Nissim Hara, fundador da marca de lingerie Hope, era um homem à frente de seu tempo. O empreendedor libanês, que chegou a São Paulo nos anos 1960 e faleceu em 2020, já previa há anos tendências-chave do varejo como o omnichannel, modelo em que o consumidor compra por qualquer canal e recebe da forma que escolher.
Atualmente, a omnicanalidade é um dos principais pilares da estratégia da empresa de 55 anos de história, que reforça o foco na evolução de canais digitais, dados e parcerias com o mundo das startups para crescer. Em entrevista à Quem Inova, a alta gestão da Hope falou sobre as prioridades de negócio e o papel das abordagens digitais nestes objetivos.
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Mesmo com o impacto da pandemia, que impactou o funcionamento das lojas físicas, a empresa celebrou o melhor mês de vendas da sua história, em maio deste ano. Em termos de faturamento, a companhia superou a marca anterior, de maio de 2017, em 34%. Apesar do aumento de casos de Covid-19 e das paralisações do início do ano e da manutenção de restrições de horários de operação, a empresa revisou o orçamento previsto para 2021, com a meta de crescer 23% este ano em relação a 2019, quando registrou seu melhor faturamento.
Além da marca principal, que leva o nome da empresa, a companhia trabalha na consolidação da linha de moda praia e fitness Hope Resort e a Bonjour, de peças mais acessíveis. Enquanto os canais prioritários de distribuição para a empresa são a rede de 211 franquias e redes multimarca, as plataformas digitais, como as redes sociais e o aplicativo da empresa, que contabiliza mais de 20 mil consumidoras, têm tido cada vez mais relevância.
“Seu Nissin sempre foi uma pessoa muito antenada em tecnologia e preocupada com a qualidade do atendimento ao consumidor, e dizia que a venda seria feita pela internet, mas seria entregue pela loja”, diz José Luis Fernandes, CEO da empresa. Testes desta abordagem começaram há cinco anos, mas barreiras tecnológicas da época impediam o avanço.
“Nosso objetivo atual reflete a visão do fundador da empresa, em que a venda será cada vez mais digital, acontecendo através do franqueado mais próximo do consumidor, com a opção de buscar o produto na loja ou recebê-lo em casa, em no máximo 24 horas”, acrescenta.
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Planos da Hope para 2011 incluem a expansão da rede franqueada com cerca de 30 novas lojas e uma abordagem específica, mais acessível, para cidades abaixo de 200 mil habitantes, como quiosques.
Para além do mundo físico, a empresa avança com projetos específicos para o online, que hoje representa 17% da receita. Projetos importantes nesta seara incluem a implementação de um motor de e-commerce da VTEX, que já passou pela fase de testes e deve ser concluído nos próximos meses, concretizando a visão do fundador da empresa.
Parcerias foram firmadas com a Loggi e a Motoboy em território nacional para garantir a entrega dos produtos comprados online, que também podem ser entregues pelo próprio franqueado. Segundo Fernandes, o link com as lojas tem o objetivo de “humanizar” o atendimento e estabelecer uma relação entre o franqueado e o consumidor, descomplicando processos como troca de produtos.
“A lógica é que a unidade seja um ponto de relacionamento, que desperte a vontade e interesse do consumidor de ir à loja, e tenha contato com a experiência física, com os lançamentos”, pontua o executivo.
Para equipar os franqueados e parceiros multimarcas com o conhecimento para operar no mundo omnicanal, a Hope tem incrementado um plano de ação, que nasceu na pandemia, que inclui capacitação e geração de materiais em aspectos como live commerce através das redes sociais, bem como boas práticas de vendas e relacionamento nestes canais. A ideia é que franqueados se tornem influenciadores digitais de sua base de clientes e impulsionem vendas através destes canais.
“Vimos que não adiantava somente disponibilizar a tecnologia, mas também era necessário encontrar formas de preparar a equipe na ponta, que vai ter que aprender a lidar com sistemas de gestão de clientes, dados, vendas online. E a empresa tem um papel importantíssimo nessa alfabetização digital”, diz Fernandes.
Outra convicção da pandemia é que, segundo o CEO, não existe mais uma distinção entre o varejo online e o das lojas. “Para nós, só existe o mundo omni. Nele, e cada vez mais, os mundos digital e físico vão se falar e se aproximar”, ressalta o executivo, acrescentando que a nova fase da Hope também envolve uma maior abertura à experimentação.
“Aprendemos que é preciso se arriscar e testar. Começou bem e desandou? Ajusta, se precisar, desliga. Outra coisa que já fazia parte do nosso DNA e ficou clara é nosso poder de execução, de colocar novas ideias no ar”, diz Fernandes. “Estes elementos têm muito a ver com os novos modelos de negócio que vão impulsionar ainda mais o crescimento da companhia.”
