
A remuneração dos executivos, além de ser fonte de constante preocupação das empresas, também desperta muita curiosidade entre profissionais de todos os níveis organizacionais. Se não estou em uma posição executiva, quero saber quanto ganham os que chegaram lá. Se já sou executivo, quero me comparar com outros para entender quão próximo estou dos demais. Isso é normal, somos seres humanos e o órgão mais sensível do nosso corpo é o bolso.
No Brasil, empresas de capital aberto divulgam um FR (Formulário de Referência) que consolida seus principais resultados, políticas e práticas de gestão. No formulário, a remuneração dos administradores é informada, o que acaba permitindo algum disclosure sobre o tamanho dos pacotes oferecidos.
Em abril, a XP publicou e, em seguida, tirou do ar, um relatório no qual havia divulgado dados de remuneração de grandes executivos do mercado. A publicação sofreu fortes críticas quanto à metodologia de apuração dos números, que teria gerado inconsistências tanto pela complexidade dos dados que dão origem às informações, quanto pelo descompasso entre o que é informado como expectativa de ganho futuro em um programa plurianual sujeito a riscos versus o ganho real anual do executivo.
As empresas se apressaram para explicar que o número não era bem aquele. Os valores reais seriam menores: ações não vinham performando, aqueles valores não seriam concretizados integralmente e os programas ainda não estavam vestidos e liberados para o exercício. Ainda assim, são cifras que geram discussão, e pior, viram fonte de negociação, mesmo sem o devido tratamento dos dados.
Esse FR deveria ser uma fonte confiável de dados para apoiar a tomada de decisão dos acionistas. Mas preciso dizer que, mesmo para alguns profissionais de remuneração, esses dados são uma caixa preta. Não é raro encontrar inconsistências entre os dados utilizados internamente para a gestão dos executivos e os números divulgados. Mas também faltam informações mais assertivas sobre o mix de remuneração e sobre a modelagem técnica dos programas de incentivos (especialmente os de longo prazo) para que seja possível chegar a uma proxy mais fidedigna da oportunidade de ganho anualizada dos pacotes oferecidos.
Em países como Estados Unidos e Canadá, e também na Europa, as informações de remuneração executiva são divulgadas com mais clareza e detalhamento, sendo inclusive auditadas por consultorias especializadas em remuneração. Mas, no Brasil, o tema sempre foi bastante espinhoso e passou por uma disputa judicial de quase 10 anos entre a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e o IBEF-RJ (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Rio de Janeiro).
Durante todo esse período, o IBEF-RJ conseguiu uma liminar geral para a não divulgação dos dados. Foi apenas em 2019 que o órgão regulador passou a exigir que todas as empresas de capital aberto divulgassem a remuneração mínima, média e máxima de seus administradores.
Ou seja, não faz tanto tempo assim que as empresas vêm cumprindo essa exigência da CVM. Lembrando que são dados complexos, sigilosos, aos quais poucos têm acesso mesmo dentro das empresas, e que passaram a ser “tratados” para viabilizar sua divulgação.
Depois da divulgação do relatório da XP, já me deparei com alguns casos de executivos carregando o material embaixo do braço e exigindo remuneração compatível com a dos maiores pagadores do mercado. Imagine o tamanho da encrenca. Como faz para explicar que, não só os dados são inconsistentes, como nem toda empresa de capital aberto tem a mesma geração de resultado, complexidade de gestão, governança e estratégia de remuneração?
Agora, mais do que nunca, as políticas e práticas de remuneração precisam estar azeitadas e rodando com excelência. A governança organizacional precisa se fortalecer, especialmente com comitês de remuneração que garantam a consistência, a qualidade e a lisura das metodologias, dos processos e da tomada de decisão.
Agora que a caixa de Pandora foi aberta, não há mais volta. A saída é corrigir o número, clarificar e padronizar as informações divulgadas nos Formulários de Referência e viabilizar comparações mais assertivas. Até lá, as especulações continuam e os meus colegas de RH e remuneração vão ter que cortar um dobrado para explicar o inexplicável.
*Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.