“O mundo mudou” é provavelmente uma das frases que você mais ouviu nos últimos tempos e não estou me referindo, apenas, àquela conversa entre pessoas de gerações diferentes, mas também ao que estamos vivenciando como sociedade.
Por mais lugar comum que possa parecer, a expressão revela marcas inegáveis da transformação, um exemplo disso é a minha própria vivência. Há alguns anos, quando fiz minha transição de carreira e anunciei que faria um trabalho transformacional – exatamente como no título desse artigo, fui chamada de romântica e utópica. Embora eu lide muito bem com feedbacks, decidi que eu ignoraria estes sumariamente. Preferi considerar apenas aqueles que me chamavam de vanguardista, ou visionária.
A pandemia causada pelo coronavírus evidenciou a profunda fragilidade do sistema capitalista. Após apenas alguns meses de lockdown impactando diretamente suas operações, diversas organizações tiveram seus números impactados, negócios já tinham fechado suas portas e milhares de trabalhadores perderam seus empregos.
Contudo, esse modelo econômico há tempos sofre grandes testes e não deve sobreviver por muito tempo, ao menos não da maneira como ele se apresenta. O capitalismo da forma como o conhecemos hoje — centrado essencialmente na capacidade humana de produzir e consumir o que produz — está à beira do colapso e já passa por sérios ajustes para acompanhar o ritmo de mudanças que ocorrem em nossa sociedade.
Pois bem, todas àquelas percepções anunciadas na introdução deste artigo têm sido materializadas por ações de empresas que estão capitaneando essas transformações. Essa afirmação está ancorada na minha vivência, pois conheço por dentro essas ações e tenho o orgulho de afirmar que algumas dessas organizações são, também, minhas clientes. Organizações que já entenderam seu papel estratégico nesse momento e resgataram a essência do que é sua função social. Pessoas em posição de poder que assumiram para si a responsabilidade na condução de ações afirmativas que causam verdadeira disrupção, como exemplo a Bayer, que investiu no desenvolvimento de um programa de trainees exclusivamente direcionado para pessoas negras.
Além das transformações do capitalismo que impactou diretamente nas prioridades dos shareholders, que passaram a demandar ações claras no que tange aos compromissos com meio ambiente, governança, sociedade. Stakeholders e a sociedade inteira nutrem novas expectativas com relação às organizações, prova disso são as constantes notícias do envolvimento direto de consumidores em decisões das marcas.
O aumento expressivo da desigualdade social, impactos severos no meio ambiente, falta de representatividade e um abismo de oportunidades quando o assunto é igualdade racial e de gênero no ambiente corporativo são alguns dos motivos que impulsionaram mudanças drásticas na forma como as pessoas enxergam companhias. Isso também impacta os consumidores que escolhem quais delas endossar: assistimos aos protestos dos consumidores com relação ao Nubank, e estamos assistindo os ajustes que estão sendo feitos pela marca.
Por exemplo, gestores globais “reclamam” sobre a dificuldade de reter em suas equipes talentos da geração Millennial — nascidos entre 1980 e 1994, que já representam pelo menos 70% da força de trabalho no mundo. Não é para menos: enquanto cresciam, grande parte deles testemunhou a lealdade de seus pais às empresas, para depois serem demitidos e substituídos por mão de obra mais jovem.
Certamente, boa parte das corporações não tem uma boa reputação com esse grupo, tanto que estudos mostram que 64% dos Millennials consideram iniciativas ligadas a aspectos como social e a sustentabilidade quando estão decidindo onde trabalhar e não aceitariam um emprego em uma empresa que não tivesse valores e práticas fortes de responsabilidade social.
Empresas agora e no futuro precisam ter em mente que incorporar questões relacionadas ao impacto social e ambiental em suas estratégias de marca e de negócios não é mais uma escolha, mas sim, como venho repetindo à exaustão: um imperativo mercadológico. Com isso, líderes já entenderam que uma companhia não deve ter como propósito fundamental gerar lucros para seus shareholders, mas também – e talvez prioritariamente – gerar valor, melhorar seu entorno e facilitar a vida das pessoas em sociedade.
A utopia que encontro é apenas e tão somente com relação a visão de mundo que todes nós desenvolvemos ao longo da vida: é preciso esquecer o imediatismo e pensar no longo prazo e na longevidade das ações. Pesquisas e reports, como Total Societal Impact: A New Lens for Strategy da BCG, já provam que empresas que assumiram a liderança em pautas sociais e ambientais recebem retornos financeiros e conseguem aumentar suas margens em pelo menos 4.8%.
Para tanto, a noção de investimento em Diversidade e Inclusão que é praticada em muitas empresas precisa adquirir contornos mais estratégicos do que o que vemos por aí. Muitas instituições se valem apenas do investimento em eventos para comemorar marcos importantes, mas não agem com visão transformacional de longo prazo. Shareholders e corporações necessitam aceitar que tem uma responsabilidade na transformação social e que o conceito de responsabilidade social é muito mais abrangente e complexo.
Aproximadamente 50% das melhores práticas de D&I não estão diretamente relacionadas à diversidade em si, mas são práticas desejadas por todos, como tratamento justo e flexibilidade organizacional. Isso porque Diversidade é sobre Cultura – e cultura organizacional é sobre Segurança Psicológica.
No entanto, ainda pensamos no curto prazo e as ações e práticas que pretendem resolver Diversidade acabam por estar desconectadas de um objetivo macro, e assim não fazem fissura em estruturas complexas.
Para ter sucesso a inclusão deve ser uma estratégia de negócios de ponta a ponta e não apenas um programa de RH ou ação de atração de talentos. No entanto, 65% das pessoas em posição executiva sênior acreditam que é responsabilidade do RH implementar programas de diversidade e inclusão, os dados são da Forbes Insider.
A mais recente pesquisa da PwC Brasil realizada em mais de 40 países demonstrou que 95% das organizações falham nas principais dimensões de programas de D&I. Alguns dos motivos eu listei acima. Em resumo: ação pontual não resolve problema estrutural, e é justamente pela necessidade de trabalhar estrategicamente as transversalidades que afetam decisões de negócio que, ao se colocar ao lado das pessoas, organizações poderão ser agentes de transformação social.
Ana Bavon é advogada especialista em Direitos Civis e membra da Comissão de Ética, Diversidade e Igualdade do IBDEE. Especialista em estratégias de Inclusão e Gestão das Diversidades nas Organizações na B4People Cultura Inclusiva, onde é CEO.
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