Para o baiano Jorge Luís da Hora de Jesus, chef de cozinha e professor do Centro Universitário Senac, a inovação é uma forma de chegar ao outro usando estratégias não convencionais. Simples assim. E é exatamente isso que ele está fazendo.
Com uma carreira consolidada na gastronomia que começou em Salvador, sua cidade natal, Jorge foi ampliando seu contato com as mais diversas culturas por meio da comida. Estudou para ser cozinheiro especializado na culinária baiana e trabalhou no Restaurante Escola Senac Pelourinho, foi chef do Mosteiro de São Bento, também na capital baiana, e em seguida assumiu o comando das cozinhas das plataformas da Petrobras no Nordeste, onde desenvolvia pratos de variadas regiões para agradar à tripulação.
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Chegou à São Paulo para aprimorar seus conhecimentos. Fez tecnologia da gastronomia, tecnólogo em hotelaria, extensão universitária para cozinheiro chef internacional, formação para sommelier, psicopedagogia com ênfase em inclusão social e pós em docência do ensino superior. Foi chef executivo dos hotéis escola do Senac – Grande Hotel Águas de São Pedro e Grande Hotel Campos de Jordão. Atualmente, é professor universitário das disciplinas Cozinha do Brasil e Habilidades Básicas de Cozinha do Senac, e mediador do conhecimento na disciplina de gastronomia do curso de lazer e turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP).
Hoje, aos 40 anos, Jorge da Hora ainda milita na valorização da cultura africana e idealizou o projeto Comida de Santo, que virou um curso de extensão universitária no Senac para promover um olhar de reflexão em relação a alimentação, cultura e a religiosidade de matriz africana. Ele conversou com a Forbes sobre gastronomia e inovação, carreira, tecnologia e o futuro da alimentação.
Forbes Brasil: O que o trabalho que você realiza atualmente tem de inovador?
Jorge da Hora: Acredito que, por meio do ato da comensalidade, podemos diminuir os preconceitos e as desigualdades sociais existentes. Dentre outros projetos desenvolvidos no Senac São Paulo, os mais relevantes, na minha opinião, são o Comida de Santo, um resgate das ancestralidades e valorização da cultura religiosa afrodescendente, e o que costumo chamar de “o mundo ao redor da mesa”, parte da disciplina de cozinha brasileira. Junto com os alunos, convidamos refugiados de diversas nacionalidades para um acolhimento e entretenimento numa atividade interdisciplinar que envolve os cursos de fotografia, educação física, gastronomia, eventos e hotelaria. Neste evento, oferecemos uma feijoada e um pouco da cultura e dos hábitos dos brasileiros para estes convidados. Ao mesmo tempo, possibilitamos que alunos, professores, funcionários e comunidade possam desfrutar da alimentação e da cultura dos povos africanos, que representam boa parte desses refugiados. Eles são convidados para nossas aulas e lá se dão conta que a grande identidade que compõe o povo brasileiro é a identidade e cultura negra.
Quando falamos sobre as religiões de matrizes africanas, o preconceito ainda é muito latente. Colocar pessoas reunidas ao redor de uma mesa, com diferentes crenças e valores, no ato da alimentação, me dá a chance de explanar sobre a cultura pulsante naqueles pratos de uma forma pouco convencional, conduzindo-as a pensar sob uma outra ótica. Acredito que, neste momento, estou inovando na estratégia da abordagem, dispensando conflitos e possibilitando uma reflexão sobre os valores e preconceitos. Assim vislumbro uma forma de resistir para existir.
Em quase duas décadas de carreira, como você viu a tecnologia entrar no setor gastronômico e de que maneira ela ajuda a resolver problemas como, por exemplo, o desperdício de alimentos?
O Brasil está entre os 10 países que mais jogam comida fora. São cerca de 41 mil toneladas de alimentos desperdiçados diariamente. Em média, cada brasileiro joga no lixo 40 quilos de comida todos os anos. É impactante, mas isso acontece em nossas cozinhas quase que diariamente. Em todo esse tempo, presenciei várias situações em que a tecnologia ajuda a eliminar o desperdício e a ausência dela fomenta grandes perdas.
Em casa, podemos conter o desperdício com ações bem simples, como comprar basicamente o que vamos usar sem exageros, armazenar de forma correta, utilizar os ingredientes de forma integral e obedecer à sazonalidade.
Já no ambiente de profissional, a tecnologia se faz indispensável. A chamada cook and chill, por exemplo, consiste num processo de produção em que os alimentos são tratados termicamente e, muitas vezes, embalados em sacos plásticos, sem oxigênio (a vácuo), e só são abertos quando são servidos. Além de contribuir para a redução do desperdício, possibilita uma maior segurança e durabilidade dos alimentos.
