorregando.”
O comunicado também reflete uma realidade mais ampla: a inteligência artificial já deixou de ser um experimento para se tornar uma expectativa. No novo cenário, as empresas que vão prosperar são aquelas cujos CEOs deixarem de encarar a IA como um projeto isolado — e passarem a tratá-la como parte central de seu modelo operacional.
Isso não é uma tentativa de ganhar atenção ou parecer “descolado” no setor. Para organizações que atuam nos setores mais impactados pela IA generativa — como mídia, varejo, finanças e logística —, consciência e experimentação já não são suficientes. A adaptação virou obrigação. E ela começa no topo.
Além do CEO da Shopify
Outros líderes empresariais vêm emitindo diretrizes semelhantes, ainda que menos divulgadas.
Jon Moeller, CEO da Procter & Gamble, defende uma visão pragmática, porém ambiciosa para a IA em todas as áreas da empresa, descrevendo-a como “um multiplicador de força para crescimento e produtividade”. Em entrevista ao Goldman Sachs, disse que a IA já está sendo usada para melhorar o controle de qualidade em tempo real nas linhas de produção, acelerar formulações de produtos e personalizar o marketing. “A IA permite que cada um de nós seja mais produtivo e eficaz — que sejamos melhores no que fazemos.”
Jane Fraser, CEO do Citigroup, fez da IA um pilar central da estratégia de modernização de US$ 12 bilhões (R$ 70, 9 bilhões) do banco, tanto para ganhos internos de eficiência quanto para melhorar a experiência dos clientes. Em entrevista à Fortune em julho de 2023, Fraser contou que ferramentas de IA generativa já estão sendo utilizadas pelas equipes, incluindo na geração de código e limpeza de dados. “Precisamos ser proativos ao adotar a IA”, afirmou. “Ela é essencial para vencer na era digital.”
Chip Bergh, CEO da Levi Strauss & Co., liderou a integração da IA para aprimorar previsões de demanda, otimizar estoques e melhorar a agilidade da cadeia de suprimentos. Usando modelos preditivos baseados em dados de vendas em tempo real e sinais externos, a Levi’s conseguiu reduzir liquidações e melhorar a disponibilidade de produtos. “Você não pode terceirizar velocidade. O mundo se move rápido demais e os consumidores esperam mais. A IA nos ajuda a acompanhar o ritmo.”
Como liderar na era da IA
Liderança executiva não exige apenas apoiar a IA em discursos ou aprovar mais um projeto-piloto. CEOs precisam repensar sua forma de liderar. Veja como isso se traduz na prática:
Torne o uso obrigatório, não apenas encoraje a exploração: Como Lütke, CEOs devem deixar claro que usar IA não é opcional. A alfabetização em IA e a experimentação devem ser esperadas de todos — não só da equipe de inovação. Inclua nos treinamentos, nas avaliações de desempenho, promoções e revisões de projetos.
Vincule a IA a resultados concretos: A Shopify não quer projetos de IA por vaidade. Ela quer que a IA seja usada na fase inicial dos projetos, quando velocidade e experimentação são mais importantes. CEOs devem insistir no uso de IA onde ela pode acelerar objetivos centrais: onboarding mais rápido, previsões melhores e experiências mais responsivas para o cliente.
Formalize a responsabilização: Seguindo o exemplo da Shopify, inclua a proficiência em IA nas métricas de desempenho — em revisões entre colegas, OKRs (objetivos e resultados-chave) ou dashboards das equipes. Isso reforça que a inteligência artificial não é uma habilidade técnica, e sim uma postura profissional.
Projete para escalar, não para impressionar: Chega de pilotos sem caminho para produção. Defina padrões de uso, crie estratégias de ferramentas em toda a empresa e estabeleça políticas de “IA como padrão” nos fluxos de trabalho. Assim se vai do novo ao normal.
Lidere culturalmente, não apenas operacionalmente: Uma das responsabilidades mais subestimadas dos CEOs hoje é o exemplo cultural. Use IA no seu próprio trabalho. Fale sobre isso abertamente. Pergunte às equipes como estão aplicando. CEOs são o principal sinal cultural de uma empresa — se tratarem a IA como uma moda passageira, o resto da organização fará o mesmo.
Um novo cenário
O mercado de trabalho está se aproximando rapidamente de uma era em que as empresas líderes funcionarão como organizações autônomas — abastecidas por dados, orquestradas por IA, altamente automatizadas, continuamente aprendendo e adaptando suas estratégias em tempo real. Isso não acontecerá por acaso. Exigirá dos CEOs uma mudança no próprio metabolismo das suas organizações.
O que a Shopify demonstrou é que o caminho para esse futuro não depende de plataformas caras ou de grandes mudanças no quadro de funcionários; ele se constrói cultivando uma cultura de trabalho em que a IA faz parte dos projetos, funções e decisões.
Hoje, cada executivo deve se perguntar: Estamos realmente nos adaptando como organização? Ou estamos apenas tratando a IA como um experimento de laboratório?
*Doug Laney é colaborador da Forbes US. Também é autor do best-seller Infonomics e especialista em dados, IA e estratégia analítica, com passagens por Gartner, Deloitte e como professor na Universidade de Illinois.