A jornalista inglesa Mary Ann Sieghart foi editora sênior e colunista de política por 20 anos do jornal The Times, correspondente da revista The Economist e do jornal Financial Times, além de ter sido professora visitante na Universidade de Oxford. Ainda assim, muitas vezes, quando um homem queria ouvir uma análise política durante uma reunião ou conversa, se dirigia a um de seus colegas menos tarimbados no assunto para fazer as perguntas.
Essa falta de reconhecimento da autoridade das mulheres em sua área de trabalho, segundo Sieghart, é o ponto de partida para a desigualdade de gênero no que diz respeito à carreira ou mesmo nas relações. “Se não somos levadas tão a sério quanto os homens, se não somos vistas como tão competentes quanto eles, teremos salários mais baixos, não seremos consideradas para promoções, por exemplo, ou não somos respeitadas por nossos companheiros, que vão procurar no Google quando você diz algo, mesmo que você tenha certeza do que está falando”, diz ela, que usou essa ideia para escrever “Lacuna de Autoridade – Por que as mulheres não são levadas tão a sério quanto os homens e como mudar esse cenário”, que acaba de ser lançado no Brasil pela editora Benvirá, com prefácio da comentarista política Gabriela Prioli.
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Durante seu período como bolsista em Oxford, Mary Ann Sieghart entrevistou personalidades importantes para construir a tese do livro, entre eles a nova primeira-ministra britânica Liz Truss, Hillary Clinton, Julia Gillard, a romancista Bernardine Evaristo e a ex-secretária de Estado para Assuntos Internos do Reino Unido Amber Rudd. Todas elas tiveram alguma história para contar ligada ao gap de autoridade.
Forbes: Você diz que todo o problema de desigualdade de gênero no mundo do trabalho parte de que as mulheres não são respeitadas em sua autoridade. Por que você construiu o livro em cima dessa tese?
Mary Ann Sieghart: Essa lacuna de autoridade é a mãe do problema de desigualdade de gênero. Porque se a gente não for levada tão a sério quanto os homens, se não somos vistas como tão competentes quanto eles, teremos salários mais baixos, não seremos consideradas para promoções…. Ou seja, o problema de autoridade leva também à desigualdade financeira. Se o seu parceiro não ouve você, não dá ouvidos às suas decisões ou escolhas e fica checando o Google toda vez que você diz algo porque ele não acha que você sabe do que está falando, você vai ficar frustrada em suas relações também.
F: O último capítulo do livro diz que essa desigualdade pode ser reduzida em uma geração, embora você tenha dito que ainda vê os meninos sendo muito sexistas. Como podemos contribuir para essa redução?
MS: Eu sou alguns exemplos que podem ser seguidos pois todos nós temos preconceitos inconscientes. Um estudo feito nos Estados Unidos mostrou que na pré-escola e no ensino fundamental, os meninos recebem oito vezes mais atenção do que suas colegas. O que podemos fazer, logo, são coisas simples, que podemos também ensinar aos nossos filhos. Por exemplo, observar se, ao nos aproximarmos de um homem e uma mulher, nos dirigimos primeiro ao homem; dar às mulheres a mesma consideração que damos aos homens; prestar atenção se interrompemos mais as mulheres do que os homens… Não devemos presumir que uma mulher sabe menos do que um homem sobre um assunto que é tido como “masculino”.
F: Você cita algumas passagens entre outros jornalistas em que, apesar de você ser a expert no assunto presente na sala, os homens costumavam se dirigir aos colegas em vez de perguntar algo a você. Acho que muitas mulheres passam por isso algumas vezes na vida. Como você acha que devemos reagir?
