As pequenas e preciosas mãos da menina tremiam enquanto ela segurava o tronco de uma pequena videira tempranillo, enquanto sua avó empurrava a terra para dentro do buraco para que pudessem plantá-la juntas, como em muitas gerações, um costume transmitido de avó para neta.
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A menina sempre ficou maravilhada com as belas mãos da avó, fortes mas gentis, dependendo se ela trabalhava nas vinhas ou acariciava os cabelos da neta. Ela esperava que um dia pudesse ter mãos assim, as mãos de uma super-heroína, já que não havia ninguém tão incrível quanto sua avó.
Em 1882, a região vinícola de Rioja, na Espanha, desfrutou de um boom nas vendas de vinho, uma vez que os produtores franceses compravam a bebida porque muitos dos seus vinhedos haviam sido destruídos por uma praga chamada filoxera. Assim, os produtores de uvas multigeracionais em Rioja plantaram mais vinhas de sua querida variedade de uva vermelha nativa, a tempranillo.
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Foi um momento emocionante; com a avó dizendo que as incríveis vinhas de seu povo estavam finalmente recebendo a glória que mereciam e que a sua neta teria uma vida muito melhor, inimaginável até para ela.
Em 1893, a filoxera tinha chegado a Rioja alguns anos antes e a praga começava a alimentar-se das raízes das adoradas vinhas tempranillo dos habitantes locais, onde matava ou impedia o crescimento de algumas das vinhas. A sensação era de que a esperança para aquela região havia desaparecido de uma hora para outra. Aquela avó heroína faleceu porque não suportou a pressão, deixando a neta de 18 anos sozinha como a única guardiã para proteger seus pequenos lotes de vinhas, enquanto seus pais queriam arrancar as videiras para que pudessem plantar grãos.
Chorando, ela implorou à mãe que não arrancasse a única videira que havia plantado com a avó, mas não adiantou. A videira foi arrancada, destruindo a lembrança mais preciosa que a neta tinha de sua infância com sua heroína. Na época, um jovem que a cortejava, viu a oportunidade de se aproximar e consolá-la. Ela tinha 18 anos, ele a pediu em casamento e se mudaram para Madrid em busca de melhores oportunidades. A menina se casou, achando que nunca mais voltaria para casa.
Durante este período, um homem chamado Ramón Bilbao, da pequena cidade de Etxebarri, no norte da Espanha, a cerca de 90 km de Haro – a principal cidade de Rioja – mudou-se para lá e iniciou o seu próprio negócio. Ele abriu um armazém de grãos e também plantou vinhas em 1914, o que foi uma aposta, considerando que algo mais, assim como ocorreu com a devastação da filoxera, poderia acontecer novamente.
Infelizmente, em 1929, cinco anos após a inauguração da vinícola Bodega Ramón Bilbao, Ramón faleceu, deixando seu filho Enrique para realizar seu sonho, o que ele fez. Com a Bodega Ramón Bilbao, ele se tornou um produtor de vinho de muito sucesso em Rioja, comemorando seu 100º aniversário em 2024. A família Bilbao não apenas possui seus próprios vinhedos, mas também têm uma parceria de longo prazo com produtores de uvas multigeracionais na área para expandir seu fornecimento de frutas de uma ampla variedade de pequenas parcelas que incluem vinhas Tempranillo com 80, 90 anos ou mais. Nenhum outro vinho apresenta uma bela parceria como seu vinho Mirto.
A primeira safra de Mirto foi em 1999, quando o diretor técnico e geral, Rodolfo Bastida, ingressou na Bodega Ramón Bilbao. Ele estava andando pelos vinhedos com um produtor local da sub-região de Rioja Alta, discutindo a safra de 1999, e o produtor lhe disse: “Año de mirto año de vino”, que se traduz em “ano de murta , ano do vinho.”
Depois, o produtor apontou para todas as murtas que cresciam nos limites do terreno. É uma expressão local que significa que as prósperas plantas de murta são um excelente sinal para as vinhas e quando a murta estiver em seu estado máximo de floração, o vinho será bom.
