Enquanto Gabriel não chega, a engenheira mineira Silvia Penna, que há um ano e meio ocupa a diretoria geral da Uber no Brasil, prepara sua saída para que possa se dedicar exclusivamente por seis meses ao bebê que está esperando. A decisão de ficar fora da empresa por toda a licença-maternidade ainda não é algo comum entre altas executivas como Penna, mas ela atribuiu a segurança de tomar a decisão à cultura da empresa, que incentiva os pais a saírem em licença parental por 18 semanas. E também à presença de 57% de mulheres no quadro da empresa. Sua antecessora, Claudia Woods, foi uma das que abriu espaço para que outras viessem em seguida, acredita a atual líder.
A escolha de Silvia Penna é um passo importante para ajudar a dissipar a ideia corrente no mercado de trabalho de que mães são menos produtivas e que se dedicarão menos ao trabalho. Um estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas) mostra que, em dois anos, 51% das mulheres que tiram licença-maternidade estão fora do mercado, na maior parte das vezes por escolha do empregador e sem justa causa.
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Nesta entrevista, ela conta como está se preparando para ficar ausente do escritório e da importância de se incutir a ideia de licença parental na cultura da empresa.
Forbes: Como está sendo a preparação para sua licença-maternidade?
Silvia Penna: Eu digo que eu quero que seja a transição mais tranquila possível, mas que sintam a minha falta… Brincadeiras à parte, acho que é um momento ideal, em que todas as posições estão preenchidas por pessoas competentes e a equipe funciona. Eu procurei uma profissional que pudesse ficar no meu lugar e que, no momento, vai ficar trabalhando ao meu lado, fazendo as mesmas coisas, sendo shadow, e que já tem muita influência junto ao time, que é diretora de marketing. Começamos a desenhar esse plano há três meses e vai durar mais três ou quatro semanas, até que eu saia para cuidar do Gabriel.
F: Você ficou grávida pouco tempo depois que assumiu o cargo oficialmente [ela passou seis meses como interina]. Você planejou esse momento?
SP: Eu tive bastante dificuldade para engravidar, por diversas vezes fiz fertilização in vitro. Chegou um momento em que eu já não não pensava em conciliar a gravidez com o momento da minha carreira. Por muitas vezes antes disso eu pensei que, naquele determinado ano, não caberia uma gravidez… Em algum momento eu parei de fazer essa conta. E aí, quando deu certo, tinha pouco tempo que eu estava na posição que estou hoje. Mas meu chefe, que fica no México, é pai e tinha acabado de voltar de licença-paternidade de 18 semanas quando eu o conheci. Isso deixa a gente mais confortável. É mais fácil quando a licença vira um padrão e não um evento específico. Mas é claro que dá medo, eu venho de indústrias masculinas. No dia em que eu fui contar sobre a gravidez eu estava com tantos dedos que ele me disse que se sentiu aliviado quando eu terminei. “Nossa, achei que você ia pedir demissão”, falou.
F: Você conversou com outras mulheres que vivenciaram essa experiência para saber como se preparar?
SP: Há uma diretora geral da operação da França que saiu por uma questão de saúde e ficou meses ausente. Ela tem dois filhos, já saiu em outros momentos da carreira, mas teve que tirar uma licença por questões de saúde na família faz pouco. Falamos sobre medos, dificuldades, sobre como foi a volta. Ela também deixou uma interina e, quando voltou, escutou muitos elogios pela atuação dessa executiva. Ela me disse que isso deu uma sensação de satisfação, pois foi a responsável por desenvolver aquela outra profissional. Mas, ao mesmo tempo, existe aquela sensação de ‘será que eu fiz falta?’. Eu fui acompanhando e, depois que ela voltou, em quatro semanas já tinha assumido de volta todas as responsabilidades de uma maneira muito tranquila. Então acho que isso tem que estar na cultura da empresa. Faz muita diferença eu ter visto esse exemplo.
F: Você tem receios de ficar seis meses fora?
