“É como se estivéssemos no mesmo jogo de videogame, mas em uma fase com níveis de dificuldade muito maiores.” A metáfora de Aristeu Tenório, gerente jurídico da Loft, é para comparar a trajetória de profissionais da comunidade LGBTQIA+ e de profissionais que não pertencem ao grupo. “O que me conforta é saber que não estamos sozinhos. Corremos ao lado de várias outras pessoas engajadas na luta pelo fim dos preconceitos em relação à raça, identidade de gênero, orientação sexual e religião, entre outros.”
Aos 30 anos, Tenório dobrou o grau de dificuldade ao optar por uma carreira no direito. Formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, começou a trabalhar cedo, como conciliador concursado no Juizado Especial Cível da própria instituição. “Foi lá que tive meu primeiro contato com o mundo jurídico pra valer, na prática, e onde aprendi muito sobre empatia e compaixão, graças às atividades de atendimento ao público. No guichê de triagem, desenvolvi a minha escuta ativa a todos os tipos de problemas que as pessoas aflitas me contavam em busca de ajuda. E isso me engrandeceu como profissional e pessoa”, lembra.
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Depois dessa primeira experiência, o paulistano seguiu sua carreira atuando em renomados escritórios de advocacia, principalmente no direito imobiliário, atendendo clientes nacionais e internacionais. E foi nesse ambiente extremamente conservador, que o jovem percebeu logo a diferença de tratamento. “Enfrentei alguns episódios constrangedores ao longo da minha atuação profissional, tendo testemunhado condutas e comentários homofóbicos que, muitas vezes, eram praticados como ‘brincadeira’”, conta. O que mais o angustiava, porém, era o fato de haver uma “vista grossa” em relação a esse tipo de conduta pelos profissionais hierarquicamente superiores – isso quando as próprias condutas desrespeitosas não partiam diretamente deles.
Disposto a ter uma atuação profissional mais diversificada, onde pudesse empregar seu conhecimento multidisciplinar, Tenório passou por uma transição e, no ano passado, foi contratado pela Loft, onde atua como gerente da área de corporate legal. “Tenho como missão participar de diversos projetos como um facilitador, deixando para trás a burocracia, as formalidades descabidas e o ‘juridiquês’ que servem apenas para afastar as pessoas, mas sem perder a técnica”, conta.
A proptech tem como propósito revolucionar o mercado imobiliário, muito tradicional e ainda burocrático. “Como profissional da área jurídica, procuro atuar pensando no desenvolvimento de ferramentas e produtos que facilitem o dia a dia das operações imobiliárias, associando a segurança jurídica aos recursos que a tecnologia atual nos proporciona. Busca e análise de dados estruturados e pesquisas e elaboração de modelos de documentos com linguagem simples e acessível ao público geral são as minhas principais formas de contribuir para a inovação na Loft”, explica. “Inovação, para mim, é o acesso democrático a ferramentas nunca antes imaginadas, que agregam valor e são capazes de facilitar a rotina das pessoas sem que elas se deem conta de que estão ali.”
Quando perguntado sobre a situação de empregabilidade da comunidade LGBTQIA+, Tenório não perde o otimismo e o bom humor. “Sinto que esse cenário está mudando e, hoje, muitas empresas me parecem genuinamente dispostas a discutir o assunto e, mais importante, tomar atitudes. Acredito que um líder deve servir de exemplo e que suas atitudes influenciam o comportamento dos seus liderados. Condutas inadequadas sendo justificadas pela origem tradicional e ‘quatrocentona’ de algumas empresas não cola mais”, diz. “Para esse tipo de empresa, eu digo: quatrocentão é o seu preconceito.”
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Tenório reconhece que ainda há muito a ser conquistado, mas, na sua opinião, estamos vivendo o melhor momento até agora no que diz respeito à visibilidade, inclusão e retenção de profissionais da comunidade nas startups. “Por sua própria natureza, essas empresas são inconformadas com o status quo e querem fazer tudo melhor do que já foi feito. Elas acabam estimulando o sentimento de pertencimento. Por isso, acredito que a tendência é que o cenário seja cada vez mais favorável a esse público”, diz. “Muitas empresas estão trabalhando com vagas destinadas especificamente a pessoas da comunidade LGBTQIA+ e isso é maravilhoso no nosso contexto atual, diferente do que alguns possam pensar. Nós precisamos sim dessas iniciativas para cravar a nossa presença no mercado de trabalho com igualdade de oportunidades e afirmar, categoricamente, a nossa existência enquanto profissionais qualificados e merecedores de respeito incondicional, como qualquer pessoa.”
Idealizador do movimento Legal Pride Up!, que fomenta discussões entre profissionais da área jurídica e simpatizantes em startups, Tenório diz que seu principal desejo é que as pessoas sintam cada vez mais liberdade para afirmar a sua existência como LGBTQIA+ e que, um dia, representem uma população expressiva nos ambientes de trabalho, não só em negócios de base tecnológica, mas em todos os tipos de empresas, com oportunidades em todas as posições hierárquicas. “Eu gostaria também de desenvolver um projeto de treinamentos voltados ao público da nossa comunidade que não consegue uma chance no mercado de trabalho por falta de capacitação”, diz.
O jovem advogado ainda tem na memória a primeira camiseta que ganhou logo que conseguiu o estágio, mais de uma década atrás. Ela tinha a seguinte citação do poeta, dramaturgo, escritor e cineasta francês Jean Cocteau: “Não sabendo que era impossível, foi lá e fez”. “Pra mim, inovação é sobre isso”, diz ele. Pode ser. Mas a frase também diz muito sobre a vida e a carreira de Aristeu Tenório.
Este perfil faz parte de um especial que aborda as vivências de pessoas da comunidade LGBTQIA+ no ecossistema de inovação brasileiro, que a Forbes Tech veiculará nas próximas semanas. Para saber mais sobre os desafios e oportunidades relacionados a este público nas empresas de tecnologia, leia a reportagem que deu início à série.
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