Ser professora em uma das melhores universidades do mundo pode ser uma jornada bastante solitária, especialmente para uma mulher brasileira. Algumas poucas profissionais, porém, arriscaram o caminho e foram pioneiras em seus ramos. “Quando cheguei a Harvard, não havia nenhum foco no Brasil. Hoje, me orgulho de ter construído pontes na universidade que colocam o nosso país em destaque”, diz Márcia Castro, primeira mulher brasileira a ocupar um cargo de professora titular em Harvard.
Segundo o ranking QS World, as quatro melhores universidades do planeta são MIT, Imperial College London, Universidade de Oxford e Harvard. Cada uma delas faculdades conta com pelo menos uma professora titular brasileira que furou a bolha e representa o país, cada uma à sua maneira.
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Neste Dia dos Professores, conheça as histórias de brasileiras que conquistaram espaço nas melhores universidades do mundo.
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Divulgação Sue Ann Clemens
Apaixonada por questões de saúde desde pequena, Sue Ann viu nas oportunidades internacionais uma maneira de adquirir mais ferramentas para contribuir com a área. Começou sua trajetória internacional como pesquisadora, mas transformou sua carreira ao criar o primeiro curso de mestrado em vacinologia do mundo na Universidade de Siena. Enquanto liderava um projeto do programa, conheceu um professor de Oxford e criou uma ponte entre as universidades em 2008. Com o desenvolvimento da vacina de COVID-19, se juntou ao quadro de professores na instituição inglesa e posteriormente, foi promovida a professora titular em saúde global e desenvolvimento clínico. Também é chefe do Instituto de Saúde Global na Universidade de Siena e conselheira senior na Fundação Bill e Melinda Gates.
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Divulgação Nilma Dominique
Após se formar na UFBA, a professora conseguiu uma bolsa para estudar na Espanha, onde realizou seu doutorado. Na época, seu marido recebeu um convite para lecionar espanhol em Harvard, e no ano seguinte, Nilma foi convidada para dar aulas de português na instituição. Após seis anos em Harvard, ela passou a lecionar português no MIT, onde completará 15 anos de atuação em janeiro. Em 2022, recebeu o Prêmio de Liderança Martin Luther King Jr. do MIT e, neste ano, foi premiada pela bancada legislativa negra e latina do Estado de Massachusetts.
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Divulgação Márcia Castro
Depois de se formar em estatística e realizar um mestrado sobre demografia no Brasil, Márcia ingressou em um doutorado em Princeton, nos EUA, com uma bolsa de estudos. Lá, mergulhou em projetos de pesquisa e também concluiu um pós-doutorado. Seu envolvimento a fez querer seguir carreira acadêmica: trabalhou no departamento de geografia da Universidade da Carolina do Sul e, posteriormente, aplicou e conseguiu uma vaga como professora em Harvard. Começou como professora assistente de demografia, depois como associada, e foi a primeira mulher a ser promovida a professora titular do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard, além de ser a primeira mulher brasileira a alcançar a posição titular na universidade. Menos de um ano após a promoção, foi convidada para chefiar o departamento e, desde 2019, assume o cargo.
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Divulgação Vania Braga
Formada pela UFMG, a pesquisadora foi para a Inglaterra realizar um pós-doutorado no Imperial Cancer Research Fund (atual Francis Crick Institute) após receber financiamento do CNPq e uma extensão de financiamento do Instituto. Após consolidar sua experiência, Vania aplicou para ter seu próprio laboratório na University College London, onde investigou a biologia celular do câncer. A aposta deu certo e, seis anos depois, ela foi convidada pelo Imperial College para uma posição titular como professora da universidade. Seu laboratório foi transferido para a Faculdade de Medicina da instituição e, desde então, Vania leciona sobre sinalização do câncer.
Sue Ann Clemens
Apaixonada por questões de saúde desde pequena, Sue Ann viu nas oportunidades internacionais uma maneira de adquirir mais ferramentas para contribuir com a área. Começou sua trajetória internacional como pesquisadora, mas transformou sua carreira ao criar o primeiro curso de mestrado em vacinologia do mundo na Universidade de Siena. Enquanto liderava um projeto do programa, conheceu um professor de Oxford e criou uma ponte entre as universidades em 2008. Com o desenvolvimento da vacina de COVID-19, se juntou ao quadro de professores na instituição inglesa e posteriormente, foi promovida a professora titular em saúde global e desenvolvimento clínico. Também é chefe do Instituto de Saúde Global na Universidade de Siena e conselheira senior na Fundação Bill e Melinda Gates.
Maioria como professoras, mas nem sempre nas universidades
No Brasil, o ensino básico é realizado, em sua maioria, por mulheres. São 79,2% professoras em todo o corpo docente, segundo dados do Censo Escolar 2022. Os dados mudam drasticamente quando se trata do ensino superior, com 47,02% mulheres entre os professores universitários. “A baixa representatividade de mulheres nas posições de liderança é um problema universal, especialmente no contexto acadêmico”, diz Vania Braga, professora de Sinalização Celular na Faculdade de Medicina do Imperial London College e líder do seu próprio laboratório. “Apesar de diversas mudanças legislativas e de governança, os índices de representação feminina ainda estão abaixo do ideal, tanto no Brasil quanto nas melhores universidades do mundo.”
