O grande poeta português Fernando Pessoa afirmou, por meio de um de seus heterônimos: “olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates”. O sabor, que vai do doce ao amargo do cacau, o principal ingrediente desse alimento que liga mente e matéria, faz parte da cultura de países como Suíça, Portugal, Índia, e também do Brasil, um dos principais produtores globais da fruta.
No ano passado, a indústria brasileira do chocolate movimentou R$ 11 bilhões e produziu 757 mil toneladas de produtos à base de cacau. Segundo a AIPC (Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau), as empresas moeram 110.872 toneladas de amêndoas no primeiro semestre de 2021, resultado 10,3% superior ao mesmo período no ano passado. Justamente para incentivar esse momento de crescimento e iniciativas que priorizem chocolates produzidos com sustentabilidade, a CNA (Confederação Nacional de Agricultura) realizou o prêmio “CNA Brasil Artesanal 2021 – Chocolate”.
LEIA TAMBÉM: O que a nova precisão, em escala geográfica, tem a ver com sustentabilidade
Iniciado em junho, o concurso contou com 34 inscritos. A entidade selecionou sete marcas artesanais, anunciadas na semana passada, que produzem chocolates artesanais de alta qualidade e que priorizam em sua produção o conceito de bean to bar (do grão à barra). Em parceria com o CIC (Centro de Inovação do Cacau) e a Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira) os finalistas foram escolhidos a partir de prova às cegas de sabor, levando em consideração a “história do produto”. “O concurso é uma ótima estratégia para agregação de valor para o chocolate artesanal do Brasil”, diz Adriana Reis, gerente de qualidade do CIC, que coordenou essa etapa. “O país vive hoje um momento importante para o cacau e para o chocolate que vem se destacando e ganhando prêmios nacionais e internacionais pela qualidade.” Para ela, o evento traz visibilidade e inserção das marcas no cenário nacional e evidencia o potencial do chocolate brasileiro.
Para entender mais os diferenciais das marcas de chocolates, a Forbes conversou com as sete produtoras artesanais finalistas do prêmio da CNA (apresentadas na galeria em ordem decrescente, da primeira posição à última) . Conheça as suas histórias:
-
Divulgação/Priscyla França Chocolates Priscyla França Chocolates – Priscila França Rosendo – São Paulo (SP)
“Eu precisei morar fora do país para descobrir como o cacau brasileiro tem mudado e melhorado a cada dia. Estamos em uma outra página da história. Então, quando eu morava na França e trabalhava como chef de confeitaria, fui a um coquetel com uma mesa de chocolates do Equador, Venezuela e Brasil, e eles eram muito bons. Voltei ao Brasil determinada a entender como funcionava esse processo para se fazer chocolate. Nessa pesquisa acabei descobrindo os chocolates bean to bar, me apaixonei por isso e cheguei à conclusão que queria essa filosofia para a minha vida. Ainda trabalhava como confeiteira quando retornei ao país, mas fui fazendo os chocolates bean to bar nos meus dias de folga. Após ganhar alguns prêmios (bronze no “Bean to Bar Brasil 2019” e ouro no “Chocolate Alliance Awards 2020”), neste ano decidi me dedicar exclusivamente aos chocolates. Nosso diferencial é a parceria com o produtor Francisco Cruz, do assentamento Tuerê, no Pará, porque ele fornece um cacau de ótima qualidade. Esse chocolate 70% que produzimos, se não dá certo, pode mostrar todos os defeitos que você realizou durante a produção: se torrou muito ou pouco a amêndoa, desenvolveu amargor e ou trabalhou bem o cacau. Eu errei durante dois anos, porque não gostava do meu chocolate 70%. Mas fui estudando vários protocolos de torra e procurando um parceiro, até chegar nesse bom chocolate. Os nossos ingredientes são todos rastreáveis e naturais. Os únicos itens industrializados que utilizamos são o açúcar orgânico e o leite em pó integral.”
-
Acervo Pessoal Kalapa Chocolate – Luiza Dantas Santiago – Belo Horizonte (MG)
“Por volta dos 20 anos, passei a consumir apenas chocolates mais intensos. A partir daí, comecei a me interessar mais pela origem do que consumia e a estudar sobre o cacau. Sou bióloga e fiquei encantada com o viés ambiental do cultivo do cacau e também de todo o histórico cultural do chocolate como alimento. Fiz um voluntariado em uma comunidade baiana que trabalha com cacau. Ao voltar de lá com as primeiras amêndoas fiquei absorvida pelo feitio do meu primeiro chocolate. Não tinha pretensão alguma de ter uma empresa, a Kalapa surgiu como uma gravidez não planejada e quando entendi para onde estava indo ela já estava viva e crescendo. Hoje, me dedico ao chocolate diariamente, tanto na produção quanto nos estudos científicos. Intitulo minha profissão como ‘tradutora de cacau’ e sou preenchida pelo que faço. Este chocolate 70% premiado é um chocolate macio e com derretimento envolvente, que permite boa persistência dos sabores na boca. É feito com cacau agroecológico, que cresce em harmonia com a diversidade da Mata Atlântica da Bahia, no assentamento Dois Riachões. A escolha das matérias-primas é nossa principal forma de exercer e fortalecer nossas crenças e desejos para o mundo. Escolhemos apoiar produções e/ou negócios que queremos ver prosperar.”
