Atual representante adjunta da ONU Mulheres Brasil, Ana Carolina Querino construiu uma trajetória marcada pelo compromisso com a equidade de gênero. “Ver esse movimento se formando e ganhando força é um dos grandes resultados que já presenciei ao longo desses anos”, diz a cientista social, que iniciou sua carreira na Organização das Nações Unidas há 17 anos.
Entre 2007 e 2012, trabalhou na ONU Mulheres, inicialmente na equipe do Programa Regional de gênero, raça, etnia e pobreza, executado em quatro países da América Latina. Em seguida, foi coordenadora da área de empoderamento econômico das mulheres. Passou pelo escritório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil e integrou a equipe do Programa de Promoção de Igualdade de Gênero e Raça no Mundo do Trabalho, onde permaneceu por pouco mais de um ano.
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Na posição atual, Ana Carolina é responsável por coordenar todos os programas da ONU Mulheres no país e costurar redes com grandes empresas. Entre as principais companhias que firmaram parcerias com a instituição, estão a Coca-Cola, Fundação Ford, Petrobras, Lojas Renner, Bradesco, Mastercard, Carrefour, Unilever e Avon.
A ONU Mulheres também se une a outras organizações para promover projetos que impulsionam mudanças no país. Um exemplo é o Movimento Elas Lideram, uma parceria com o Pacto Global da ONU no Brasil, que tem como meta levar 11 mil mulheres para cargos de alta liderança até 2030 e disseminar o debate sobre igualdade de gênero para 1,5 mil empresas. Para alcançar essa marca, o projeto oferece capacitação para empresas por meio de mentorias e treinamentos, além de apoio a outras iniciativas. “As mulheres não têm as mesmas oportunidades que muitos homens para chegar à liderança. Ficamos batendo nesse teto de vidro, mas pouco a pouco vai indo.”
A igualdade de gênero faz parte das metas globais de desenvolvimento sustentável da ONU e também se relaciona com outras pautas relevantes para a organização, como economia e clima – que interferem nas vidas das mulheres no Brasil e no mundo de maneiras diversas. “As mudanças climáticas afetam o modo de vida de mulheres quilombolas, indígenas e ribeirinhas, então fazemos uma ponte dessas experiências localizadas para soluções globais.”
O trabalho de amplificação dessas vozes brasileiras subrepresentadas em grandes fóruns deve chegar à COP 30 (a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas), que vai acontecer em 2025, no Pará. “Elas sabem manter e respeitar a natureza dentro do seu ciclo natural, e precisam compartilhar isso.”
Um longo caminho até a igualdade de gênero
Apesar dos avanços, o caminho para alcançar a igualdade de gênero no Brasil ainda apresenta desafios consideráveis. O país caiu para a 70ª posição no Índice Global de Disparidade de Gênero 2024, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, e a participação feminina na política continua sendo uma das maiores lacunas a serem preenchidas. “Mesmo com um aumento de 50% na quantidade de mulheres eleitas, ainda estamos apenas em 22% do total de participação política.”
A pauta não é apenas social, mas também econômica: a igualdade de gênero poderia aumentar em mais de 20% o PIB global, segundo relatório do Banco Mundial.
Em apenas um ano, a paridade já poderia fazer a diferença. De acordo com um estudo do McKinsey Global Institute, oferecer as mesmas oportunidades econômicas dos homens para as mulheres poderia acrescentar cerca de US$ 12 trilhões (R$ 66,8 trilhões) ao PIB global até 2025, um aumento de 11%.
Ainda há um longo caminho para alcançar os mesmo direitos e oportunidades entre homens e mulheres: estamos a 134 anos da igualdade de gênero no mundo, segundo o Fórum Econômico Mundial. Mas Ana Carolina Querino mantém viva a esperança de um futuro melhor, pautado por mudanças que ela trabalha para implementar no presente. Desde a conscientização das mulheres sobre seus direitos até a promoção de políticas inclusivas, ela enfatiza a importância de um trabalho contínuo nessa luta. “Espero poder contribuir de onde eu estou e continuar fazendo a diferença onde quer que eu esteja.”
Confira, abaixo, destaques da entrevista com Ana Carolina Querino, representante adjunta da ONU Mulheres Brasil
Forbes: Conta um pouco sobre a sua história, como você foi parar na ONU?