As mulheres estão subrepresentadas, mas aparecem entre professores associados e auxiliares. No entanto, quando restringimos os dados apenas aos professores titulares – os cargos mais altos na academia – a presença feminina cai drasticamente. Na Europa, apenas 26,2% dos titulares eram mulheres em 2018, segundo o relatório She Figures 2021, que coletou dados de instituições acadêmicas de ensino superior de 44 países. “Me senti muito sozinha porque era da América Latina, brasileira e mulher. Nem sempre era aceita, então tive que trabalhar o dobro para mostrar qualidade”, conta Sue Ann Clemens, professora de Saúde Global na Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Entre as universidades de elite nos EUA, a média é de 34% de mulheres, segundo pesquisa do Harvard Open Data Project, grupo de alunos e professores que visa aumentar a transparência no campus utilizando dados públicos. Só em Harvard, entre todos os professores titulares, há três vezes mais homens do que mulheres. No MIT (Massachusetts Institute of Technology), o cenário se repete. Apenas 25% do corpo docente pleno é composto por mulheres, entre mais de 1.250 professores titulares. “Infelizmente, continuamos a ser casos raros, mas isso apenas reforça a importância de trabalharmos por maior diversidade e inclusão também no meio acadêmico”, diz Nilma Dominique, única responsável pelo programa de português do MIT – do qual é coordenadora e professora de todas as disciplinas.
Se os desafios já são maiores por ser uma mulher brasileira, a jornada acadêmica tem uma camada adicional para aquelas que estão entre os 6,1% dos professores negros ou afro-americanos em tempo integral no ensino superior dos EUA, de acordo com o relatório Race and Ethnicity in Higher Education, do Conselho Americano de Educação. “Geralmente, sou a única pessoa negra pelos departamentos onde passo. Isso aconteceu tanto em Harvard quanto no MIT”, recorda. “Essa solidão se manifesta em vários momentos e pode te isolar, mas encontrei apoio e parceria em colegas, inclusive de outras instituições, que enfrentam experiências semelhantes.”
STEM x Humanas
A disparidade de gênero também se intensifica a depender das áreas de estudo. Nas áreas de STEM (sigla em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática), que são mais bem vistas e pagas pelo mercado, apenas 16% dos professores titulares são mulheres. “Lembro que quando ia para uma reunião, não era ouvida. Aí um homem branco mais velho falava a mesma coisa e as pessoas ouviam. Na hora, interrompi a reunião e disse ‘que bom que você gostou da ideia, porque eu acabei de falar isso’”, lembra Márcia Castro, professora brasileira de demografia e presidente do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.
Primeira mulher a conseguir um cargo de professora titular em seu departamento, Márcia entendeu que precisava se colocar e buscar ativamente seu espaço. “Não queria colocar medo em ninguém, e sim deixar bem claro que eu havia vocalizado uma ideia para garantir que todos ouviram.”
Nas artes e humanidades, o desequilíbrio de gênero não é tão gritante, mas isso não impede que existam desigualdades de tratamento e de oportunidades no setor. “Temo que isso não seja um sintoma de progresso, mas que seja decorrente do descrédito das humanidades. Embora sejamos numerosas, a realidade é que nossas vozes, contribuições e perspectivas frequentemente permanecem em um segundo plano”, afirma Nilma Dominique.
O fato de eu ser latina, brasileira, negra, nordestina e imigrante ensinando uma língua que é vista como “menos comum de ser ensinada” nos Estados Unidos – mesmo sendo a terceira língua mais falada em Massachusetts, o estado onde moro – também influencia a percepção em relação ao meu trabalho.
Nilma Dominique, professora e coordenadora do programa de língua portuguesa do MIT
Pontes para o Brasil
Apesar do prestígio de estudar e lecionar nas melhores universidades do mundo, muitos argumentam sobre a fuga de cérebros do Brasil. Segundo estimativas do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, o país pode ter perdido cerca de 6,7 mil pesquisadores nos últimos anos.
Os motivos, que vão desde falta de emprego até desvalorização da profissão, também pesam na balança das professoras. “Muito provavelmente, eu não teria deixado o Brasil se tivesse tido acesso às oportunidades que encontrei aqui fora”, diz Nilma Dominique. “A conexão com o meu país e o desejo de contribuir para sua realidade e desenvolvimento sempre me acompanham.”
Além do sucesso individual, representar o Brasil nas melhores universidades do planeta significa construir pontes e abrir um mundo de possibilidades para os alunos que permanecem no país. “Imagine o potencial se todos que viessem para fora criassem pontes para trabalhar com o Brasil”, diz Márcia Costa. “Podemos abrir perspectivas para outras pessoas que pensam que não são qualificadas.”
Com diversos projetos que conectam as universidades onde atuam com os brasileiros, como o MIT-Brazil, iniciativa que desenvolve parcerias e projetos no país em colaboração com a universidade americana, o Brazil Forum UK, conferência organizada por estudantes brasileiros de todas as universidades no Reino Unido, e até uma imersão na Amazônia com alunos e pesquisadores de Harvard, as professoras querem ver os resultados dessas conexões. “Precisamos usar a oportunidade que tivemos para desenvolver os alunos brasileiros. Luto muito por isso porque sou médica cientista, mas, antes de tudo, sou educadora”, afirma Sue Ann.
“Apesar dos nossos focos em pesquisa, o maior impacto que temos é como educadoras: a habilidade de inspirar os outros a dar o melhor de si e contribuir positivamente”
Vania Braga, professora de Sinalização Celular na Faculdade de Medicina do Imperial London College
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O objetivo das mulheres nas melhores universidades do mundo é também ser exemplo para as futuras gerações. “Nem todo mundo pode abrir novos caminhos. Ver que há um caminho que outros já seguiram e tê-los como guia ou inspiração faz com que os que estão chegando possam acreditar que é possível, que não é uma loucura”, diz Nilma Dominique, do MIT.