A empresa norueguesa de alimentos Hima Seafood anunciou no início de janeiro seu primeiro projeto de aquicultura em terra, uma fazenda de trutas com 30 mil metros quadrados que utiliza água de lençol freático para receber 420 mil ovas do peixe.
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Essa é a primeira fazenda de piscicultura em grande escala baseada em um moderno sistema aquático de RAS (reciclagem de água doce), capaz de limpar a água à medida que ela entra e sai da fazenda de peixes. O projeto recebeu investimento de US$ 250 milhões (R$ 1,2 bilhão) da gestora de ativos alternativos e de investimentos Foresight, baseada no Reino Unido e com 12,4 bilhões de libras esterlinas (R$ 77,7 bilhões na cotação atual), além de fundos pessoais. O aporte privado é tido como o maior já realizado na aquicultura terrestre.
“O investimento foi destinado ao desenvolvimento de uma nova forma sustentável de produção de alimentos, protegendo o meio ambiente e os animais”, disse Sten Falkum, CEO da Hima Seafood. “A criação de peixes em terra, com recirculação de água subterrânea, é uma forma de criação ecologicamente correta.”
Com esta primeira fábrica, a Hima Seafood passa a explorar espécies de peixes de pouco peso na aquicultura terrestre, e que podem render até 8 mil toneladas de truta premium por ano.
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A Noruega é um grande produtor global de pescado e também exportador de peso. Em 2022, o país bateu recorde ao embarcar 2,9 milhões de toneladas de pescados por US$ 15,3 bilhões (para comparação, em 2023 o Brasil exportou 2,3 milhões de toneladas de carne bovina por US$ 10,5 bilhões). País do bacalhau como símbolo, durante as últimas décadas, a alta demanda por salmão colocou a Noruega na vanguarda da produção desse peixe. Mas ultimamente, o setor de criação — que é 99,9% baseado na aquicultura — tem sido alvo de um escrutínio minucioso.
Em outubro do ano passado, a Autoridade Norueguesa de Segurança Alimentar inspecionou várias instalações ao longo da costa do país, descobrindo que os padrões de bem-estar animal eram mal adotados, o que resultou em peixes mortos flutuando nos currais e na rápida disseminação de doenças. Vários países da UE (União Europeia) e Israel expressaram preocupação com a qualidade dos peixes recebidos, que frequentemente apresentavam mau cheiro e feridas abertas. Além disso, o esgoto da aquicultura estava poluindo muito as águas do oceano, colocando em risco a biodiversidade local.
O investimento de impacto, que canaliza mais recursos para as soluções do futuro, é grande nos países nórdicos, mas quando se trata de aquicultura as empresas de capital de risco não estão investindo. Como afirmou Linn Hege Aune, gerente de ESG e sustentabilidade do grupo norueguês Investinor, durante a Oslo Innovation Week 2023 (a edição 2024 vai acontecer entre os dias 23 e 27 de setembro), o setor precisa resolver seus problemas se quiser receber mais fundos, e os investidores estão esperando por esse momento.
Apostando no irmão do salmão: as trutas
O novo negócio de aquicultura da Hima Seafood parece evitar muitos problemas que estão prejudicando o negócio do salmão, pois não fecha os olhos para o bem-estar animal e à proteção ambiental. Seu sistema de criação é baseado em três fatores principais: água limpa, ausência de doenças e ausência de fatores de estresse.
A escolha de um peixe diferente para a criação também não é casual. Assim como suas contrapartes mais badaladas, as trutas também fazem parte da família dos salmonóides, com características nutricionais semelhantes. A espécie de truta selecionada pela Hima depende apenas de água doce e, portanto, pode ser colocada em terra e ser alimentada com água cristalina. Ela também é menos territorial do que o salmão, o que a torna mais fácil de domesticar.
Para limpar a água, a Hima usa uma tecnologia fornecida pela empresa norueguesa de gerenciamento de projetos Eyvi, com sede em Tønsberg, uma cidade de 54,6 mil habitantes: “Investimos numa moderna estação de tratamento de efluentes que remove o nitrogênio e o fósforo da água. Além disso, temos recursos completos de secagem e higienização de lodo, permitindo o uso dos fluxos laterais nutritivos como fertilizante orgânico”, disse Falkum.
