Não se deixe enganar. A inovação trazida pela carne cultivada em laboratório – ou “carne cultivada”, como os especialistas do setor decidiram chamá-la – não é a grande história de sucesso empresarial da próxima geração que vem sendo alardeada. Os investidores querem que as pessoas acreditem no contrário e, embora tenham o direito de se sentirem meio perdidos, em meados de junho as startups norte-americanas Good Meat e Upside Foods receberam o aval do Departamento de Agricultura dos EUA e da Food and Drug Administration para entrarem no mercado, mas alguns fatores podem impedir esse movimento e o crescimento do mercado da “carne não abatida”.
Não menos importante é o custo: nos últimos cinco anos, bilhões de dólares foram gastos no desenvolvimento de mais de 100 startups do setor. Mas eles ainda precisarão de mais alguns bilhões. O setor “precisava de um grande incentivo para dizer não só que estamos progredindo, mas estamos avançando em um dos aspectos mais desafiadores para trazer essa carne para o mercado, que é o sistema regulatório”, afirma à Forbes a investidora Lisa Feria, CEO da Stray Dog Capital, com sede em Kansas City. “Mas o que se pode escalar como produto ainda permanece como uma grande, enorme e muito cara atividade para trazê-lo ao mercado”, completa.
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Confira alguns fatores que demonstram a longa jornada, da aprovação regulatória até os pratos da família americana média.
Os preços são altos, mas não altos o suficiente para gerar lucro
O quilo da carne cultivada em laboratório custa milhares, senão centenas de milhares de dólares, para ser produzida. As marcas, no entanto, decidiram arcar com perdas substanciais para que os preços dos pratos de carne cultivada estejam em linha com a carne de ruminantes e aves comuns, os quais os clientes estão acostumados. Os primeiros pratos de frango da Upside Foods serão lançados no restaurante Bar Crenn, com estrela Michelin, do chef Dominique Crenn, enquanto o produto da Good Meat será vendido em Washington, no restaurante China Chilcano, do chef José Andrés, por preços a serem definidos. Andrés possui ações e Crenn tem um contrato de vários anos, mas eles não querem que a cabeça dos clientes exploda quando olharem para o lado direito do menu. Espere um preço normal de entrada. E espere grandes perdas.
A carne cultivada em laboratório pode nunca render dinheiro
Os pontos de venda com práticas artificiais de preços – justificados, isso porque dar uma amostra para o maior número possível de pessoas é um bom negócio – podem acabar prejudicando as marcas. Estima-se que a estrutura de custos esteja fora de sintonia por anos, senão décadas, e muitas das pessoas que experimentam carne cultivada em laboratório agora, pela primeira vez, podem não estar por aqui quando esses produtos forem lucrativos para as empresas.
“A lucratividade está muito aquém, então o maior desafio pela frente é produzirmos milhões de toneladas por ano e, finalmente, competir remotamente com a carne convencional”, diz Feria, que apóia a Upside Foods, bem como uma série de seus concorrentes, e prevê que muitas startups eventualmente se fundirão ou serão adquiridas por grandes empresas de carnes, como Tyson e JBS.
O cultivo não é barato
Para produzir carne cultivada em laboratório, os fabricantes usam um biorreator – o mesmo maquinário que as empresas farmacêuticas utilizam para produzir vacinas. Esses biorreatores são caros e há longas listas de espera. Também é dispendiosa a construção das fábricas para esses biorreatores. O CEO da Good Meat, Josh Tetrick, diz que uma instalação capaz de produzir cerca de 13,5 toneladas de carne cultivada custaria até US$ 650 milhões (R$ 3,121 bilhões na cotação atual). Feria diz que uma das startups de seu portfólio estimou recentemente que sua instalação custaria, numa estimativa conservadora, US$ 450 milhões (R$ 2,161 bilhões). Ou seja, os investidores terão que continuar a colocar a mão no bolso.
Vai ficar com gosto de frango?
Feria diz que aconselha qualquer pessoa a não apressar o lançamento de novos produtos. “Vai realmente impactar a categoria, quais produtos as pessoas vão colocar na boca primeiro”, diz ela. “Esses produtos precisam ser impecáveis. Eu gostaria de ver as pessoas impressionadas”, completa.