-
Acervo Pessoal Chocolate Daju – Lucas e Júlia Arleo – Uruçuca (BA)
“A gênese do Chocolate Daju está no bisavô de Júlia, e a continuidade de seu legado hoje é a minha missão. Sempre acompanhei meu avô na lida com o cacau e busquei fazer valer a máxima de que “os filhos dos filhos são uma coroa para os seus avós”. Em 2016, decidi mudar o foco da fazenda Santa Rita (BA) para a produção de amêndoas de qualidade. Julia [que dá nome à marca], ainda novinha, decidiu me acompanhar até a fazenda e foi criando uma estima pela cultura cacaueira. Durante a pandemia, essas idas se tornaram cada vez mais frequentes, e o cacau se tornou a paixão de Julia, que tem nove anos de idade. Nossa produção é tree to bar. Usamos exclusivamente amêndoas de cacau da nossa fazenda, que traz o terroir do Sul da Bahia. O cacau tem aroma adocicado, cítrico e frutado, que realça a banana passa [presente no chocolate premiado pela CNA]. Além do cacau, usamos apenas manteiga de cacau, açúcar e leite, todos ingredientes que vêm para proporcionar sensações distintas, a depender da formulação, mas sem uso de aromatizante e conservante, fortalecendo sempre o conceito de chocolate de verdade. As amêndoas do Chocolate Daju são certificadas pela indicação de procedência do Sul da Bahia, em área demarcada por Indicação Geográfica.”
-
Divulgação/Cacau do Céu Cacau do Céu Chocolates Finos – Marcela Tavares – Ilhéus (BA)
“Desde muito novinha, com 13 ou 14 anos eu vendia chocolate na escola, fazia ovos de Páscoa. A produção de chocolate sempre foi um hobby para mim, eu amava aquele processo de comprar as barras e derreter. Já adulta e formada, fui morar fora do país e resolvi mudar de profissão. Na época eu trabalhava com importação de produtos eletrônicos, fui passar férias no Canadá e descobri que fazer chocolate poderia ser uma profissão. Sou de família produtora de cacau, principal matéria-prima do chocolate, mas não tinha ideia como transformar em chocolate. Foi no Canadá que encontrei os primeiros cursos voltados à fabricação de chocolate desde a amêndoa de cacau. Ao final de 2008, retornei para o Brasil com uma boa bagagem de ensinamentos e resolvi criar a Cacau do Céu. Foram dois anos executando o projeto e adquirindo mais conhecimentos, e em janeiro de 2011 inaugurei a primeira chocolataria em Ilhéus (BA) com o conceito bean to bar. Nossos chocolates têm alto teor de cacau, mas o foco não está somente na qualidade do produto final, também buscamos valorizar toda uma cadeia produtiva, o famoso win-win onde o trabalhador rural e o comerciante final ganham. Ou melhor, até o consumidor porque ele recebe um produto com mais cacau, menos açúcar, menos ingredientes, mais saudável e mais gostoso. Uso apenas duas fontes de fornecimento, parte vem da nossa fazenda Saudade, onde eu mesma acompanho todo o processo de beneficiamento, e outra parcela é da fazenda Leolinda, renomada no processo de beneficiamento e que já ganhou por duas vezes o prêmio de melhor amêndoa de cacau do mundo no “Cocoa of Excellence Awards”, que acontece no salão de chocolate em Paris. Não usamos nenhum tipo de conservantes ou gorduras alternativas.”
-
Anúncio publicitário -
Acervo Pessoal C’alma – Chocolate do grão à barra – Ariana Ribeiro – Goiânia (GO).
“A minha história com o chocolate começa depois de duas tentativas de negócios que não deram certo. Chegou um momento que me vi sem perspectiva de carreira e com uma filha recém-nascida nos braços, sem saber que rumo tomar. Foi a partir do meu primeiro contato com um chocolate artesanal importado que me apaixonei pelo produto. Como engenharia de produção, comecei a vislumbrar a possibilidade de produzir algo como aquilo: um produto artesanal e com bons ingredientes. Comecei a fazer minhas pesquisas sobre a marca daquele chocolate e descobri os bean to bar. Depois de muitos estudos, passei aos primeiros testes, em casa mesmo, com equipamentos improvisados e um moinho que meu sogro trouxe dos EUA. Mas foi quase um ano depois dos primeiros testes, depois de muito chocolate ruim transformado em sobremesa, que as pessoas começaram a gostar do que eu fazia e pediam para comprar. Então, nasceu a C’alma. O chocolate escolhido pela CNA é 70% feito com um cacau fino, produzido pela fazenda Panorama, no Pará. O protocolo de torra que utilizamos favorece os aromas desse cacau especial. Escolhemos apenas produtores que confiamos e que têm boas práticas sociais e de produção. Os demais ingredientes também são escolhidos com cuidado. Não utilizamos conservantes, gorduras além da do cacau ou aromatizantes.”
