Na mitologia grega, o azeite de oliva tem uma essência fortemente feminina: foi Atenas, a deusa da sabedoria, quem o ofereceu ao povo da Grécia em uma batalha com Poseidon pela proteção da mais nova cidade do país. Para decidir a disputa, Zeus determinou que sairia vencedor aquele que desse o presente mais precioso à população do território recém-fundado. Atenas venceu ao fazer surgir uma árvore de oliveira, capaz de fornecer alimento e um poderoso óleo. A dádiva teria sido tamanha que a cidade recebeu o nome da deusa em homenagem.
Apesar da explicação mitológica, a realidade não é bem assim: os homens dominam a indústria de azeite há séculos. Mas a tendência é que essa hegemonia não perdure por muito mais tempo. Nos últimos anos, cada vez mais mulheres têm se aventurado no universo dos azeites e das oliveiras – inclusive no Brasil, cuja produção interna mostra sinais de crescimento entre 10% a 15%, segundo o Ibraoliva – e se unido em iniciativas como o Women in Olive Oil para fortalecer a presença feminina no setor.
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Uma das brasileiras que buscam mudar o mercado é a gaúcha Glenda Haas. À frente de sua própria marca de azeites extravirgens, o recém-lançado (mas já premiado) Lagar H, ela não quer apenas ajudar a consolidar a presença feminina na cadeia produtiva, mas tem um ambicioso plano de dar “uma nova luz ao azeite de oliva”, em suas próprias palavras.
Formada em direito na PUC-SP e em administração na FGV, Glenda começou a se aprofundar nesse mundo ainda na academia, com um trabalho de mestrado sobre regulação do mercado de azeite no Brasil. Mas o desejo de produzir o produto por conta própria está na família Haas faz anos. Desde que comprou uma fazenda em Cachoeira do Sul (RS) em 2000, o pai da empreendedora tinha vontade de cultivar oliveiras na propriedade, algo que acabou não se concretizando. “Nenhuma empresa de pesquisa na época aconselhava a plantação de olivas. Falavam que não iria dar em nada, que no Brasil não funcionaria. E então ele desistiu e acabou investindo em uma fazenda de gado”, conta.
O antigo interesse só saiu do papel 13 anos depois, quando ele percebeu que a filha não estava totalmente feliz em seguir carreira na área do direito. “Quando meu pai ficou sabendo que existiam alguns produtores fazendo azeite, tanto na Serra da Mantiqueira quanto no Rio Grande do Sul, ele me perguntou se eu toparia estudar mais sobre o assunto, já que eu já gostava de comida, de viajar e conhecia um pouco de vinhos”, diz Glenda.
Foi assim que a sua saga de aprendizados começou, primeiro com pesquisas iniciais na internet, seguidas de cursos teóricos e de degustação pelo mundo – da Califórnia, nos Estados Unidos, a Portugal, Grécia e Itália, onde recebeu um atestado de idoneidade fisiológica que lhe deu o reconhecimento de aptidão para avaliar azeites e identificar corretamente seus aromas, intensidades e defeitos. “Descobri um mundo novo. O azeite é um produto que a gente usa todo dia e não sabe nada a respeito, tem um monte de particularidades que as pessoas nem fazem ideia”, afirma.
Glenda, então, finalmente começou a colocar a mão na massa (ou melhor, na terra) em 2014, com a plantação das oliveiras em uma área de 70 hectares em Cachoeira do Sul. Ela conta que escolheu mudas diferentes das normalmente usadas no Brasil – mais suaves e de herança portuguesa – para conseguir um perfil de azeite com mais personalidade, um pouco mais intenso e com origens italiana e grega. A primeira safra só veio em 2019, com um resultado final bom, mas ainda não como ela esperava. Na segunda, no ano seguinte, o processo foi bem diferente: corrigindo erros, com um acompanhamento mais de perto e uma colheita maior, Glenda os considerou perfeitos. “Provei e na hora já veio a ideia: vamos mandar para concurso, para fazer um teste. E então ganhamos todos os prêmios das iniciativas das quais participamos”, conta, referindo-se aos quatro concursos internacionais, entre eles o EVO International Olive Oil Contest, na Itália, e o NYIOOC World Olive Oil Competition, nos EUA.