Equipamentos inovadores, com fornos combinados inteligentes, seladoras a vácuo, ultra congeladores e balanças, modificam e simplificam as formas de cozinhar.
Já para a gestão do estoque, sistemas unificados entre cozinha e almoxarifado ajudam a evitar muitas perdas. Se o próprio sistema informar cada prato produzido pela cozinha, automaticamente o alimento tem baixa no estoque e entra para a lista de compras, evitando aquisições desnecessárias. Esses sistemas também identificam a validade dos insumos. Isso sem falar nas ferramentas para controle dos processos na produção, que começam no produtor e vão até o consumidor final.
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Na sua opinião, há alguma outra coisa, na gastronomia, que possa ser agilizada, melhorada ou totalmente transformada graças à tecnologia?
Acredito que já existam alguns movimentos ou tendências muito relevantes que podem melhorar a gastronomia como, por exemplo, o Slow Food [movimento e organização não governamental fundados por Carlo Petrini em 1986 que tem como objetivo promover uma maior apreciação da comida, melhorar a qualidade das refeições e uma produção que valorize o produto, o produtor e o meio ambiente], a valorização da gastronomia regional ou local e as iniciativas que priorizam a produção de pequenos produtores de forma sustentável. A tecnologia pode auxiliar de várias formas: contribuindo com a valorização de ingredientes, disseminação do conhecimento de teorias e práticas, conscientização na escala produtiva, consumo de forma consciente e sustentável evitando o desperdício dos insumos etc. Para mim, estas ações, quando atreladas à tecnologia, podem realçar e resgatar as diferentes espécies, técnicas gastronômicas, hábitos culturais e espaços de convívio que vêm sofrendo degradação no Brasil e no mundo.
Como você vê a invasão dos serviços de delivery de comida via plataformas? Isso mudou, de alguma forma, a maneira como as pessoas se relacionam com os alimentos?
Acredito que o delivery possibilitou várias melhorias em diversos segmentos. Observando o reflexo da pandemia, o delivery foi uma das estratégias mais usadas que mantiveram vivas muitas empresas diretamente relacionadas com a alimentação. Fora deste cenário, conseguimos perceber que após o surgimento do delivery as pessoas vêm perdendo cada vez mais a relação da compra dos insumos em locais de vasta variedades como as feiras livres, por exemplo.
Por uma outra ótica, o delivery auxiliou na ampliação de oportunidades de novas experiências gastronômicas de forma mais natural e frequente.
Como negócio, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRASEL) já anunciava, no ano passado, que o mercado de delivery no Brasil movimentaria bilhões de reais por ano – isso sem contar, claro, com o cenário da pandemia e a necessidade de isolamento social. Este serviço é uma boa chance para nos debruçarmos em estudos que analisem os frutos colhidos com os investimentos tecnológicos.
Qual a sua opinião sobre os alimentos plant based?
Acredito que todo ser humano se identifica com suas necessidades alimentares. Seja por uma filosofia alimentar ou de vida, causas ambientais, inserção em grupos sociais, orientações médicas ou até mesmo por curiosidade.
Comungo da percepção que todo excesso é maléfico. Acredito que a natureza nos fornece tudo, absolutamente tudo o que necessitamos para nossas funções vitais. Cabe a cada ser humano trilhar suas melhores escolhas. Caminho sempre pela estrada central buscando o equilíbrio alimentar dispensado os excessos.
Aos meus olhos como empreendedor, o plant based é mais uma oportunidade de mercado como foram/são as dietas low carb, dieta hiperproteica, vegetariana, vegana dentre outras.
Qual é seu principal objetivo como chef?
Meu maior objetivo é que possamos contagiar outras empresas e pessoas, usando a educação e a cultura para melhorar nós mesmos e, assim, contribuir para reduzir significativamente os preconceitos – a começar pelos étnicos raciais. Possibilitar a disseminação do conhecimento relacionado a cultural afro-brasileira usando como estratégia ações inovadoras (não convencionais) é minha meta.
Que tipo de dificuldades você enfrentou nessa sua trajetória como chef de cozinha?
Enfrentei dificuldades diversas: por ter sotaque, por ser negro e nordestino, por gostar de samba, por ser homossexual, por ser pesquisador sobre a cultura e a religiosidade afro-brasileira, por exercer cargos de liderança. Após driblar todas elas e voltar de temporadas na Ásia, Europa, Emirados Árabes, América do Sul e até mesmo capitais brasileiras levando a educação e a cultura através da gastronomia, eu ainda ouvia perguntas do tipo: “Por que você? A negritude resolveu colocar as asinhas de fora? Negrinho ousado, está indo à Hong Kong de novo. Como pode? A macumba está dando certo, ele já está levando essa comida para fora do seu quintal”. Tudo isso só me serviu de adubo. Não conseguiram me fazer desistir do meu maior objetivo: resistir.
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