Ana Carolina Querino: Tinha uma amiga que já trabalhava lá e, em determinado momento, ela pediu o meu currículo para uma vaga. Mandei, mas sem a menor expectativa e vontade. Na época, estava trabalhando como pesquisadora do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), não pensava em sair de lá. Aquela vaga não deu certo, mas, depois de uma semana, surgiu outra e consegui entrar pelo processo seletivo.
Como surgiu o propósito de advogar pelo direito das mulheres?
Surge nessa época, porque antes eu trabalhava com previdência social. Tinha algum diálogo com essa questão, porque política social sempre tem, mas não era o foco central. Desde a universidade, as pessoas olhavam para mim e pensavam que eu trabalhava com a questão racial. Não é porque sou preta e estou na universidade que vou trabalhar com essa perspectiva, mas tinha esse rótulo.
Só depois que entendi melhor a temática que comecei a perceber o que eu passava no dia a dia por ser uma mulher negra. Fui me redescobrindo, foi um processo pessoal muito forte que me conectou com uma trajetória profissional diferente. Mesmo não sendo uma ativista do movimento de mulheres negras tradicional, eu encontrei o meu lugar de trabalhar por esses direitos do meu jeito.
Como funciona a posição que você ocupa hoje? Quais as suas funções?
Estou acumulando funções, então é corrido. Hoje, estou como chefe do escritório, mas a minha posição é de representante adjunta. Sou responsável por coordenar todos os programas e projetos e trabalhar as parcerias com as mulheres. É um tema complexo que envolve várias áreas distintas e impacta de forma diferente a vida das mulheres. Não tem como dar conta sozinha, então preciso trabalhar com redes e parcerias.
Quais resultados você já trouxe e viu nesses anos de trabalho na ONU?
Ver o movimento de mulheres se formando e ganhando força é um dos resultados. Ver as mulheres indígenas saírem de suas comunidades e hoje terem uma rede nacional é um grande resultado. Com as mulheres negras também: vê-las nos espaços nacionais e internacionais dialogando de igual para igual e falando de quais são as suas necessidades e de como aquela resposta não atende essas necessidades específicas é um grande resultado. Ver políticas que antes eram universais passarem a ter um olhar específico para as mulheres, mulheres negras e indígenas é um grande resultado. Ter dados e indicadores desagregados por sexo e raça produzidos, analisados e disponibilizados para todo mundo é um grande resultado. São resultados pequenos e grandes, mas fazem a diferença.
O Brasil caiu este ano no índice de desigualdade de gênero. Melhorou em relação a trabalho e liderança, mas o principal gargalo é a participação na política. Como você avalia esse cenário?
As mulheres não têm as mesmas oportunidades que muitos homens têm para chegar na liderança. Na política, teve o fundo de financiamento público com a cota para as mulheres e, mesmo com um aumento de 50% na quantidade de mulheres que foram eleitas, ainda não foi suficiente para chegar nem a 20% do total. A gente ainda fica batendo nesse teto de vidro, mas pouco a pouco vai indo.
A ONU também lida com outras questões globais, como econômicas e climáticas. Como a sua atuação com as mulheres dialoga com essas outras pautas?
A ONU é um mecanismo internacional. Trabalhando com as mulheres indígenas, quilombolas e ribeirinhas, a gente lida com a forma como as mudanças climáticas estão afetando o modo de vida dessas mulheres e levando elas para participar de uma COP, para que elas possam falar de quais são as suas necessidades, de como as mudanças climáticas estão afetando o seu cotidiano e de como elas sabem manter e respeitar a natureza dentro do seu ciclo natural. A gente pega uma experiência muito localizada e leva como uma solução no espaço global.
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Com esse olhar da sua posição hoje, o que você espera para o futuro?
Espero que a gente nunca olhe para nada com o mesmo olhar; que a gente sempre busque formas diferentes de fazer o mesmo; que a gente sempre olhe como uma resposta pensada em um gabinete ou um escritório impacta de forma diferente cada uma das mulheres na sociedade; que cada uma das mulheres na sociedade entenda que não é nenhum favor quando alguém adota uma política ou resposta para atender uma necessidade básica que ela tem, porque esse é o seu direito e os responsáveis têm a obrigação de assegurá-lo; e que nós temos o direito de sermos felizes dentro da nossa diversidade. Espero poder contribuir com isso de onde eu estou e continuar fazendo a diferença onde quer que eu esteja.