Desde o século 18, com Adam Smith, popularizou-se a ideia de que a melhor arma para beneficiar o consumidor é a concorrência, que estimula inovações e novidades no mercado. Em 2021, no entanto, essa premissa ainda enfrenta resistência por parte de muitos órgãos reguladores no Brasil.
Naturalmente, há uma relação muito forte entre a insatisfação dos consumidores e a falta de concorrência. Um dos segmentos mais oligopolizados do Brasil, o aéreo, destaca-se negativamente pelo fato de que 72% de seus clientes afirmaram já terem tido problemas com as empresas do setor. E, a cada 100 mil passageiros transportados em 2019 no Brasil, houve 40,6 reclamações registradas, mais de 3.000% mais do que indicador semelhante nos Estados Unidos, onde há maior competição entre as companhias aéreas.
Apesar de lesados, 95% deles não recorrem ao Judiciário em busca de seus direitos, segundo pesquisa da Idec/Data Popular. 31% afirma não tomar qualquer atitude por acharem que “não vai dar em nada”, enquanto 25% dizem acreditar “dar muito trabalho”, e 21% falam “não saber para quem reclamar”.
Diante da baixa qualidade na prestação de serviços por companhias aéreas e do grande desconhecimento por parte de consumidores lesados acerca de seus direitos, lawtechs surgiram com inovações, garantindo maior acesso à Justiça. De forma online, desde 2018 empresas como a LiberFly analisam por meio de tecnologia e jurimetria própria se os consumidores de fato foram prejudicados à luz do ordenamento jurídico, auxiliando na informação e educação de milhares de brasileiros.
Entre as iniciativas inovadoras, destaca-se a compra de crédito potencial, com a startup verificando a possibilidade de vitória em juízo e pagando de imediato o cliente lesado, em uma cessão de direito, visando a médio prazo recuperar os valores indenizatórios e lucrar. Uma prática, vale dizer, comum entre bancos e fundos de investimentos.
Outra inovação é protagonizada pela Resolvvi, que criou uma plataforma que realiza um intermédio entre o cliente prejudicado e escritórios de advocacia. Nada mais é do que o mercado trazendo soluções diante de problemas do setor.
Entretanto, como no Brasil é comum ocorrer o ditado de que “o poste que urina no cachorro”, ao invés de órgãos reguladores se preocuparem em cobrar, fiscalizar e buscar a melhoria dos serviços das empresas aéreas, a resposta tem vindo de outra forma: atacando quem oferece uma solução inovadora aos consumidores lesados.
Apesar de não serem escritórios de advocacia, essas empresas estão sendo acusadas de ferir o código de ética da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Desde 2019, por exemplo, a LiberFly sofre com Ações Civis Públicas movidas por seccionais da OAB de diferentes estados. O órgão, inclusive, já notificou 68 startups com atuação no país, as acusando de concorrência desleal com a classe dos advogados, publicidade ilegal e exercício ilegal da advocacia.
Embora não seja o caso, a própria restrição de publicidade de escritórios de advocacia se mostra controversa. A OAB proíbe a chamada propaganda ativa a partir da premissa de que advogados têm a função social de serem “a porta de acesso à justiça”. Nessa perspectiva, a profissão não seria um negócio qualquer que busca o lucro, com a propaganda supostamente podendo comprometer a “dignidade da profissão”.
A visão em outros países do mundo é, porém, muito distinta. Escritórios de advocacia norte-americanos podem se promover distribuindo panfletos, veicular propagandas na televisão e em outdoors. Tudo graças à Suprema Corte dos Estados Unidos que, em 1977, decidiu que as propagandas da advocacia deveriam ser permitidas. Entre os argumentos, considerou que “o discurso comercial atende a interesses sociais significativos”, pois a publicidade informa ao público a disponibilidade, a natureza e os preços dos produtos e serviços, permitindo aos consumidores atuarem de forma racional.
Um dos argumentos que embasaram o julgamento foi de que a maioria dos norte-americanos não estavam sendo atendidos ou alcançados adequadamente pelos advogados. Ou seja, permitir a propaganda poderia ajudar a melhorar os índices de acesso à justiça. Além disso, ao limitar a publicidade e concorrência, haveria menos incentivos para melhorar a qualidade dos serviços jurídicos.
Enquanto isso, 67% dos consumidores não conhecem os próprios direitos no Brasil. Se permitir a propaganda na advocacia melhora o acesso à justiça, é o caso de se repensar a regulamentação da atividade no país. Trata-se, ainda, de mais um argumento para a atuação das lawtechs, que analisam de forma individualizada se o consumidor tem ou não direito.
Ao ferir princípios constitucionais, como a livre iniciativa e a livre concorrência, a vedação da OAB à inovação e à propaganda apenas prejudicará os consumidores e a sociedade.
Afinal, coibir soluções jurídicas inovadoras das lawtechs e restringir o acesso à justiça é tapar o sol com a peneira: farão os brasileiros terem uma arma pedagógica e concorrencial a menos e não resolverá os graves problemas da qualidade de serviços prestados pelas companhias áreas. Além disso, mitiga os estímulos para mudar o status quo, que é ruim aos brasileiros.
Parafraseando o economista e filósofo francês do século 19, Frédéric Bastiat, diante da postura adotada contra as lawtechs e contra a propaganda, tudo leva a crer que a OAB seria a favor de uma legislação que proibisse a energia elétrica apenas para defender a indústria dos fabricantes de velas no final do século 19. A história mostra, contudo, que, cedo ou tarde, as inovações sempre se impõem e prosperam. E, quanto mais rápido os órgãos reguladores perceberem que estão em 2021, melhor para a advocacia e para os brasileiros.
Vitor Magnani é presidente da Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O) e do Conselho de Comércio Eletrônico da Fecomercio/SP. Professor da FIA e especialista em Relações Institucionais e Governamentais para ecossistemas inovadores.
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