O cérebro é responsável por, praticamente, todas as ações dos seres humanos, das mais simples às mais complexas. O ato de falar, por exemplo, demanda uma quantidade de esforço considerável do órgão. Por incrível que pareça, transformar um pensamento ou ideia em um conjunto de palavras é a parte mais fácil. Para que a voz seja projetada da maneira adequada, sinais simultâneos são enviados para os pulmões, para a língua e para a boca.
Em resumo, para que todos esses processos aconteçam corretamente, a saúde do cérebro precisa estar em dia. A complexidade da fala permite que médicos e especialistas consigam detectar determinadas doenças e condições por meio da voz dos pacientes. “Como neurologista comportamental, acompanho pessoas com doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, Parkinson e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Muitas dessas condições podem se manifestar na voz. Em 25% dos pacientes com ELA, o primeiro sinal da doença é uma mudança na maneira de articular palavras”, explica Dr. Hugo Botha, pesquisador e diretor do programa de IA para neurologia da Mayo Clinic.
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Os avanços da inteligência artificial motivaram o médico a testar aplicações da tecnologia para o reconhecimento desses padrões vocais — a princípio, para acompanhar os pacientes que não podiam fazer os testes presencialmente. No entanto, a IA se mostrou mais eficiente do que o esperado. “Existem mudanças na fala que são tão sutis que até um ótimo neurologista pode não perceber. Mas esses algoritmos são capazes detectar qualquer pequeno desvio, algo que um humano nunca perceberia”, diz Botha.
Para o treinamento da IA, os pesquisadores alimentam um extenso banco de dados com gravações de pacientes de diferentes idades, sotaques e comorbidades. Deste modo, a tecnologia é “ensinada” a diferenciar características vocais e reconhecer possíveis problemas.
“Você não quer diagnosticar alguém com uma doença cerebral só porque a pessoa tem uma forma de falar diferente. Por sorte, temos um estudo sobre envelhecimento que recruta pessoas saudáveis de 30 a 90 anos. Então, podemos mostrar ao algoritmo como soa uma pessoa saudável de 80 anos”, exemplifica o líder do projeto.
Os avanços da pesquisa são essenciais para o objetivo final do Dr. Hugo Botha: o monitoramento domiciliar acessível. “Como o aplicativo é executado na nuvem, qualquer pessoa pode utilizá-lo, basta ter acesso a um aparelho conectado à internet.”
Como qualquer outra informação médica, as gravações dos pacientes são sensíveis e tratadas com cuidado pelos pesquisadores. “Cada paciente recebe um link exclusivo com uma pequena versão do aplicativo de gravação de voz. Em seguida, o áudio é armazenado no banco de dados da Mayo, com suas devidas camadas de segurança. Depois, poucas pessoas, todas envolvidas na pesquisa, têm acesso ao arquivo”, pontua Botha.
Apesar dos desafios, o médico pretende seguir com os experimentos e levar o aplicativo para os testes finais de aprovação. “Se pudermos mostrar que o nosso algoritmo realmente ajuda os pacientes a obter um diagnóstico, o passo subsequente é disponibilizar isso para qualquer profissional da área da saúde e, posteriormente, obter amostras de outras línguas para expandir e ajudar mais pessoas”, finaliza.