MS: Eu tenho feito isso de uma maneira muito aberta e direta quando acontece isso, mas eu sou mais velha, tenho mais senioridade, tenho menos a perder do que uma mulher que está começando. Acho que é mais difícil para mulheres mais jovens se colocarem assim porque possivelmente serão taxadas de difíceis, de paranoicas, de sensíveis demais. Meu conselho é tentar recrutar um aliado nesse tipo de reunião ou evento. Alguém que, se você for interrompido, vai dizer: “espere um momento, eu estava ouvindo o que ela está dizendo”, caso você seja interrompida. Ou, caso você tenha dito algo e ninguém deu bola, mas 10 minutos depois um homem diz exatamente a mesma coisa e é parabenizado, seu aliado vai dizer: “que bom que você concorda com a ideia que ela trouxe”. Você pode mesmo levar o problema para a pessoa que convocou a reunião e chamar a atenção ao que está acontecendo para que ele possa mediar na próxima vez.
F: Então teremos que encontrar um homem como mentor na carreira…
MS: Sim, infelizmente. Às vezes as jovens querem uma mulher como mentora porque elas têm mais em comum, mas encontrar um homem mentor vai ajudá-las a subir mais rápido. Ele tem mais chances de ser ouvido do que uma mulher. Se um homem disser a outro que você é brilhante, ele possivelmente será ouvido, enquanto uma mulher será possivelmente chamada de nepotista.
F: Os homens aparentemente se sentem ameaçados com o espaço que as mulheres estão ganhando. Como lidamos com isso fazendo dos homens nossos aliados?
MS: Na verdade, as mulheres estão indo melhor do que os homens. Elas têm notas melhores, ocupam mais vagas nas universidades. Nos Estados Unidos, elas ocupam 57% dos mestrados e 53% dos doutorados. Ainda não somos boas o suficiente para ter igualdade nos cargos mais altos, mas já estamos começando a ocupar esse espaço. E então eles se ressentem, uma vez que já tiveram muito privilégio, e agora estão vendo isso diminuir. Lentamente, mas estão. Quando alguém começa a perder seu privilégio, tende a se sentir não apenas nivelado, mas rebaixado. E, por “privilégio”, não me refiro a riqueza ou status, mas ao fato de a pessoa ser um homem, só isso. Boris Johnson promoveu mulheres a seu primeiro gabinete, mas elas só ocuparam 8 dos 33 cargos. Atualmente, as 100 maiores empresas britânicas listadas na bolsa só tem 6 CEOs mulheres. As mulheres ainda têm um longo caminho a percorrer para cima – e os homens para baixo –, e os homens, antes de chegarmos perto da igualdade. No livro, eu digo que o mundo será um lugar melhor, inclusive para os homens, se a desigualdade diminuir. Eles também serão mais felizes com relações mais igualitárias.
F: Você entrevistou pessoas trans para seu livro, gente que tem medida de comparação do que é ter sido discriminada apenas por ser mulher. Esse é quase um experimento científico…
MS: Homens trans com quem eu conversei puderam comparar. O espaço e o respeito que eles recebem sem ter mudado nada, apenas o gênero, foi totalmente diferente. É um experimento cientfífico por si e prova que não é a capacidade que conta, mas o gênero basta para você ser respeitado. Há uma história sobre Ben Barres, um cientista respeitado formado pelo MIT, que contou como sua autoridade era desrespeitada quando ele vivia como mulher. Um de seus professores no MIT chegou a dizer que seu trabalho havia sido feito pelo namorado quando ele [na época, ela] foi a única pessoa a acertar uma questão em determinada prova. E ele só percebeu o tamanho do problema que vivia quando passou a viver como um homem e estar na roda entre eles.
F: Em que momento você teve a ideia de escrever esse livro?
MS: Eu escrevi algumas colunas a respeito desse assunto ao longo da minha carreira. Eu estava me preparando para uma bolsa de estudos como professora visitante na Universidade de Oxford e, como eu passei minha vida escrevendo sobre política, minha primeira ideia era fazer algo nesse campo, até que levei a ideia para um outro bolsista e pedi sua opinião. Eu disse que tinha essa outra ideia, mas era um pouco incomum, um pouco de esquerda demais. E ele me falou: “essa é a que você deve fazer!”. E assim que ouvi, eu soube que era o que eu queria de coração. Minha cabeça queria que eu fosse para a política, mas minha vontade era escrever sobre essa lacuna.