Rodolfo, então, decidiu fazer um vinho 100% tempranillo proveniente de vários vinhedos antigos e chamá-lo de Mirto e o Mirto de 1999 foi um vinho adorável desde o início e depois de muitos anos de guarda, ainda impressiona.
Mirto é apenas um dos projetos que Rodolfo está liderando, já que a Ramón Bilbao fundou em 2019 uma vinícola chamada Lalomba (Colina, na tradução), que se dedica à exploração de uma única propriedade vinícola chamada Lalinde, localizada em uma colina no extremo leste, uma sub-região denominada Rioja Oriental. Uma área do vinhedo produz um vinho rosé ultra-premium que é uma mistura de uva vermelha local da variedade garnacha e uva branca viura. São vinhas com quase meio século de idade que dão origem a um vinho rosé concentrado, com muita frescura e mineralidade que melhora com a idade.
Rodolfo é natural de Rioja e um enólogo multigeracional, já que seu pai e seu avô também eram enólogos. Ele diz que completou o ciclo de passar a maior parte do tempo nos vinhedos jovens, tendo como referência 1800, quando os moradores locais que produziam vinho em Rioja viviam neles. Mas, à medida que mais vinícolas profissionais começaram a se estabelecer, houve uma mudança.
Seu avô passava todo o tempo em um laboratório com seu jaleco branco, porque era crucial para Rioja desenvolver práticas modernas na vinícola, analisando amostras para garantir que produzissem vinho comercialmente viável. Depois, o pai passava metade do tempo no laboratório e metade nas vinhas. Porque Rioja se estabeleceu como uma região vinícola fina em todo o mundo, com boas práticas na vinícola, houve um ressurgimento da valorização dos vinhedos. Agora, Rodolfo passa quase todo o seu tempo entre as jóias mais preciosas de Rioja, aquelas vinhas velhas plantadas há tanto tempo que foram protegidas geração após geração.
Um retorno para a redenção
Demorou muitos anos até que aquela jovem, que deixou Rioja no final de 1800, voltasse a falar com os pais. Próximo dos 40 anos, em 1938, ela já era mãe e avó. E a Guerra Civil Espanhola já durava alguns anos, com Madrid bombardeada massivamente por aviões rebeldes. Seu marido estava morto, o marido de sua filha também e restavam apenas as três mulheres. Na época, ela conhecia uma amiga que morava em Madrid e que estava voltando para Rioja e pediu-lhe que levasse uma carta para sua mãe dizendo que iria visitá-la com sua filha e neta.
Então lá estava ela, em frente à casa dos pais, no terreno da família em Rioja, onde, para sua surpresa, eles começaram a replantar as vinhas. A mãe abriu a porta com olhar estóico, olhando para a filha, a neta e a bisneta com o rosto inexpressivo e depois passou por elas com um balde na mão, dirigindo-se ao seu vinhedo. A mulher seguiu a mãe, fazendo sinal para que a filha e a neta a seguissem, quebrando a cabeça sobre o que dizer à mãe, pois sabia que havia abandonado os pais há décadas e não sabia como se desculpar.
Então, a mãe colocou o balde no chão, perto de um buraco que ela já havia cavado. Acenou para que a neta e a bisneta se ajoelhassem ao lado dela, enquanto plantavam uma videira juntas. Quando todos começaram a empurrar a terra ao redor do tronco da videira, a mulher olhou para a filha, que estava ali em estado de choque, e sorriu para ela enquanto as lágrimas escorriam. Ela sabia naquele momento que não havia necessidade de perdão, pois nada era mais importante do que a família.
E é isso que Rodolfo Bastida vê todos os dias quando caminha pelas vinhas para fazer os seus vinhos para a Bodega Ramón Bilbao: todas as histórias das gerações que o precederam e como a sua missão é homenagear essas histórias.
*Cathrine Todd é colaboradora da Forbes EUA. Fundadora do blog de vinhos Dame Wine, que já recebeu vários prémios: Louis Roederer International Wine Writers’ Awards, Wine Blog Awards e Born Digital Wine Awards. É considerada uma das 15 blogueiras de vinho mais influentes pela USA Wine Ratings e uma dos 10 maiores influenciadores de vinho no Twitter pela Global Data.