OPORTUNIDADES
Uma das primeiras providências da empresa logo quando a crise surgiu na frente digital foi a disponibilização do aplicativo próprio, ao qual o e-commerce da marca foi integrado. A ferramenta integra as redes sociais dos franqueados e disponibiliza o estoque da loja mais próxima do cliente. Segundo Elton Deretti, diretor comercial da Hope, o app foi crucial para manter as operações na fase inicial da pandemia, já que a fábrica da Hope no Ceará precisou interromper as operações temporariamente.
“Essa estratégia foi colocada no ar exclusivamente para gerar renda para os franqueados. Estávamos muito preocupados em encontrar formas para ajudá-los a se manterem, pois as vendas de janeiro a março iriam cair nos seus recebíveis, mas sabíamos que precisaríamos ajudá-los muito mais daquele ponto em diante”, diz Deretti.
Por mais que a transformação digital fosse uma conversa constante na companhia, Deretti nota que os trabalhos nessa frente nos últimos meses são fruto de um esforço inédito, que trouxe aprendizados importantes. “Eu, o José e a Sandra [Chayo, herdeira da Hope e diretora de estilo e marketing da empresa] nunca tínhamos feito um aplicativo, mas decidimos que era preciso acelerar. Fazíamos três reuniões por dia, foi um processo intenso, mas em 25 dias o app estava no ar e garantiu o giro dos franqueados”, conta.
Entre os meses de maio e julho, Deretti diz que o app da Hope foi essencial para garantir o giro da rede e chegou a trazer 70% das vendas. Com a gradativa reabertura do mercado, a ferramenta perdeu um pouco da força e a empresa até considerou tirá-lo do ar. Mas logo vieram novas restrições, e a plataforma voltou a se tornar relevante, e deve ser mantida.
Segundo o diretor comercial, a empresa também prevê uma ênfase no uso de dados e vai reforçar seu time executivo em julho com uma liderança focada em analytics e nos planos da companhia em relação a sistemas de gestão de clientes (CRM). “A ideia é casar o consumo online com uma estratégia que constrói uma ambientação da relação com a consumidora, melhorando a experiência de consumo e se possível, antecipando desejos”, pontua.
Além disso, os planos da empresa de lingerie na frente digital incluem a digitalização do canal multimarca, que compreende mais de 260 lojas que vendem produtos Hope em território nacional. Segundo Deretti, uma pesquisa feita junto a esta base no ano passado revelou que somente 1% tem e-commerce próprio; a tese é que, ao digitalizar parceiros, é possível aumentar as vendas e coletar dados úteis para melhorar a operação nos bastidores.
EVOLUÇÃO
Para apoiar os rumos futuros da empresa na jornada de transformação digital, a Hope reforçou seu conselho consultivo com Tallis Gomes, fundador da Easy Taxi e da Singu, vendida para a Natura, e Newton Ribeiro, sócio da consultoria de gestão de investimentos Visagio e ex-CEO do Grupo Uni.co, dono de marcas como Imaginarium e Puket. Segundo o CEO da companhia, a ideia é trazer especialistas com visões diferentes de produto, mercado e da visão convencional do setor, que possam fazer provocações.
“Entendemos que inovação e aprendizado rápido nas questões de tecnologia serão uma constante. Temos a convicção que vamos crescer muito no mercado digital, e [as novas contratações] que estão na fronteira vão nos ajudar com estes questionamentos,” diz Fernandes, que não descarta a possibilidade de aquisições para impulsionar a estratégia digital da empresa.
Além das iniciativas digitais, a empresa tem inovado em outras frentes, em áreas como produto. A Hope, que foi a primeira empresa no Brasil a fazer calcinhas sem costura e elástico em 2006, respondeu às tendências de mercado e lançou calcinhas absorventes e produtos biodegradáveis. “Sabemos que a indústria têxtil polui e que nossos produtos vão parar em aterros sanitários. Pensando nisso, passamos a produzir toda a nossa linha básica, nossa best-seller, com material que se desintegra em poucos anos ao invés de 200 anos, dependendo da fibra”, diz Sandra Chayo.
A empresa também quer mudar a cultura de doação de peças íntimas e transformar franquias em pontos de coleta, e incentivar a higienização e distribuição dos itens para moradores de rua. “A inovação aqui será cultural, em mudar um paradigma da mulher brasileira. É um piloto, mas estou apostando bastante nisso”, diz a executiva, que também cita parcerias na área de sustentabilidade com startups como a Eu Reciclo, que gerencia a logística reversa das sacolas da marca.
Segundo Sandra, a vocação disruptiva da Hope, trazida por seu fundador, deve continuar a orientar a companhia à medida que a agenda de transformação avança. “O que estamos evoluindo faz parte de um legado que meu pai deixou e enraizou na empresa. Gostamos de nos desafiar, somos corajosos e não vamos nos acomodar”, finaliza.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação e comentarista com duas décadas de atuação em redações nacionais e internacionais. Colabora para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros. Escreve para a Forbes Tech às quintas-feiras
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