Veronique Mbida, da Bantu Chocolate, está tirando onda. A história começou em 2016, quando ouviu um desabafo da mãe Catherine, que tinha uma plantação de cacau no sistema de agricultura familiar, em Camarões, país africano que é sua terra natal, que tem cerca de 27 milhões de habitantes e é um dos principais produtores globais da fruta. Veronique decidiu colocar a mão na massa e tentar consertar um sistema que via como falho nessa cadeia produtiva.
O chocolate é amado em todo o mundo, isso não resta dúvida. Mas quando se aprofunda para conhecer a estrutura de alguns negócios, a percepção é de que o que está por trás não é tão doce. Na visão de Mbida, por muito tempo marcas de chocolate têm explorado seus funcionários com salários abaixo do mercado e condições precárias de trabalho em seu país. Foi justamente essa história que ela quis mudar.
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A partir daí foram precisos cinco anos para trazer à luz a empresa e sua primeira linha de produtos – a Bantu que quer, no final das contas, contribuir para mudanças neste segmento. Atualmente, as pequenas empresas não somente produzem todos os produtos naturais, como também conhecem cada um dos agricultores que trabalham para elas e que os pagam muito bem.
Enquanto a mãe de Mbida trabalhava na fazenda, ela estava traçando o seu próprio caminho profissional na moda e no design. Depois de deixar Camarões, morou na Normandia, na França, e no Brasil, construindo uma bagagem em empreendimentos criativos. Nessa época, a mãe de Mbida insistia para que a filha trabalhasse na produção agrícola. Mas foi somente em 2018 que essa história começou de fato a mudar. O namorado de Mbida lhe deu um chocolate, até então, o seu preferido.
Mas a empolgação com a guloseima durou pouco e se desfez quando ela começou a pesquisar sobre as práticas de negócios, branding e marketing e condições de trabalho da empresa em questão. Suas pesquisas se ampliaram a outras marcas, e ela começou a levar mais a sério o convite da mãe para se juntar a ela. Isso porque suas observações apontavam que muitas marcas populares traziam na publicidade mudanças que os consumidores desejam ver: negócios conscientes e boas práticas agrícolas, por exemplo, mas, no entanto, era só uma máscara.
Segundo Mbida, por mais que as marcas diziam ter transparência no processo produtivo, sua investigação mostrava o contrário. Por exemplo, o trabalho infantil ainda é um grande problema na África. Outro ponto é o salário dos trabalhadores, que raramente é justo. Em 2021, 26% das crianças entre 5 e 17 anos na África Subsariana estavam envolvidas em trabalho infantil.
Assim, a oferta da mãe para liderar o negócio parecia ser a única decisão que fazia sentido. O projeto era fazer com que o Chocolate Bantu fosse um negócio justo para todos da cadeia produtiva, com remuneração honesta e melhores condições de trabalho. Além disso, o que também foi um incentivo e motivo de orgulho era ser uma marca africana liderada por mulheres, já que o setor é predominantemente conduzido por homens.
Uma barra de chocolate de qualidade
Ao lembrar da marca favorita que ela gostava e a decepção que veio a seguir, fazer algo a respeito tornou-se seu principal objetivo. “O visual deles estava correto, mas os números não batiam”, diz ela, sobre a mudança de carreira que transformou sua vida. Foram necessários três anos de pesquisa e uma mudança para Londres para desenvolver a produção, a marca e a embalagem, antes de lançar, na primavera europeia de 2022, a primeira linha de produtos que contava com quatro barras de chocolate.
Bastou um ano para a Bantu começar a colher os frutos. A empresa recebeu elogios da conceituada Academia de Chocolate, entidade fundada em 2005 na Grã-Bretanha e, recentemente, expandiu o portfólio para padarias com a fabricação de nibs, que são granulados feitos a partir das sementes de cacau, secas e processadas, utilizados em receitas.
Além disso, a empresa criou uma bebida com a mistura de kombucha, um chá fermentado de erva camellia sinensis, com o suco da polpa do cacau. “Pensamos ainda em criar um produto utilizando todos os elementos do cacau – o grão, a polpa e até a casca”, diz Mbida. A inovação não só diversifica o menu da marca, como também reforça o conceito de desperdício zero.
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Ao visitar o site da empresa, os clientes aprendem sobre a história e a geografia da região de Camarões, com informações como aquelas aprendidas na escola, mas também sobre o trabalho essencial dos agricultores na colheita. Mdiba tem uma paixão pelos negócios, produtos, pessoas e o desejo de mudar o sistema que ela acredita estar falido neste setor. “Vamos além do comércio justo, pois pretendemos pagar aos nossos trabalhadores o salário da Anker Living”, explicou ela, “que é cerca de sete vezes o preço do produtor e cerca de cinco vezes o preço do Comércio Justo (este de apenas 10% a 15% mais do que o preço no produtor)”. A Ankar Living é uma consultoria global que desenvolveu uma metodologia para salário e renda específica aos países em desenvolvimento.
Mas a cereja do bolo, no caso dos chocolates Bantu, ocorre na degustação. É realmente uma vitória. Propriedade e liderança de mulheres, excelentes produtos, salários justos, condições de vida para as pessoas e não apenas para os corpos; simplesmente faz sentido. Bantu significa povo, então por que não colocá-los em primeiro lugar e celebrar seus esforços?
No campo, desde o plantio, são necessários cinco anos para que os grãos de cacau se tornem o chocolate que os consumidores conhecem e amam. Durante esse período, na área cultivada pela família de Mbida também são colhidos abacates, mamões e bananas, entre outros.
De acordo com ela, apenas 2% dos US$ 100 bilhões (R$ 500 bilhões) de receitas do mercado global de chocolate ficam na África, apesar de 70% da produção mundial de cacau vir de países do continente africano. E isso já acontece há mais de um século.
Por isso, atualmente, ela busca por colaborações e parcerias e está de olho nos Estados Unidos. Para ela, há algo de especial em lugares como Califórnia e Nova York. “Eles simplesmente entendem”, disse Mbida, se referindo à transparência de negócios e produtos. Isso porque todos ganham, ao combinar um produto bonito – por dentro e por fora – com práticas e ética empresarial centradas na igualdade, justiça e sustentabilidade. E aquele final doce de chocolate ao término de uma refeição, ou de um longo dia de trabalho, fica ainda mais doce.
*Kristin L. Wolfe é colaboradora da Forbes EUA. Escreve sobre experiências gastronômicas, comida e bebida.
(tradução: Flávia Macedo)