A empresa procura limpar a água à medida que ela chega no sistema, pois tanto nos rios quanto nos oceanos podem conter naturalmente agentes patogênicos, o que leva as empresas de aquicultura baseadas no mar a vacinar os peixes: “Com nosso sistema, não precisamos vacinar contra nada”, disse o executivo.
A tecnologia da fazenda também permite o transporte interno dos peixes, movendo continuamente as trutas: “Isso é feito em uma espécie de rio subaquático. Nós as movemos gentilmente para que não se sintam estressadas”, disse ele. Como os animais nadam a vida inteira, em um ambiente protegido, a Hima Seafood espera que a mortalidade de seus peixes seja muito menor do que a média do setor, que é de 16%.
Subprodutos da fazenda
A Hima também não usa antibióticos nem água salgada, e por isso planeja coletar as bactérias e o biomaterial — como resíduos de ração e excrementos — que se depositam no fundo dos tanques para produzir fertilizantes orgânicos. O biomaterial é coletado antes que a água seja limpa novamente para ser liberada em um lago e pode ser transformado em um ingrediente-chave para fertilizantes orgânicos: para cada quilo de carne de peixe, a fábrica pode produzir meio quilo de fertilizante. “Esta é uma empresa de peixes e fertilizantes”, disse Falkum. Os bio-resíduos transformados em fertilizantes chegam a 4,5 mil toneladas por ano. Na fazenda de peixes de Rjukan, a empresa de soluções de tratamento de água Sterner Group AS purificará o lodo produzido e, posteriormente, o transformará em fertilizantes orgânicos para comercialização.
De acordo com a Falkum, os fertilizantes orgânicos serão os principais agentes na reversão da erosão do solo, causada principalmente pelo uso excessivo de fertilizantes químicos: “Ao usar ou reintroduzir o fertilizante orgânico, em apenas dois anos os agricultores podem ver os benefícios, e a biodiversidade está basicamente de volta”, disse ele.
Além do mercado norueguês
Para que uma truta se desenvolva completamente e seja vendida no mercado são necessários de 14 meses a 16 meses. O primeiro lote de 420 mil ovas de truta nativa, fornecido pela Osland Settefisk, que faz a criação do peixe há 60 anos nas águas do Fiorde de Sognefjorden, em Bjordal, foi transportado em 5 de janeiro para os tanques da Hima.
A empresa afirma que inicialmente venderá sua truta de qualidade superior para sashimis a restaurantes, hotéis e varejistas em mercados selecionados da Noruega e Europa. Uma cota da truta produzida anualmente seria comercializada na Alemanha, Itália e França, já que as redes de supermercados demonstraram interesse em contratar um volume fixo. “Produziremos um volume previsível todos os dias. No mar, não é possível fazer isso quando todo o peixe é cultivado ao mesmo tempo”, disse Falkum.
Mas o verdadeiro produto pode ser a própria fazenda de peixes, pois Falkum diz que as propriedades da Hima Seafood em todo o mundo poderiam ajudar os países a se auto sustentarem na produção de peixes vermelhos criados internamente, bem como aumentar a fabricação de fertilizantes orgânicos.
A empresa já está trabalhando na construção de uma unidade na Carolina do Norte, nos EUA, e a estimativa é que outras sejam surjam no país, perto de rios de água doce, onde poderiam ter uma capacidade maior do que a da fazenda de peixes em Rjukan, estância turística de 3,4 mil pessoas ao sul do país: “Os investidores por trás desses projetos estão apenas esperando o sucesso da fábrica na Noruega”, disse Falkum, que terá de demonstrar a viabilidade de seu projeto dentro de um ano.
*Daniela De Lorenzo é colaboradora da Forbes EUA, baseada em Oslo. Escreve sobre sistemas de produção de alimentos, meio ambiente e energia.