SP: Acho que o meu maior receio é voltar para uma Uber muito diferente do que a que havia quando eu saí. Mas isso não é necessariamente um problema, pode ser uma coisa muito boa, porque é uma indústria nova e que está evoluindo em vários aspectos. Esse é um tema que fica na minha cabeça, com certeza.
F: Ter uma mulher ocupando o posto antes de você abriu espaço para esse seu momento?
SP: Tenho certeza. A Claudia [Woods, a ex-CEO da Uber] foi uma líder incrível, que ajudou muito no meu desenvolvimento. E o volume de mulheres na liderança da Uber cresceu muito com ela. Isso nos dá um espelho para poder direcionar a nossa carreira. Foi muito importante tê-la aqui para colocar temas femininos e trazer as conversas da igualdade de gênero para o dia a dia.
F: Da equipe que você lidera diretamente, quantas são mulheres?
SP: Tenho só um homem entre seis heads. A liderança da Uber no Brasil tem maioria feminina. O último dado da empresa toda é de 57% de mulheres.
F: Essa quantidade de mulheres foi fruto de algum programa de incentivo?
SP: A gente tem vários critérios no processo de seleção para garantir mulheres no painel. Durante a avaliação de desempenho, há maneiras de você analisar se não está havendo vieses inconscientes que prejudiquem as mulheres. Mas eu realmente acredito que o ciclo que a gente teve de colocar mulheres na liderança, que começou com a Claudia liderando no Brasil, inspirou muita gente. Então não houve nenhum tipo de vaga afirmativa ou nenhum tipo de esforço meu no sentido de contratar mais mulheres. Isso aconteceu naturalmente dentro desse contexto e de um trabalho de longo prazo. Eu promovi todas as mulheres que estão em minha equipe, mas elas eram de fato as melhores candidatas.
F: Quais são as características que levaram você a ocupar esse cargo?
SP: Eu entrei dizendo que eu queria trabalhar numa área de estratégia, pois vim de consultoria de gestão. Eu não tinha experiência com liderança de pessoas e fui começando a aprender com questões circunstanciais. Comecei a liderar um time, depois ele cresceu e cresceu. Assim descobri que uma das grandes paixões da minha carreira é liderar pessoas. Você começa a conhecer pessoas de perfis diferentes e a trazê-las todas para o mesmo objetivo. Outra coisa é que eu completo seis anos na Uber agora. E seis anos é bastante coisa para uma empresa de tecnologia. Eu entrei quando a gente ainda estava lançando pagamento em dinheiro no Brasil, bem no início. Então isso me deu um conhecimento do negócio que contribui bastante para o meu sucesso dentro dessa posição.
F: Você falou dessa diretora na França. Você tem mentoras e mentores dentro da empresa?.
SP: Eu tive vários dentro da Uber, pois há um programa formal de mentoria para todos os níveis. A minha primeira mentora foi a diretora de marketing na época, Adriana Gomes, uma pessoa incrível que me ajudou muito com a insegurança que senti até entender essa transição para a liderança e ver que era o que eu queria para minha carreira. Tive também o que a gente chama de sponsors ao longo da carreira. São mulheres que, independentemente de onde você está, te inspiram e te ajudam.
F: Quem é a mulher em que você se espelha hoje?
SP: Tem muitas! Estou aqui pensando e tenho muitos exemplos internos e exemplos externos. Mas, para não falar de figuras públicas, tem uma pessoa que me inspirou muito. Ela trabalhou na Uber. É uma colombiana que mora nos Estados Unidos e que me mostrou uma maneira muito diferente de liderar. Ela é muito mais emocional que eu e traz um aspecto muito humano para a liderança. É extremamente empática e, ao mesmo tempo, tem todos os processos muito claros. Tudo o que ela aprendeu no MBA em Harvard, eu vi aplicando no dia a dia. Eu digo que meu objetivo é ser uma líder como ela foi para a gente aqui na Uber.