“Lembro-me de ter lido ou escutado sobre a existência de um novo coronavírus na China em meados de janeiro deste ano. Não recordo ao certo qual foi minha reação ao ler a notícia, mas tenho absoluta certeza de que eu jamais poderia imaginar as proporções que iria tomar.
Assim que o vírus começou a se espalhar pela Ásia e Europa em fevereiro, algumas de nossas operações nessas regiões começaram a se preparar para o pior cenário. Até então, ninguém conhecia ao certo os reais impactos dessa nova doença, visto que a situação de pandemia foi oficializada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) somente em 11 de março.
Especializada em serviços de tecnologia, a Cognizant tem quase 300 mil colaboradores espalhados em 60 países e atende mais de 1 mil clientes. Somente na América Latina, somos mais de 5 mil pessoas em sete países distintos atendendo mais de 100 clientes. Isso faz com que qualquer decisão rápida a ser tomada seja extremamente complexa. Sei, entretanto, que nosso principal patrimônio são nossas pessoas e clientes, e algo precisaria ser feito de forma imediata para proteger exatamente esses dois maiores ativos.
Equipes de gestão de crise começaram a ser formadas global e regionalmente, para realizar uma leitura rápida da situação de cada país e possível implementação de medidas de segurança, sempre alinhadas ao direcionamento da nossa matriz nos Estados Unidos. Confesso que era um tanto assustador escutar das equipes do outro lado do mundo o que já estava se passando na Ásia e Europa, enquanto nós no Brasil e na América Latina em geral ainda não sentíamos o impacto dessa pandemia. A sensação era a mesma de quando você está nadando no mar, vê aquela onda gigante se formando e pensa: ‘Humm, ela vai me pegar’.
Em nossas reuniões iniciais do comitê de gestão de crise na América Latina, a primeira discussão foi sobre como colocaríamos nossos mais de 5 mil colaboradores para trabalhar remotamente de suas casas, da forma mais rápida possível e sem impactar a continuidade dos negócios de nossos clientes.
Por sermos uma empresa de serviços de tecnologia, temos certas vantagens em relação a outras indústrias. O trabalho remoto, seja fora dos nossos escritórios, seja no espaço de nossos clientes ou mesmo em home office, constitui atividade corriqueira e parte do nosso modelo de negócio. Em apenas duas semanas conseguimos movimentar quase a totalidade do nosso contingente populacional para o trabalho em home office.
Vimos, contudo, que muitos de nossos clientes não estavam preparados para uma mudança dessa magnitude e nessa velocidade. O próximo passo, então, foi justamente ajudá-los, seja por meio do estabelecimento de links, redes virtuais ou quaisquer outras soluções tecnológicas, a fim de que nossas equipes pudessem acessar os ambientes dos clientes e continuar trabalhando. Houve casos até em que foi necessário levar equipamentos dos clientes para as casas dos nossos colaboradores a fim de que os serviços não fossem interrompidos. E assim fizemos.
O próximo passo foi pensar em como garantir a integração e motivação das equipes de projetos que, acostumadas a trabalhar próximas, agora enfrentavam um cenário de completo isolamento. Mesmo habituados a usar ferramentas de colaboração remota e de videoconferência, nunca poderíamos imaginar o tanto que o contato humano do dia a dia faria falta. Para minimizar essa necessidade, desenvolvemos e estimulamos uma série de iniciativas:
● Happy hours semanais, de forma que as equipes pudessem se “encontrar” virtualmente e de forma descontraída;
● Aumentamos a cadência dos nossos Town Halls para mensal e mudamos para um formato virtual, para que eu tivesse a possibilidade de conversar com todos os nossos colaboradores e passar um status de tudo o que estávamos fazendo como empresa;
● Implementamos o “Hora Cognizant”, iniciativa que consiste em ações voltadas para a preservação da saúde mental neste momento de isolamento. No “Hora Cognizant”, temos apresentações e cursos diários sobre os mais diversos temas: culinária, como se organizar em home office, yoga, harmonização de vinhos e cervejas, desenvolvimento profissional e muito mais. Muitas dessas apresentações são feitas por nossos próprios colaboradores, às vezes até pelos clientes, o que ajuda ainda mais a integração neste momento de isolamento;
● Nosso Programa de Assistência aos Colaboradores provê psicólogos online, ajuda jurídica e orientação financeira neste cenário de incertezas;
● Como muitas pessoas não dispunham de estrutura doméstica adequada para home office em períodos prolongados como o que estamos passando agora, disponibilizamos as cadeiras de nossos escritórios para que pudessem levá-las para casa e trabalhar de forma mais ergonômica.
O feedback que temos recebido de nossa equipe sobre todas as iniciativas acima tem sido bastante positivo. Mesmo longe de uma situação ideal de trabalho, saber que nossas pessoas estão seguras, sentindo-se úteis, acolhidas e produtivas, nos dá a certeza de que tomamos decisões corretas. Identificamos, aliás, muitos casos de aumento de produtividade nas equipes e nos projetos. O fato de as pessoas não perderem tempo se deslocando no trânsito, de estarem 100% online, acessíveis, mas ao mesmo tempo próximas de seus entes queridos e com mais tempo para cuidar de si, fez com que muitas delas tivessem um incremento expressivo de produtividade. Isso, claro, nos faz pensar se todos deveríamos ou não voltar aos escritórios.
Independentemente dos próximos passos a serem tomados, já estamos prontos também para o momento da volta – se e quando isso for necessário. Os processos já estão definidos e claros sobre como procederemos quando esse momento chegar. Por outro lado, não temos pressa nenhuma para colocar esses procedimentos em prática, e somente os usaremos quando estivermos totalmente confiantes de que o retorno ao escritório não oferecerá riscos à nossa equipe.
