Perguntas inadequadas fazem parte da vida de qualquer mulher, principalmente das que trilham uma carreira. Na primeira semana de Copa do Mundo feminina, um repórter da rede de TV inglesa BBC perguntou à capitã do time do Marrocos se havia jogadoras lésbicas no time e como elas viviam, já que relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo são proibidos no país árabe. A pergunta pode ter consequências que colocam em risco não só a carreira, mas a liberdade de alguém – e por isso a representante da Fifa (Federação Internacional de Futebol) interferiu antes que a capitã tentasse responder.
Ainda que esse seja um caso extremo, ao longo de suas trajetórias é comum que mulheres sejam colocadas em situações difíceis por perguntas inadequadas. No dia a dia, não teremos ninguém da Fifa para interferir em perguntas que aparecem com frequência durante as entrevistas de emprego. É um clássico para as mulheres ouvir perguntas em torno de casamento e maternidade. “É casada? Quando pretende ter filhos? Quem vai ficar com suas crianças?”.
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Ao ouvir esse tipo de questionamento, é importante manter a calma e demonstrar que o que está em jogo ali é a carreira, não sua vida pessoal. “O primeiro passo é entender que vivemos em uma sociedade enviesada, então a mulher vai ouvir essas perguntas. O melhor é estar preparada para respondê-las com dados e informações do mercado”, diz Jhennyfer Coutinho, CEO e fundadora da Plure, startup dedicada a conectar mulheres a vagas de emprego.
Como responder sem perder a vaga
Uma das saídas propostas por especialistas para esses momentos é devolver perguntas inadequadas com outra pergunta. “Me ajuda a entender como essa questão está relacionada à vaga?”, exemplifica a especialista em recrutamento Monaly Malucelli, que presta serviço para empresas como Merck e MadeiraMadeira. Ter dados e números à mão também ajuda a tirar a entrevista do campo da subjetividade. “Se perguntarem por que você quer ganhar mais, mostre como é o mercado para a vaga que você está pleiteando, tenha números na ponta da língua para argumentar”, diz Coutinho.
Do ponto de vista das empresas, é importante treinar recrutadores e conscientizar quem faz as entrevistas. “Faço um trabalho de relembrar do que não pode ser abordado durante a entrevista, tem coisa que não é permitida por lei”, diz Malucelli. Perguntas sobre religião, orientação sexual, posicionamento político, deficiências, gravidez ou assuntos familiares podem configurar discriminação e levar a processos contra a empresa.
Esse tipo de pergunta pode desestabilizar emocionalmente uma profissional que está em uma negociação salarial ou tirar o foco da candidata que está tentando uma vaga de emprego. Por isso é importante ter em mente que essas questões, apesar de inadequadas, podem aparecer durante esses processos e desenvolver alguma resiliência para lidar com elas. “Fui amadurecendo ao longo da minha carreira e hoje, em vez de ficar ofendida, me dei conta que esse tipo de comentário é uma limitação do outro, não minha”, diz Andréa Rolim, CEO da Kimberly Clark. “Decidi usar minha voz, coragem e minha posição para pontuar essas questões e educar as pessoas em situações desse tipo”, completa.
Nem sempre as perguntas ou comentários inadequados virão durante entrevistas, mas ainda assim podem trazer situações difíceis de lidar ou afetar negativamente a carreira de um mulher. “Eu já tive um executivo que disse ao meu chefe direto que eu não era sênior para uma posição da época porque eu usava tênis. E que isso não era profissional”, diz Ana Garini, diretora de publicidade e marketplace da OLX Brasil. Segundo as especialistas ouvidas, é comum que comentários ligados a aparência recaiam sobre carreiras femininas muito mais do que sobre masculinas.
Na hora de pedir aumento, é comum também ouvir negativas sem sentido. “Uma vez eu perguntei ao meu chefe quando sairia minha promoção e, como meu marido também trabalhava na empresa, ele me respondeu que meu marido tinha um bom salário, se juntasse o meu e o dele estava tudo certo”, diz Vanessa D’Angelo, head de marketing da América Latina da empresa de tecnologia GoTo.
Qualquer mulher (em qualquer carreira) está sujeita a questionamentos inadequados. Famosas do nível de Lady Gaga, Scarlett Johansson, Rihanna e a cantora irlandesa Sinead O’Connor, que morreu no final de julho, já passaram por isso. Reunimos alguns desses momentos e conversamos com executivas e empreendedoras de áreas diversas que já viveram por situações difíceis na carreira por conta de perguntas preconceituosas.
Aqui, elas contam algumas dessas situações:
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Forbes Renata Gomide, VP do Boticário
“Ouvi muitas vezes que sou assertiva demais e que intimido, mas uma situação específica me marcou. Me chamaram para dizer que tinha algo muito preocupante acontecendo porque havia dois homens com medo de mim, já que eu era direta demais, na época em que era gerente.
Durante uma entrevista de emprego, um executivo bastante conhecido no mercado me perguntou como eu achava que poderia ter credibilidade com uma equipe, que era formada majoritariamente por homens, usando uma blusa rosa.”
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Rihanna, cantora, atriz e empresária
Na premiere de Londres do primeiro filme em que atuou, “Battleship: a batalha dos mares”, uma jornalista perguntou a Rihanna sobre sua relação amorosa com Ashton Kutcher, com quem havia rumores de que ela estaria saindo. “As coisas estão claramente indo muito bem na sua carreira. Queria saber se você está tão feliz quanto na sua vida pessoal. Vamos ver Ashton Kutcher visitando-na por aqui?”, perguntou a jornalista. “Wow, fiquei desapontada com essa pergunta”, retrucou Rihanna, aceitando que seguissem para a próxima questão.