A carne cultivada não é necessariamente boa para o meio ambiente
É verdade que os métodos tradicionais de levar carne ao mercado podem provocar mudanças climáticas que precisam ser revertidas, mas a carne cultivada em laboratório apresenta um problema um pouco diferente: ela consome uma enorme quantidade de energia. Não há muita pesquisa sobre isso, especialmente do tipo que não é financiado por startups ou associações do setor. Dito isso, alguns estudos recentes mostraram que de fato há motivos para preocupação.
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O Good Food Institute, da indústria de proteínas alternativas, afirmou recentemente que, em uma década, a carne cultivada em laboratório poderia ter um impacto ambiental menor em comparação com a produção convencional de gado, se a energia renovável for usada. Seu estudo estima cerca de 80% menos emissões de carbono, além de menos terra utilizadas. Mas, se a carne cultivada usa fontes de energia tradicionais em escala, um estudo de 2015 descobriu que seria pior para o planeta do que a produção de carne convencional. Em outro artigo, anunciado no mês passado e que aguarda publicação revisada por pares, pesquisadores afirmam que o impacto ambiental da carne cultivada em laboratório pode ser de 4 a 25 vezes pior do que a carne natural.
É claro que a indústria poderia adotar fontes de energia renovável, mas a maioria dos planos de fábrica depende de explorar a rede nacional de energia dos EUA, que já está superlotada e destinada principalmente à infraestrutura pública e não a um negócio que pode nunca ser lucrativo.
Carne cultivada em laboratório não é especialmente saudável como alimento
Especialistas dizem que as proteínas cultivadas podem ser definidas como ultraprocessadas, contra as quais o Instituto Nacional de Saúde e pesquisadores das ONU (Organização das Nações Unidas) alertam há anos. Alguns estudos até mostram ligações com câncer e outras doenças com certos tipos de alimentos ultraprocessados. É muito cedo para qualquer pesquisa sobre os impactos em longo prazo da ingestão de novas proteínas ou o efeito de usar um ambiente esterilizado para criar nutrientes para as pessoas consumirem.
Além disso, a quantidade de dinheiro que os investidores estão colocando não incentiva a ir devagar e fazer as coisas intencionalmente, disse à Forbes Adrian Rodrigues, um banqueiro de investimentos de Washington que fundou a Provenance Capital. “Isso coloca muita pressão sobre a preocupação em priorizar a segurança do produto e garantir que não haja apenas testes de curto prazo, mas testes longitudinais”, afirma Rodrigues.
As guerras de patentes se aproximam
Pioneiros em proteínas vegetais, Impossible Foods e Motif FoodWorks travaram uma batalha prolongada (mas não sangrenta) para determinar quem tem o direito de fazer hambúrgueres sem carne de uma determinada maneira. O mesmo poderia acontecer facilmente para os demais criadores de carne de laboratório. Cada startup tem sua própria fórmula proprietária. Alguns são apoiados por patentes e outros são segredos comerciais. Rodrigues chama as startups desenvolvidas em laboratório de “empresas hiper investidas que parecem estar focadas em uma captura de propriedade intelectual, para realmente dar uma base a retornos focados em propriedade intelectual”.
A carne cultivada em laboratório não resolve os problemas econômicos em torno dos alimentos
Quarenta milhões de americanos não comem o suficiente, e a carne cultivada em laboratório não fará nada para aliviar seu fardo. O preço para produzir a comida é muito alto e pode nunca cair o suficiente. Isso significa que os investidores estão visando apenas as versões super sofisticadas de carne cultivada em laboratório, como bifes sem matança, lombos e caudas de lagosta que serão vendidos por muito mais do que os pratos comuns, como nuggets de frango ou hambúrgueres. A grande maioria das pessoas não gastaria US$ 50 (R$ 240) em um hambúrguer produzido em laboratório, mas algumas delas podem ser persuadidas a gastar isso em um belo bife. Isso significa que essa tecnologia está sendo financiada e ampliada, principalmente, para o consumo dos mais ricos. E deixe os 40 milhões comerem bolo feito em laboratório.