Os exames de pulmão de pacientes com coronavírus que saíam de Wuhan, na China, mostravam os sinais clássicos de infecção. Enquanto os pulmões saudáveis geralmente apareciam escuros, esses mostravam a turvação branca que os médicos descrevem como “vidro fosco” nas radiografias e tomografias computadorizadas.
Esses padrões eram familiares a Savvas Nicolaou, professor de radiologia da Universidade de British Columbia e diretor de radiologia de emergência e trauma do Hospital Geral de Vancouver, no Canadá. Nos anos 2000, ele fazia parte de uma equipe que analisava radiografias de tórax de pacientes com SARS. Quando a Covid-19 começou a se espalhar em janeiro, ele se uniu a William Parker, residente de radiologia da mesma universidade. Parker é cofundador da SapienML, empresa que desenvolveu um software para anonimizar dados de imagens médicas, ao lado de Nicolaou e do engenheiro Brian Lee.
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Os três já haviam trabalhado juntos em um modelo de inteligência artificial para radiografias de tórax. “Pensamos, bem, podemos ver as descobertas da Covid-19 nesse modelo?”, disse Parker. Eles coletaram o maior número possível de radiografias e tomografias computadorizadas para começar a construir um modelo de AI de código aberto, analisando como a doença é exibida nos pulmões, com o objetivo de desenvolver uma maneira alternativa de diagnosticar pacientes, além dos testes existentes.
Dentre os que responderam à chamada para ajudar Parker, Nicolaou e Lee a construir esses diagnósticos por tomografia computadorizada, a maior empresa foi a Amazon.
Em janeiro, Nicolaou ligou para o Shez Partovi, um amigo de sua residência em radiologia há 25 anos, que agora lidera a divisão de ciências da saúde, genômica e dispositivos médicos na Amazon Web Services. Ele contou a Partovi sobre seu plano de “usar a AI para capacitar médicos de todo o mundo e ajudar a combater esta doença”, e o projeto decolou a partir daí.
Embora a maioria das pessoas conheça a Amazon como fornecedora de mercadorias, sua maior fonte de lucro operacional (67% no quarto trimestre) vem de sua linha de negócios de computação em nuvem, conhecida como Amazon Web Services. A operação, estimada por um analista de Wall Street no ano passado em meio trilhão de dólares, oferece vários serviços a seus clientes, incluindo armazenamento, hospedagem na web e –de particular interesse para pesquisadores que combatem a pandemia de COVID-19– aplicações de aprendizado de máquina.
Em março, a AWS anunciou sua Iniciativa Global de Desenvolvimento de Diagnóstico, oferecendo US$ 20 milhões em créditos na web e suporte técnico para ajudar a acelerar a pesquisa e o desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico de coronavírus. Em vez de conceder doações diretas em dinheiro, os projetos selecionados recebem o que normalmente teriam de pagar à AWS como crédito. O suporte técnico varia conforme o projeto, mas inclui acesso a especialistas da AWS. O programa é apoiado por um grupo grupo de cientistas e especialistas em saúde pública ainda a ser divulgado, com exceção de Steve Davis, copresidente do grupo de tecnologia em saúde digital da Organização Mundial da Saúde. No lançamento, haviam 35 instituições globais de pesquisa, startups e negócios envolvidos no projeto. Desde então, a AWS recebeu mais de 45 candidaturas adicionais de clientes, que estão sendo avaliadas.
A equipe de Nicolaou e Parker é a primeira parceria de diagnóstico, diz Teresa Carlson, vice-presidente do setor público de serviços online da Amazon. Outros parceiros incluem o Chan Zuckerberg Biohub, uma ONG fundada pelo CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, e sua esposa, Priscilla Chan. O BioHub está utilizando a AWS para otimizar modelos de aprendizado de máquina com dados genômicos para estimar quantos casos de uma doença existem na população além o que os resultados confirmados do teste indicam. As estimativas da escala de pandemias podem contribuir para a pesquisa de doenças infecciosas e informar o planejamento e a preparação da saúde pública.
Outro participante é a ETComm de Pequim, que fornece serviços de telemedicina para instituições médicas na China para diagnosticar remotamente doenças cardiovasculares. A empresa concluiu mais de 18.400 diagnósticos remotos de complicações da Covid-19 por meio de sua plataforma de leitura de eletrocardiogramas construída na AWS. Médicos da Universidade da Califórnia em San Diego receberam créditos da AWS por um estudo de pesquisa clínica usando inteligência artificial para acelerar o diagnóstico de pneumonia em pacientes com Covid-19 com base em radiografias de tórax.
