Se você estivesse apenas prestando atenção nas manchetes, teria a nítida impressão de que os alimentos à base de plantas estão tomando conta do mercado das carnes.
Por exemplo, no mês passado, o USA Today informou que: “Os restaurantes salvaram 700 mil animais com ofertas à base de plantas no ano passado”. (Este artigo foi distribuído e apareceu em vários jornais nos Estados Unidos.) Mais especificamente, o canal informou que 212.000 porcos, 92.000 vacas e 405.000 galinhas foram salvos em 2021.
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Há uma leva de comemorações nas mídias sociais e outras amplificações. (Estranhamente, o VegNews relatou a estatística como 600.000 em sua manchete, mas no texto está que o número poderia chegar a 1 milhão de animais salvos, todos com base no mesmo relatório.)
De onde vem essa afirmação?
De acordo com o USA Today, uma organização chamada World Animal Protection realizou a análise. O canal explica que o grupo calculou quantas unidades de carnes vegetais da Beyond Meat e da Impossible Foods “precisavam ser vendidas para representar a quantidade de carne fornecida por um animal, depois aplicou um efeito de substituição para estimar a probabilidade de o produto ser adquirido por um consumidor carnívoro”.
Como não há outras informações disponíveis, é impossível dizer a precisão dessa afirmação, mas é altamente suspeita. (Não consegui encontrar o relatório no site do grupo e as tentativas de contato com a organização tanto pelas mídias sociais quanto pelo portal da web não foram respondidas.)
Não há evidências de que as alternativas plant based estejam substituindo os alimentos de origem animal porque simplesmente não temos os dados para saber como os consumidores estão se comportando.
Em outro exemplo de alegações duvidosas, o VegNews também informou recentemente que: “A carne à base de plantas será mais barata que a carne animal mais cedo do que você pensa”. The Beet também relatou que: “Alternativas de carne vegana estão a caminho de se tornarem mais baratas que a carne”.
Afirmação em qual base de dados?
Ambos os meios fazem referência a uma postagem no blog do Good Food Institute, alegando que, à medida que “a produção aumenta, as economias de escala podem se traduzir em eficiência de custo e preço”. Esse é um conceito bastante padrão, mas não exatamente digno de notícia.
O VegNews também cita um relatório do ano passado do grupo investidor Blue Horizon, que contratou o Boston Consulting Group para realizar uma análise. (A postagem no blog do Good Food Institute também fez referência a esse mesmo relatório.)
Este relatório faz a previsão otimista de que “proteínas alternativas podem reivindicar até 22% do mercado geral de proteínas até 2035”. (O grupo inclui carne cultivada em células junto com a base de plantas em sua previsão.) O relatório recebeu uma boa cobertura da mídia, mas sem apontar os óbvios conflitos de interesse em ter um investidor prevendo o sucesso futuro dos próprios produtos em que investiu. Portanto, dificilmente são uma fonte objetiva.
De volta às “notícias” da paridade de preços. O relatório do investidor previu que: “Até 2035, depois que as proteínas alternativas atingirem a paridade total em sabor, textura e preço com proteínas animais convencionais”. Esta afirmação é aparentemente baseada em um “modelo de mercado inédito” e entrevistas com “mais de 40 especialistas na área”. Pelo menos um gráfico faz referência ao Good Food Institute como fonte de dados, criando uma câmara de eco entre as duas entidades.
Isso é apenas detalhes sobre plant based?
Não, a realidade importa. Exagero e alegações em benefício próprio não são aceitáveis. Aqui estão três maneiras pelas quais essas alegações prejudicam a própria causa que pretendem promover.
1. Incentivar investimentos irreais.
Como vimos com a Beyond Meat, o que sobe deve descer. Embora o IPO recorde da empresa tenha tornado algumas pessoas muito ricas, a queda mais recente das ações corre o risco de assustar novos investidores de outras marcas que podem ter mais sucesso a longo prazo.
2. Distração das soluções reais.
A única maneira de criar mudanças duradouras é corrigir os problemas estruturais subjacentes que criaram a bagunça em primeiro lugar. A produção convencional de carne não é um problema do consumidor. É uma equação política e econômica. O mercado não resolve problemas políticos. Pode desempenhar um papel, mas é limitado. Quanto mais se envia uma mensagem de que o mercado está resolvendo o seu intrincado sistema alimentar, menos se coloca recursos e energia em soluções eficazes. O que nos leva ao número três.
3. Criando uma sensação de complacência.
A verdadeira mudança exige muito trabalho: muitas vezes a organização de base ao longo de muitas décadas, dependendo de quão enraizado é o problema. E a produção convencional de carne e laticínios está extremamente enraizada em nossos sistemas agrícolas, econômicos e alimentares. Espalhar desinformação envia um sinal de que não há necessidade de ativismo.
A mídia também deve assumir a responsabilidade de amplificar alegações infundadas. Embora possa fornecer iscas temporárias de cliques, a longo prazo, corrói a confiança. E se não podemos confiar nas informações que recebemos, não podemos fazer escolhas informadas sobre onde colocar nossa energia e recursos limitados. E não temos tempo a perder.
*Michele Simon é colunista da Forbes USA, advogada de saúde pública, especialista em indústria de alimentos e defensora de políticas alimentares. Fundou a Plant Based Foods Association, a primeira associação nos EUA para promover os interesses das empresas de alimentos à base de plantas.
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