Do ponto de vista de negócios, o que sei com certeza é que o novo normal não será igual ao de antes. Todo momento de crise faz com que empresas e pessoas sejam levados ao limite, e falhas estruturais ou grandes oportunidades apareçam. É exatamente em momentos como esse que inovações surgem, que pessoas e empresas se destacam. Uma mensagem que passo sempre para nossa equipe na América Latina é que, durante as crises, enquanto uns estão “chorando”, outros estão se adaptando e “vendendo lenços”. Minha visão é que sempre devemos nos posicionar como os que “vendem os lenços”, pois são esses que mantêm a calma em momentos de tensão e se adaptam mais facilmente para a nova realidade.
Vejam os exemplos das empresas nativas digitais, dos apps de delivery de compras, de comida, do e-commerce e de soluções via web de videoconferência, entre outras. A demanda por serviços digitais aumentou exponencialmente durante a pandemia, fazendo com que pessoas que provavelmente nunca haviam usado serviços como esses fossem obrigadas a utilizá-los. Empresas como essas citadas estão “vendendo lenços”. Por outro lado, as que ainda não abraçaram a transformação digital e mantêm alta dependência de canais de venda e modelos de negócios mais tradicionais são as que estão “chorando” durante a crise.
Para os que “choram” neste momento, fica a oportunidade de rever suas estratégias de negócios, processos, pessoas e tecnologia de forma a se posicionar melhor em um futuro próximo. Como a maioria dos leitores aqui deve ter recebido, também chegou para mim aquele famoso meme via Whatsapp com um questionário de múltipla escolha perguntando: “Quem foi o responsável pela transformação digital na sua empresa?”. As opções de múltipla escolha eram (1) CEO, (2) CIO, (3) CTO e (4) Coronavírus. Piadas e memes à parte, e não obstante quem foi o responsável pelo pontapé dessa transformação em sua empresa, agora é o momento de agir rapidamente visando à sobrevivência do seu negócio.
Se no vocabulário profissional do dia a dia em sua empresa não se fala muito de robotização de processos, métodos ágeis aplicáveis às áreas de negócios e tecnologia, nuvem, engenharia digital, internet das coisas, governança de dados e analytics, isso provavelmente significa que você ou ela podem estar em uma encruzilhada em direção à extinção. Enquanto se sabe que o processo de transformação digital é longo e custoso, sabe-se também que é muito difícil trilhá-lo sem que você ou sua empresa estejam acompanhados dos parceiros corretos.
Do ponto de vista pessoal, tento encarar os novos aprendizados sobre gestão de crises experimentados durante os últimos quatro meses como algo positivo e capaz de me tornar uma pessoa melhor para o futuro. Passo diariamente essa mesma mensagem para toda a minha equipe. É nesses momentos de maior tensão e estresse que as verdadeiras lideranças aparecem, e quando você realmente descobre quais são os parceiros de negócios e as pessoas em quem você pode confiar. Costumo dizer que durante a bonança, tudo é mais fácil, tranquilo, e as coisas andam mais suavemente. Nos tempos difíceis é que as lideranças se abalam, que as rachaduras aparecem; é quando o casco do barco racha, o chão treme e as empresas e pessoas mostram seu verdadeiro “eu”. Vejo isso como uma oportunidade ímpar para que cada um de nós possa refletir, olhar ao redor e aproveitar o momento para saber se você está bem acompanhado ou não.
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Tenho confiança em que, no fim de tudo isso, seremos seres humanos muito mais fortes e confiantes de nossas capacidades de recuperação e de adaptação. Vejo também a oportunidade de aprender a nos satisfazer com coisas mais simples. Um bom filme, comendo pipoca com a família no sofá é muitas vezes mais prazeroso que outros passeios mais elaborados. Tenho dois filhos, um de sete e outro de quatro anos. Eles estão adorando ter o papai em casa 100% do tempo com eles. Enquanto aprenderam a respeitar o fato de que estou trabalhando no meu home office e não devem me interromper, todos os dias, impreterivelmente às 18h, batem na porta do meu home office e gritam: “Papai! Hora de parar com o conference call e brincar de esconde-esconde!”. E, todos os dias, brincamos de esconde-esconde: eles se escondem sempre nos mesmos lugares da casa, eu sempre os acho e sempre terminamos a brincadeira rindo juntos. Isso mais do que basta para terminar meus dias sempre com chave de ouro.
Preciso confessar também que sentirei falta do tradicional Cognizant Day, nosso evento interno anual que ocorre em junho de todos os anos, desde 2015. Infelizmente não teremos o evento deste ano por causa da pandemia. Nele, reunimos milhares dos nossos colaboradores embaixo de um mesmo teto e discutimos sobre liderança, carreira, estratégia, resultados, além de dar a oportunidade para várias de nossas equipes se expressarem usando arte, música, dança e encenação. É um momento mágico, que só quem trabalha na Cognizant e já participou sabe do que se trata.
Com o objetivo de ajudar o mundo a passar mais rápido por esse período turbulento, no início de abril, anunciamos globalmente uma doação no valor total de US$ 10 milhões para os fundos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do GlobalGiving’s para o combate ao novo coronavírus. Esse dinheiro será usado para infraestrutura de saúde, incluindo hospitais e equipamentos hospitalares, treinamento de profissionais, educação e pesquisas relacionados ao combate da doença. Se cada um fizer sua parte, todos sairemos juntos mais rápido e mais fortes desse novo desafio chamado Covid-19.”
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