-
Divulgação/Majucau Majucau – Mariana Basaure – São Paulo (SP)
“Nossa história com o chocolate começa em 2018. Eu e meu marido decidimos criar a Majucau, porque sempre nos preocupamos com a nossa alimentação e nossa rotina diária muito conturbada. Na época eu era enfermeira no período da noite, então não tínhamos uma convivência saudável. Na questão de saudabilidade do chocolate, percebemos que no mercado era muito difícil encontrar algo com uma lista de ingredientes limpa e rastreável. Tudo era muito ultraprocessado. Depois de pesquisa, descobrimos o bean to bar e nos encantamos com todo o processo desse chocolate. Fiz um curso onde aprendi as etapas de como processar o chocolate e decidimos empreender no bean to bar. Esse ano, consegui largar a enfermagem e vivemos única e exclusivamente da produção da Majucau. Temos uma relação muito estreita com a fazenda Vale Potumuju, onde o cacau é beneficiado. Outro diferencial é que não mantemos um padrão geral, nós desenvolvemos um padrão para cada lote de cacau. Quando ele chega na fábrica abrimos as amêndoas, sentimos o cheiro e experimentamos elas ainda cruas para decidir o padrão da torra. A escolha dos ingredientes está baseada na confiança e no acompanhamento com o produtor, que está conosco desde o início.”
-
Acervo Pessoal Cacauway – Hélia Félix de Moura – Medicilândia (PA)
“Em 1997, quando me casei com um produtor de cacau da região Transamazônica, eu não conhecia essa região. A propriedade está na família desde 1972. De imediato, me identifiquei bastante com a cultura e em 2006 fui cursar agronomia na Universidade Federal do Pará para incrementar essa afinidade. Em 2010 veio a fábrica de chocolate, a primeira do estado de Pará, instalada no município de Medicilândia, reconhecido como a capital nacional do cacau. Após a abertura da Coopatrans (Cooperativa Agroindustrial da Transamazônica), de imediato comecei a trabalhar a marca Cacauway nessa linha bean to bar. O grande diferencial é que todas as características do chocolate são dadas pelas boas amêndoas que produzimos e depois processamos, sem a adição de corantes, conservantes, etc. Nossa manteiga de cacau também é de alta qualidade, pois extraímos na própria fábrica, a partir de amêndoas selecionadas e fermentadas. A gente também dá toda a orientação aos produtores, incentivando os produtos locais a conseguirem amêndoas para um bom chocolate. Também realizamos uma prova de corte, que é o teste de avaliação da porcentagem de fermentação que uma amostra de amêndoas atinge, além de outras características organolépticas que darão bom aroma e sabor.”
Priscyla França Chocolates – Priscila França Rosendo – São Paulo (SP)
“Eu precisei morar fora do país para descobrir como o cacau brasileiro tem mudado e melhorado a cada dia. Estamos em uma outra página da história. Então, quando eu morava na França e trabalhava como chef de confeitaria, fui a um coquetel com uma mesa de chocolates do Equador, Venezuela e Brasil, e eles eram muito bons. Voltei ao Brasil determinada a entender como funcionava esse processo para se fazer chocolate. Nessa pesquisa acabei descobrindo os chocolates bean to bar, me apaixonei por isso e cheguei à conclusão que queria essa filosofia para a minha vida. Ainda trabalhava como confeiteira quando retornei ao país, mas fui fazendo os chocolates bean to bar nos meus dias de folga. Após ganhar alguns prêmios (bronze no “Bean to Bar Brasil 2019” e ouro no “Chocolate Alliance Awards 2020”), neste ano decidi me dedicar exclusivamente aos chocolates. Nosso diferencial é a parceria com o produtor Francisco Cruz, do assentamento Tuerê, no Pará, porque ele fornece um cacau de ótima qualidade. Esse chocolate 70% que produzimos, se não dá certo, pode mostrar todos os defeitos que você realizou durante a produção: se torrou muito ou pouco a amêndoa, desenvolveu amargor e ou trabalhou bem o cacau. Eu errei durante dois anos, porque não gostava do meu chocolate 70%. Mas fui estudando vários protocolos de torra e procurando um parceiro, até chegar nesse bom chocolate. Os nossos ingredientes são todos rastreáveis e naturais. Os únicos itens industrializados que utilizamos são o açúcar orgânico e o leite em pó integral.”
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Siga Forbes Money no Telegram e tenha acesso a notícias do mercado financeiro em primeira mão
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.