Poucos assuntos são tão difíceis de abordar quanto este: o impacto do estado de saúde mental de um dos pais – ou de ambos – nos filhos. Antes de me ater a isso, gostaria de reforçar mais uma vez: dependência do álcool, de drogas, depressão, ansiedade e outras tantas condições mentais não surgem porque alguém deseja ou as busca. São doenças que estão ligadas aos genes que alguém carrega, e ao ambiente, isto é, às circunstâncias de vida de uma pessoa. Por exemplo, se ela sofreu abuso sexual, se ela passou por momentos de medo intenso, se ela sofreu uma perda significativa – parceira ou parceiro, emprego, dinheiro etc.
A ciência sabe que, sozinhos ou em combinação, essas condições, que chamamos de estressores psicossociais, podem interagir com a vulnerabilidade genética de forma a alterar a química do cérebro. Quando ela é modificada, o estado de saúde mental também é alterado. Gosto de destacar esse ponto para que fique claro que ninguém escolhe ser ansioso, muito menos depressivo ou dependente de drogas.
Dito isso, me atenho ao tema central desta coluna. O estado de saúde mental dos pais pode afetar, sim, os filhos, dependendo da gravidade da condição que o pai, a mãe, ou ambos manifestam. Primeiro, porque a negação faz parte do quadro clínico dessas doenças. Se a pessoa nega a seu médico que está enfrentando um problema, nega à sua parceira ou parceiro, a seus familiares e colegas, por que não negaria aos filhos que não está bem?
É perfeitamente compreensível que os pais não queiram expor aos filhos – sejam eles crianças ou adolescentes – as suas vulnerabilidades. Pais desejam ser modelos. Como admitir aos filhos que estão sofrendo, que se sentem fragilizados? Lembremos que o estigma em relação aos transtornos mentais ainda é grande.
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Acontece que os filhos – especialmente crianças – têm o que se chama de “cultura da orelha”. Eles podem estar distraídos com o tablet ou com jogos, mas mantêm a orelha permanentemente ligada. Eles percebem que algo não vai bem, principalmente se a dinâmica do casal é afetada pelo estado de saúde mental de um dos parceiros.
Vale reforçar que transtornos mentais não são um problema de saúde apenas daquela pessoa que os manifesta. Eles afetam a saúde mental do núcleo familiar.
Adultos dispõem de um ferramental mais sólido para lidar com questões como essas, mas crianças e adolescentes não. O impacto de ter alguém gravemente depressivo em casa ou que chega do trabalho alcoolizado pode se manifestar na queda do rendimento escolar, em prejuízo nas relações dentro da própria família – por exemplo, maior agressividade – e nas relações daquela criança com os amigos. Geralmente, crianças cujo pai ou a mãe não estão bem são mais introvertidas, de poucos amigos. Elas se envergonham da situação que testemunham todos os dias e que não entendem e passam a se retrair, pelo temor de que os amiguinhos possam testemunhar o mesmo que ela.
Orientação familiar é uma das boas saídas para situações como essas que relatei. Conversas intermediadas por um profissional de psicologia são mais fáceis e ajudam, na maior parte dos casos, a tirar a nuvem que pairava sobre a família. Dar transparência aos sentimentos e às fragilidades tem um efeito muito positivo.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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