Plantar cacau em consórcio com o açaí, esse é o projeto de uma das maiores produtos de palma de óleo, ou dendê, do país. A iniciativa inédita do Grupo Brasil BioFuels, ou Grupo BBF, abre na empresa o conceito de SAF (Sistema Agroflorestal) em suas operações no Pará e em Roraima, na região Amazônica. E claro, além das safras, o BBF está de olho, também, no mercado de carbono a partir da floresta formada.
A empresa pretende plantar 30 mil hectares com as frutas nativas para chegar em 2030 como a maior produtora individual de cacau do mundo. Os primeiros 1.000 hectares serão plantados ainda neste ano, com foco na recuperação de áreas degradadas.
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“O plantio da palma de óleo segue uma das legislações ambientais mais severas do mundo, o Zoneamento Agroecológico da Palma de Óleo, que permite que essa planta seja cultivada em áreas degradadas até dezembro de 2007”, diz Milton Steagall, CEO do Grupo BBF. “Vamos usar o cacau e o açaí, que são duas espécies nativas da região, nas áreas em que a palma não pode ser cultivada, o que permitirá a aceleração na recuperação das áreas degradadas, além da captura e estoque do carbono.”
Fundada em 2008, o grupo atualmente é um dos maiores produtores de óleo de palma, ou dendê, da América Latina. Com área cultivada de cerca de 75 mil hectares, a produção atual é de 200 mil toneladas/ano de óleo. A empresa se fez justamente assim: recuperando, para o cultivo de palma, áreas degradadas de acordo com o ZAE (Zoneamento Agroecológico) da palma para o processamento de óleo.
Em 2022, o BBF faturou R$ 1,1 bilhão, com estimativa para este ano de R$ 1,5 bilhão. É dona de ativos da ordem de R$ 2,1 bilhões, com 38 usinas termelétricas (25 em operação e 13 em implementação), 3 unidades de esmagamento de palma de óleo, uma extrusora de soja e uma indústria de biodiesel. Além do Pará, a companhia atua no Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima.
Para o novo projeto, o Grupo BBF disse que ainda não tem todos os detalhes fechados do quanto deve investir. Mas costuma não ser pouco, levando em conta seu histórico. No início deste ano, a companhia anunciou que nos próximos três anos vai investir cerca de R$ 5 bilhões para avançar em combustíveis renováveis de segunda geração, na química verde e no etanol de milho.
No ano passado, a companhia firmou um acordo com a Vibra para fornecimento do combustível de aviação e diesel verde, conhecido como HVO (óleo vegetal hidrotratado). Para isso, serão necessários cerca de 100 mil hectares de palma de óleo, para a produção de 500 milhões de litros anuais de biocombustíveis de segunda geração.
Cacau do Pará, em lavouras plantadas
Para o projeto do cacau amazônico, a lavoura será certificada para produção com garantia de origem e destinada ao mercado interno. “Nosso produto será 100% rastreado, do início ao fim da cadeia”, diz Steagall.
O Pará é atualmente o maior produtor de cacau do país. De acordo com o Levantamento Sistemático de Produção Agrícola de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), a produção de cacau paraense representa 50,32% do total nacional e está entre os dez maiores polos cacaueiros do mundo. Os dados mais recentes mostram uma produção nacional de 302 mil toneladas de amêndoas e um valor de produção da ordem de R$ 3,9 bilhões, sendo que o Pará responde por R$ 1,8 bilhão. Se tomada como referência a região norte, o Pará responde por 96% da produção. O estado do Pará produz 50% do cacau brasileiro.
No projeto do BBF, ao contrário da cena mais comum de um cacaueiro, que remete ao sistema cabruca muito utilizado na Bahia e embaixo de árvores de sombra, o cacau no Pará é em lavouras a céu aberto, um sistema que envolveu e ainda envolve muita pesquisa de empresas e instituições, como a Ceplac (Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira), órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
A Ceplac atua na região amazônica desde a década de 1960 e mantém no Pará o maior banco genético de Theobroma cacao do mundo, com mais de 53 mil plantas. “Serão utilizadas variedades clonais auto compatíveis do tipo “casca fina”, que possuem capacidade de autofertilização. Esses clones selecionados asseguram uma produção mais homogênea, com maior resistência a doenças e frutos de qualidade superior”, afirma Steagall.
As lavouras de cacau também devem levar renda para a região. A exemplo da palma de óleo, o cacau é uma cultura que não pode ser mecanizada. “Com isso, vamos gerar milhares de novos empregos no campo, em um modelo de cultivo sustentável que acelera a recuperação do bioma Amazônico”, diz Steagall.
Em meados de 2022, um estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em parcerias com algumas instituições, mostrou que a expansão do cacau traz benefícios para Amazônia ao aliar a preservação da floresta com renda e empregos. O estudo confirma que a maior parte das lavouras têm sido formada em áreas de pastagens degradadas, antes utilizadas para a criação de gado, e que 70% dessas novas áreas estão nas mãos de agricultores familiares e em sistemas agroflorestais.
O trabalho, intitulado “A expansão sustentável do cacau (Theobroma cacao) no estado do Pará e sua contribuição para a recuperação de áreas degradadas e redução do fogo” (The sustainable expansion of cocoa crop in the State of Pará, Brazil and its contribution to altered areas recovery and fire reduction), foi publicado no Journal of Geographic Information System. A pesquisa mostra a descrição detalhada da evolução das plantações de cacau em termos de expansão histórica, práticas de propriedades agrícolas, transições de uso da terra e regimes de fogo.