O perfeccionismo é, inclusive, uma característica que fica muito explícita em Glenda ao ouvi-la narrar sua trajetória. E de um jeito positivo, como uma motivação para fazer o melhor com os recursos disponíveis e o incentivo de participar de praticamente todas as etapas de produção do Lagar H, como azeitóloga e diretora da marca. “Este não é um negócio para quem quer ganhar dinheiro rápido. É algo para o longo prazo, para as gerações futuras. Por isso precisamos fazer da maneira certa.”
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Sete anos e mais de R$ 10 milhões depois, o azeite extravirgem premiado de Glenda chegou aos consumidores em junho deste ano, em duas versões: o Blend da Safra, que mistura os diferentes tipos de olivas plantadas, e o Monovarietal, que será feito todo ano com a variedade que mais se destacou em produtividade, frescor e sabor.
Como as condições de cultivo mudam a cada safra, o objetivo da empreendedora é construir uma marca heterogênea, com um novo extravirgem com características específicas a cada ano. “A ideia é que o consumidor consiga aprender sobre o produto e passe a respeitar um pouco mais o que a natureza tem a oferecer. A gente vai na prateleira do mercado e compra sempre o mesmo azeite, mas eu não sou obrigada a ter todo ano a mesma coisa. E isso não sou eu quem diz, é a natureza”, afirma a azeitóloga. Assim, por meio das edições limitadas, ela quer ensinar ao público a pluralidade de intensidades, sabores e aromas que um azeite pode ter – e também fidelizar uma clientela que, ano ano, tenha interesse em descobrir a nova safra do Lagar H.
O trabalho de reeducação de Glenda também se estende aos produtores. Fundadora da Olivoteca, uma instituição sem fins lucrativos, ela busca promover o azeite extravirgem por meio de cursos, workshops e palestras para ensinar a estes profissionais a complexa tarefa de provar o produto e conseguir identificar os erros do processo.
Com uma ideia de azeite extravirgem longe do comum para o mercado brasileiro, a azeitóloga conta que se cercou de outras mulheres da empresa – ela conta com um time majoritariamente feminino, das colheitas à gestão e ao marketing dos negócios – para chegar ao resultado final que vemos hoje, questionado muitas vezes por ela mesma. “Acho que nós, mulheres, nos acostumamos muito a não acreditar no nosso taco porque sempre tem alguém falando – geralmente um homem – que aquilo que estamos fazendo não vai dar certo, que estamos loucas ou que não sabemos de nada. Mas as meninas da empresa me apoiaram, disseram que eu estava no caminho certo, que as pessoas entenderiam meu produto e que eu não deveria desistir.”
A força da sororidade também motivou Glenda a integrar o movimento internacional Women in Olive Oil, que tem mais de 1.000 mulheres em 40 países diferentes. “É um universo muito masculino, é muito mais difícil para as mulheres se juntarem e conversarem. O WIOO é um espaço de networking, de troca de experiência e um ambiente onde as mulheres pudessem estar livres para falar, uma vez que muitas reclamavam que mal podiam se expressar em outros grupos”, explica.
E, juntas, elas estão, ao que tudo indica, fazendo a diferença. “São as mulheres que estão, de fato, tentando promover uma mudança na qualidade e no nível de conhecimento do consumidor. Acho que essas iniciativas de troca vão se retroalimentando, gerando cada vez mais inovações, ideias e criatividade. E também apoio, quando você acha que está fazendo uma coisa muito louca e está em dúvida”, relata.
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Hoje, Glenda acumula diversos títulos: azeitóloga, CEO da Lahar H, cofundadora e presidente da Olivoteca, advogada, administradora e, recentemente, mãe de um menino de dois anos. Em sua visão, para os negócios de azeite serem rentáveis, é preciso paciência e planejamento no longo prazo – e, quem sabe, o envolvimento das próximas gerações da família Haas. Se esse for o caso, talvez já exista um futuro gestor em formação, já que o pequeno Martin já é apaixonado por azeite de oliva – e faz questão de colocá-lo em quase todas as refeições.
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