Quem estará nas trincheiras ao teu lado?
‐ E isso importa?
‐ Mais do que a própria guerra.
Ernest Hemingway
A essa altura, não tenho dúvidas de que você já se deparou com alguma análise, reportagem, infográfico, podcast ou TikTok que seja, tentando explicar todas as nuances que envolvem a invasão da Ucrânia pela Rússia. Por isso mesmo, não tenho pretensões de ser mais uma a debater as origens e consequências desse conflito. Mas, independentemente do seu grau de conhecimento geopolítico, uma coisa ficou evidente nos últimos dias da guerra: a importância de se ter aliados e aliadas.
Contudo, na vida, nem sempre os aliados são óbvios (ou maniqueístas, como uma guerra pode sugerir). Mesmo quando falamos do atual conflito, a Ucrânia vem recebendo apoios que vão além de incursões militares dos países da OTAN. Bilionários e grandes empresas multinacionais estão demonstrando sua oposição à invasão russa de diferentes maneiras. Seja bloqueando anúncios e removendo apps, como no caso de Facebook, Twitter, YouTube e Netflix, ou suspendendo atividades em território russo, como fizeram as gigantes Apple, Nike, Boeing, Mastercard e WPP – maior rede de comunicação do mundo, da qual sou CEO de uma de suas empresas.
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No mundo dos negócios, costumamos achar que aliados são aquelas pessoas parecidas conosco, com quem temos mais afinidade e nos relacionamos melhor. Felizmente, o universo é capaz de nos reservar surpresas.
Em 2021, fui convidada a abrir o ano letivo da Universidade Zumbi dos Palmares pelo advogado e reitor José Vicente. O Zé, como é chamado por todos, é um dos homens mais elegantes, inteligentes e amáveis que já conheci, que sorri com os olhos, e usa o poder da retórica para transformar a vida de milhares de jovens no Brasil. A Universidade Zumbi dos Palmares é uma instituição de ensino privada, sem fins lucrativos, fundada em 2004, que tem como missão primordial a inclusão da pessoa negra ou de baixa renda no ensino superior.
Em um primeiro momento, fiquei lisonjeada e com um sentimento de orgulho imenso diante da possibilidade de falar para 1,6 mil alunos. Porém, depois de agradecer o convite, perguntei: “Zé, você acha que faz sentido uma mulher branca e privilegiada abrir o ano letivo de uma universidade com 100% de estudantes negros e de baixa renda?”. Sem hesitar, ele me responde: “Lu, você é nossa aliada. Sem o seu apoio, e da empresa que você lidera, não teríamos conseguido lançar o Movimento ‘Cotas Sim’ com tanta repercussão”. O movimento é uma mobilização voluntária a favor da renovação das leis de cotas raciais nas universidades públicas federais, garantindo que um perfil cada vez mais diverso de alunos possam alcançar seu sonho.
O Zé Vicente achou essencial que uma pessoa com uma realidade completamente diferente de seus alunos também pudesse contribuir com a sua visão de mundo. Nessa troca, pude contar sobre os obstáculos que enfrentei para chegar na posição de CEO. Fato ainda mais relevante ao se considerar que, no Brasil, esse posto é ocupado por apenas 3,5% das mulheres, segundo a agência BR Rating.
Aquele acontecimento foi tão marcante e me ensinou tanto que me fez pensar nas alianças que, por toda a minha jornada, me fizeram chegar nesta posição de influência que exerço hoje.
O exercício de listar os profissionais homens foi mais complexo do que imaginava. Todos, sem exceção, muito diferentes de mim, mas com algo em comum: acreditaram na minha coragem em transformar a cultura, estruturas, modelos de negócio e, principalmente, a relação entre homens e mulheres no mundo corporativo. Sem aliados, jamais teria chegado até aqui e, com certeza, eles também não teriam conseguido ir tão longe.
Como feminista que sou, sigo em busca da equidade de gêneros e de aliados que compartilhem o mesmo desejo de transformação. Entender quais são as pessoas que estarão sempre ao seu lado, ainda que, algumas vezes, com pensamentos opostos, é fundamental para superar as inevitáveis adversidades, que surgem pelo caminho. E que fique claro: no mundo corporativo, seus aliados podem estar em qualquer posição. Não se trata de liderança ou poder, mas sim de dividir um mesmo propósito.
Caso esteja em uma posição privilegiada, distribua generosamente aquilo que recebeu em sua jornada. Como disse Winston Churchill, um dos principais líderes dos Aliados na 2ª Guerra Mundial: “Só existe uma coisa pior do que lutar com aliados. É lutar sem eles”.
P.S.: Naquela cerimônia de abertura do ano letivo da Universidade Zumbi dos Palmares, uma das alunas escreveu no chat do evento virtual “você me representa”. Apesar da minha pele branca, da minha história e posição social privilegiada, a minha verdade chegou até aquela jovem. Autenticidade e honestidade era o que eu tinha para oferecer e foi exatamente o que ela recebeu. Aquele gesto reforçou que o reitor estava certo. Com muito orgulho, sou e continuarei sendo uma grande aliada daquela aluna, da Universidade, do acesso à educação e à formação para todas as pessoas.
Luciana Rodrigues é CEO da Grey Brasil, conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial e do comitê estratégico de presidentes da Amcham.
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