O Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, anunciou na última quarta-feira (16) um aumento de juros de 0,25 ponto percentual. A decisão tirou a taxa do zero pela primeira vez desde março de 2020 e pôs um fim oficial à política monetária expansionista da pandemia.
A mudança já era esperada. A antecipação elevou o custo das hipotecas residenciais, impulsionou as ações do setor financeiro do S&P 500 e aumentou os rendimentos dos títulos do Tesouro americano.
“A alta dos Treasuries ocorreu porque os juros já foram precificados, essa curva já aconteceu antes”, afirma Charo Alves, analista da Valor Investimentos. Investidores estrangeiros já alocaram US$ 62,22 bilhões nos ativos em janeiro, enquanto governos e instituições investiram US$ 12,29 bilhões, de acordo com dados do Treasury International Capital (TIC).
Em busca de reduzir a inflação de mais de 7%, a mais alta em 40 anos, analistas preveem até 6 outras altas nos juros este ano, de ao menos 0,25% cada. Com a perspectiva de que isso impulsione ainda mais os títulos do Tesouro norte-americano, vale investir?
O que são Treasuries?
Semelhantes ao Tesouro Direto brasileiro, os Treasuries são títulos de dívida pública dos Estados Unidos. Os papéis são negociados no mercado financeiro norte-americano com objetivo de captar recursos para financiar iniciativas públicas.
Eles são divididos em quatro tipos: bills (títulos prefixados com prazo de até 1 ano), notes (prazo de 2 a 10 anos, com pagamento de juros semestrais); bonds (prazo de 10 a 30 anos, também com pagamentos semestrais) e Tips (sigla em inglês para “títulos do tesouro protegidos da inflação”).
O ativo é considerado um dos mais seguros do mundo, já que a garantia dos títulos é do próprio governo dos Estados Unidos. Além do dólar ser considerado uma moeda poderosa, a chance de a maior economia do mundo dar um calote é praticamente zero.
Alta de juros: vale a pena investir nos Treasuries?
Para Martin Iglesias, especialista líder em investimentos do Itaú-Unibanco, o tesouro norte-americano não deve ser um ativo predominante na carteira, mas é excelente componente para combater riscos.
“A carteira é como um time de futebol. Precisa de bons atacantes, mas também de zagueiros potentes”, afirma Iglesias, lembrando que 2022 é um ano de muitas incertezas na economia.
O banco recomenda aos investidores de perfil moderado que dediquem 7,5% de suas carteiras no Tesouro norte-americano de 10 anos. A taxa sobe para 13% no perfil arrojado e 18,50% no perfil agressivo – apenas o conservador não contém Treasuries.
“Quanto mais arriscado o perfil do investidor, mais proteção é necessária”, explica Victor Vietti, superintendente de portfólio e analytics do Itaú-Unibanco. Ele acrescenta que os Treasuries são um dos principais ativos que a corretora recomenda para quem quer dolarizar os investimentos.
Contudo, é preciso lembrar que a taxa de juros dos Estados Unidos é baixa em comparação à do Brasil.
Para Rodrigo Marcatti, CEO da Veedha Investimentos, o risco dos títulos públicos brasileiros não é tão grande a ponto de justificar a decisão de investir nos Treasuries, principalmente quando a rentabilidade do Tesouro Direto entra nessa equação.
Historicamente, os títulos do Tesouro norte-americano de 10 anos rendem abaixo de 2% ao ano, enquanto as taxas tradicionalmente mais elevadas de juros e inflação brasileiras resultam em rendimentos acima dos 6%.
“O Brasil ganha de lavada como bom pagador de juros e a Selic ainda deve aumentar para conter a inflação. Se eu investir em um título de tesouro americano, não vou nem remunerar a inflação”, diz Marcatti. O Copom (Comitê de Política Monetária) aumentou a taxa Selic também na última quarta – os juros estão em 11,75% ao ano.
Entretanto, Vietti, do Itaú, afirma que um discurso mais hawkish (duro com a inflação) do Fed tem o potencial de elevar os rendimentos do Tesouro dos EUA.
“O cenário é muito incerto por causa dos impactos econômicos residuais da pandemia e os choques da guerra na Ucrânia, mas o banco central norte-americano deixou a porta aberta para uma alta de juros mais intensa, a depender da inflação.”
Como investir em títulos do Tesouro norte-americano?
Para investir no “Treasury Direct” (o “Tesouro Direto” gringo) do site oficial do governo dos EUA , é necessário ter um número de “social security”, o equivalente norte-americano do CPF brasileiro.
Por isso, a maneira mais simples de incluir esses títulos na carteira é fazer aportes em fundos brasileiros que invistam nesses papéis. Há também ETFs que replicam o desempenho de índices que acompanham os rendimentos dos Treasuries.
A B3 e a gestora de recursos BlackRock lançaram em fevereiro seis BDRs (Brazilian Depositary Receipts) de ETFs lastreados em Treasuries. No entanto, o investimento nesses ativos está restrito, a princípio, a investidores qualificados (aqueles que têm no mínimo R$ 1 milhão aplicado).
É possível adquirir títulos do Tesouro norte-americano nas bolsas dos EUA, onde são negociados, mas neste caso é necessário ter uma conta em uma corretora norte-americana. Se o investidor optar por abrir uma, precisará também se programar para receber transferências internacionais para ter acesso aos rendimentos – por meio de serviços como contas-dólar ou plataformas que tenham integração com corretoras internacionais.
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