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Sauanne Bispo, gerente de inovação Smiles
“Eu já estava na empresa e passei num processo interno em outra empresa pra mudar de posição. Meu então novo chefe me deu a notícia e eu imediatamente perguntei se haveria alguma alteração no meu salário (eu tinha um cargo bonificado e quis entender melhor o cenário). Ele imediatamente respondeu: ‘você já ganha muito bem, não acha?'”
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Reprodução Bety Tichauer, diretora da FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação) e conselheira da EMTU/SP
“Entrevistei um homem no México que me perguntou se a vaga era para ser subordinado direto a mim ou se ele teria um chefe. Quando eu disse que eu seria a chefe dele, respondeu: ‘Um homem ser subordinado a uma mulher é algo muito ruim para a carreira’. E claramente não foi contratado.”
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Reinaldo Canato Mariana Stanisci, diretora de marketing da Fundação Osesp
“Chegou um presidente novo na empresa onde eu era diretora de marketing. Eu havia me casado há pouco tempo, então ele disse: ‘não vá engravidar hein?’ Acontece que eu já estava grávida e ainda não havia contado, nem para a família. Acabei contando pra ele ali, uma hora de sofrimento depois, para não parecer que eu tinha ‘desobedecido'”.
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Ingrid Barth, presidente da ABStartups
“Uma vez acharam que eu era a hostess num evento de investidores só com homens! Outra vez fizeram piada quando eu falei que queria montar um banco: “quem vai lavar a louça se você quer montar um banco?”. Sem contar as reuniões onde eu era sênior e levava meu estagiário. Eu fazia as perguntas mas só respondiam olhando pra ele.”
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Getty Images Scarlett Johansson, atriz
Durante uma entrevista coletiva com o elenco de Viúva Negra, perguntaram sobre sua dieta depois de os colegas homens responderem perguntas mais sérias. “Como eles ficam com as perguntas existenciais enquanto eu fico com a pergunta sobre comida de coelho?”
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Andrea Rolim, CEO Kimberly Clark Brasil
“Ouvi, há muitos anos, de um consultor que eu mesma contratei, sobre o resultado do meu assessment. Ele se perguntou como alguém com o meu perfil havia chegado a uma posição tão alta, pois era incomum ter gente nesse postos com perfil humano, crítico do modelo usual de gestão, que dizia abertamente o que não sabia aquilo que não sabia e que valorizava colaboração e não competição. Respondi que era exatamente por isso que eu havia subido.”
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Vanessa DAngelo, head de marketing da América Latina da empresa de tecnologia GoTo.
“Estava em um processo seletivo quando o recrutador me avisou que a próxima etapa seria uma conversa com a CEO e ela era bastante ‘ríspida’, que não era muito gentil. E me perguntou se eu poderia mudar um pouco o meu jeito, que era mais ‘humano’ e preocupado com as pessoas, e ser mais ‘masculina’ ao fazer a entrevista. Eu disse que não, pois o meu diferencial durante esses anos todos de carreira era justamente ser ‘people driven’ e não mudaria isso. Agradeci e disse que não estava mais interessada em continuar o processo.”
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FilmMagic Lady Gaga, cantora
“Se eu fosse um cara, e estivesse sentado aqui com um cigarro na mão, agarrando minha virilha e falando sobre como faço música, que gosto de carros velozes e de transar com garotas, você me chamaria de estrela do rock. Mas como eu sou uma mulher, você me julga e diz que é uma distração… Sou apenas uma estrela do rock.”[Após ser perguntada se referências sexuais em suas letras seriam uma distração e se iriam se sobrepor à música em si].
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Sinead O’Connor, cantora
Durante uma entrevista, o apresentador afirmou que não se importava com a cabeça totalmente raspada de Sinead, mas que teria que perguntar porque ela fazia isso, uma vez que todos em casa estavam se perguntando o mesmo. Sinead O’Connor respondeu: “Eu corto meu cabelo porque eu quero cortar meu cabelo.”
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Divulgação Rossana Sadir, conselheira independente
“Em uma reunião inaugural de conselho, o conselheiro sênior apresentou as duas diretoras assim: ‘é uma moça muito bonita, muito gentil e também competente’. Tive que segurar o riso e a indignação, não era uma boa política começar com o pé esquerdo.”
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Miriam Steinbaum, diretora da MS Consumer Intelligence
“Me perguntaram, em uma entrevista para uma posição de atendimento se eu, sendo mulher, teria dificuldade de atender as contas do mercado financeiro. Assim, sem qualquer cerimônia.”
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Luciana Burger, VP da EKN Solutions
“Meu caso foi em uma seleção para o mestrado. Na entrevista, a professora (sim, uma mulher!) me disse que estava em dúvida quanto à minha candidatura porque eu tinha me casado fazia pouco e que provavelmente teria filhos e iria largar o curso. Eu já estava grávida de três meses, fui aceita e fui a primeira a terminar o curso.”
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Ana Garini, diretora de publicidade e marketplace da OLX Brasil
“Eu já tive um executivo que disse ao meu chefe direto que eu não era sênior para uma posição da época porque eu usava tênis. E que isso não era profissional.”
Renata Gomide, VP do Boticário
“Ouvi muitas vezes que sou assertiva demais e que intimido, mas uma situação específica me marcou. Me chamaram para dizer que tinha algo muito preocupante acontecendo porque havia dois homens com medo de mim, já que eu era direta demais, na época em que era gerente.
Durante uma entrevista de emprego, um executivo bastante conhecido no mercado me perguntou como eu achava que poderia ter credibilidade com uma equipe, que era formada majoritariamente por homens, usando uma blusa rosa.”