Os desafios enfrentados por mulheres que conciliam o trabalho com a maternidade se agravaram ao longo do último ano com a crise da Covid-19: um estudo global da consultoria McKinsey publicado nesta semana sugere que o percentual de mulheres com filhos com menos de 10 anos de idade que considera sair da força de trabalho é quase 10% maior do que entre homens. Motivos incluem a impossibilidade de trabalhar e cuidar da casa e família ao mesmo tempo – segundo o estudo, o problema se agrava em economias emergentes como o Brasil.
Com o intuito de contribuir para a resolução deste e de outros entraves enfrentados por estas mulheres, a aceleradora de negócios de tecnologia liderados por mães B2Mamy deu início à expansão nacional e internacional de seus hubs físicos e passa a financiar as startups que desenvolve através de uma parceria com a o hub de investimento Wishe Women Capital, planos anunciados com exclusividade para esta coluna.
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À Quem Inova, a cofundadora e CEO da B2Mamy, Dani Junco, conta que as circunstâncias da crise intensificaram o contato da empresa com comunidades de mães empreendedoras em todo o Brasil, e ressaltaram a oportunidade de replicar o modelo da Casa B2Mamy em território nacional. Uma importante fonte de receita da empresa, o espaço físico family-friendly aberto em São Paulo em 2019 tem capacidade para receber 60 pessoas por dia (atualmente reduzida pela metade por conta da Covid-19) e todas as salas estão ocupadas por empresas lideradas por mães.
“Com a digitalização de nossos produtos presenciais, começamos a conhecer as necessidades de mulheres do mundo inteiro e perceber que elas precisavam de um espaço físico para empreender. Isso nos fez perceber que precisávamos ter mais casas e pensar em como fazer isso na contramão das tendências, com empresas fechando os escritórios e receosas com a interação física por conta do coronavírus”, conta a empreendedora. “Precisávamos olhar de forma mais corajosa para este lugar.”
Como parte do processo de validação, a B2Mamy fez um chamado online, para identificar líderes que estivessem interessadas em franquear o modelo da casa, e recebeu o interesse de mais de 100 mulheres em menos de 24 horas. Destas, 20 passaram para um estágio posterior de negociação, que culminou na escolha das cinco localidades para a fase inicial de expansão: Salvador, Recife, Porto Alegre, Campinas e Portugal. O objetivo é ter uma rede de 12 casas até o final de 2022, com 1 milhão de mulheres impactadas mensalmente.
A forma como a B2Mamy entrará nas cidades varia. Em localidades como Porto Alegre, onde a casa será liderada pela empreendedora Mari Hagel, a B2Mamy terá um espaço próprio e trabalhará em proximidade com players relevantes do ecossistema local de inovação, como a Casa das Caldeiras. Em outros locais, a expansão segue o modelo denominado “orange flag”, em que a B2Mamy estabelece sua presença em um espaço já existente – a capital soteropolitana é um exemplo, na parceria com o Hub Salvador. Em Recife, negociações estão em curso com o Porto Digital, parque de novação tecnológica da cidade.
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No que diz respeito à expansão internacional, a B2Mamy notou que há uma grande demanda reprimida por modelos que organizem a capacitação e a rede de empreendedorismo materno fora do Brasil. “A gente percebe que [mães empreendem] começando mais pela economia tradicional do que pela economia digital. Em nossas tratativas com pessoas de Portugal, percebemos uma urgência maior por modelos como a B2Mamy do que por aqui”, ressalta Dani, que também deve investigar possibilidades na África, em parceria com a empreendedora Sauanne Bispo, em países de língua portuguesa como Angola e Moçambique.
Para liderar a expansão via franquias, a B2Mamy contratou a ITM Consultoria. O custo inicial para replicar uma Casa B2Mamy é de R$ 300 mil, que compreende aluguel de um ano (período em que se espera que a casa atinja o break-even, ou seja, não dá lucro nem prejuízo), desenho básico de mobiliário e a infraestrutura e suporte da “nave-mãe”, incluindo os programas de capacitação e conexão da B2Mamy, que acontecerão de forma híbrida. A empreendedora entra com um time mínimo de quatro pessoas. O investimento de capital é feito através de campanhas de equity crowdfunding, rodadas de investimento coletivo conduzidas pelo fundo Wishe.
“O dinheiro não vai vir da mulher que vai liderar [a franquia]: quem vai pagar esse movimento, tanto em relação ao royalty da marca para nós quanto botar a casa de pé fisicamente, é a própria comunidade, assim como fizemos com a B2Mamy. A ideia não é fazer com que uma pessoa só se arrisque e nós não. Vamos levantar [estes financiamentos] juntas”, explica a empreendedora.
Além de apoiar a captação de recursos para viabilizar o modelo de franquia, a parceria com a Wishe, hub com rede de investidoras e plataforma de equity crowdfunding fundada por Rafaela Bassetti, segue a lógica de que um dos principais obstáculos para o sucesso de negócios liderados por mulheres e mães é o acesso a capital. Isso se dá por diversas razões, incluindo a falta de mulheres investidoras como foco em estágios iniciais de desenvolvimento do negócio, que a iniciativa quer endereçar. “Capacitação, conexão e capital: estas são as três palavras de ordem da parceria B2Mamy e Wishe”, ressalta Dani.
“De um lado, a gente quer pessoas físicas investindo mais em startups, mostrando esse caminho através da plataforma da Wishe, e de outro temos a capacitação de startups fundadas por mulheres que impactam a sociedade de forma muito poderosa”, diz ela, referindo-se a fintechs focadas no público feminino como a Her Money e a Feel, empresa de sexual wellness, ambas aceleradas pela B2Mamy e parte de um grupo de seis empresas para as quais a aceleradora vai levantar uma rodada de R$ 2,5 milhões, aberta para investimentos pelos próximos 90 dias.
Além de pessoas físicas, a B2Mamy quer atrair investidores como grandes empresas, fundos de venture capital e family offices na modalidade de match crowdfunding, na qual o parceiro dobra a captação cada vez que o objetivo de arrecadação for atingido.
“Cada um vai ter sua motivação: [grandes empresas] falam de inovação aberta e fundos querem diversificar o dealflow, e todos estes atores têm olhado mais para a diversidade de gênero. É uma forma de acelerar o avanço nessa pauta para todos os envolvidos”, aponta Dani, que vê no modelo uma alavanca importante para chegar a um portfólio de 50 startups lideradas por mães até o ano que vem.
Para combater os vieses ainda existentes na sociedade como um todo em relação ao empreendedorismo materno, e especialmente em partes do público investidor que a B2Mamy busca, Dani pretende fazer um convite para investir em ideias que podem tornar o mundo melhor: “Uma mãe produtiva com recursos para cuidar de seus filhos, principalmente na primeira infância, é uma mãe mais feliz. Isso é impactante para a sociedade como um todo,” ressalta.
Pensando no crescimento da B2Mamy – que em 2020 chegou a R$ 2,5 milhões em receita, valor que deve dobrar em 20201 com a expansão – e nos planos, a CEO diz que é movida por propósito, mesmo enfrentando uma série de desafios diários em relação ao cuidado do filho e o trabalho, especialmente durante a pandemia. “Sou igual a todas as mulheres que largam as mãos dos filhos, ainda muito pequenos, para movimentar a economia do país. Mas vale a pena: como líder, eu me sinto infinita.”
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação e comentarista com duas décadas de atuação em redações nacionais e internacionais. Colabora para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros. Escreve para a Forbes Tech às quintas-feiras
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