A iniciativa de diagnóstico da AWS foi concebida em janeiro, depois que a unidade de Carlson, que trabalha com governos, instituições educacionais, organizações sem fins lucrativos e ONGs em mais de 180 países, recebeu inúmeras chamadas de clientes pedindo parceria em projetos em torno da doença. Sua esperança é que, com a criação deste consórcio para impulsionar muitos projetos diferentes ao mesmo tempo, as instituições participantes optem por trabalhar juntas e compartilhar suas descobertas globalmente, acelerando a luta contra a doença.
Muitos sistemas de saúde têm se esforçado para acompanhar o vírus que varre o mundo, e autoridades de saúde pública, médicos e cientistas pediram mais e melhores testes. Mas, mesmo quando os pacientes têm acesso aos testes, há questões remanescentes sobre sua precisão geral e a taxa de falsos negativos (ou seja, um paciente tem o vírus, mas o teste diz que não).
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A precisão diz respeito aos primeiros números dos testes de laboratório, “resultado provável de falhas de fabricação e procedimentos”, diz David Boyle, diretor científico e colíder do programa de diagnóstico da PATH, organização sem fins lucrativos de saúde pública global. Parte do problema é que alguns dos testes que analisam a presença do vírus foram acelerados pelo governo federal devido à natureza da crise. Além disso, ele diz, os laboratórios estão enfrentando “um enorme acúmulo de amostras para testes que enfatizam os componentes humanos, materiais e logísticos de um sistema de laboratório”.
A pandemia e a necessidade urgente de novos diagnósticos chegam ao centro de um problema de saúde pública global de longa data: falta de financiamento e coordenação em torno de diagnósticos em comparação a questões como vacinas, diz Steve Davis, que um dos diretores do grupo de saúde digital da Organização Mundial da Saúde e membro do grupo consultivo técnico da iniciativa AWS.
Historicamente, uma das razões pelas quais existem tantas dificuldades com os procedimentos de teste durante uma epidemia é simplesmente que “as pessoas se concentraram demais na cura”, diz Davis. Mas a Covid-19 está mudando essa atitude, com mais pessoas percebendo o valor do diagnóstico, diz ele.
De volta a Vancouver, Nicolaou e Parker esperam que, combinando padrões, como a porcentagem de pulmões com o padrão de vidro fosco, os médicos possam ajudar a diagnosticar melhor os pacientes e vincular a gravidade dos danos nos pulmões a diferentes estágios, da admissão ao hospital à ventilação, e, no pior dos casos, à morte. A equipe está compilando o que Nicolaou diz que será o maior conjunto de dados de imagens positivas para Covid-19 de todo o mundo. Embora outros centros locais possam ter mais dados, eles não terão alcance de diferentes continentes, que até agora incluem América do Norte, Europa, Ásia e Austrália. Um estudo recente de mais de mil pacientes com o novo coronavírus na China descobriu que as tomografias eram melhores na detecção da doença do que os testes de diagnóstico de reação em cadeia da polimerase comumente usados.
Cada imagem deve ser rotulada por um humano e, em seguida, inserida no modelo para treinar o algoritmo. Todas as imagens são armazenadas na nuvem Amazon Web Service, conhecida como S3, ou serviço de armazenamento simples. Até agora, a equipe marcou 1.000 imagens e há um estoque de milhares a mais. Atualmente, existem três equipes diferentes de codificação de inteligência artificial que desenvolvem modelos: SapienML, Universidade da British Columbia e a Amazon. Outro apoio ao projeto vem do Centro de Inovação em Nuvem da British Columbia e do Vancouver Coastal Health Research Institute.
“Não estamos divulgando isso como um empreendimento com fins lucrativos. Estamos lançando isso como um esforço humanitário”, diz Parker. A equipe espera lançar o modelo de AI de código aberto dentro de três meses, para que outros pesquisadores e empresas possam começar a usá-lo. Em seguida, eles trabalharão em direção à modelagem preditiva para os pacientes e correlacionarão suas análises com os testes de diagnóstico laboratoriais existentes.
O objetivo é ir além de achar uma maneira alternativa de diagnosticar pacientes, diz Nicolaou. O sonho dele e de Parker é usar os dados coletados para permitir que os médicos criem simulações, nas quais a tomografia computadorizada de um paciente pode ser usada para modelar virtualmente como eles podem responder a certas terapêuticas, melhorando assim o atendimento. Com os modelos virtuais, “você realmente começa a ver a resposta [do paciente] antes de implantá-la na realidade”, diz Nicolaou.
O desenvolvimento de novas maneiras de combater a pandemia está no centro da iniciativa da Amazon, diz Carlson. “Esperamos que possamos acelerar o atendimento e diagnóstico nos próximos um a dois anos com esse investimento inicial de US$ 20 milhões –mas isso é apenas o começo”, diz ela.
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