No dia 29 de setembro, celebramos o Dia Internacional de Conscientização sobre Perdas e Desperdício de Alimentos, uma iniciativa criada pela ONU em 2019. A data nos convida a refletir sobre um tema urgente que afeta tanto as pessoas quanto o meio ambiente: o desperdício de alimentos e a necessidade de ações imediatas para ampliar a segurança alimentar e promover um futuro sustentável. Essa realidade não é apenas uma tragédia moral, mas também uma falha econômica e um uso ineficiente de recursos naturais.
É alarmante saber que uma quantidade colossal de alimentos é desperdiçada anualmente. Você, leitor da Forbes, certamente compartilha dessa indignação. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) estima que cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são perdidas ou desperdiçadas todos os anos — um cenário ainda mais preocupante quando lembramos das milhões de pessoas que precisam se alimentar.
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O Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, também enfrenta esse desafio. De acordo com a PNAD Contínua de 2023, do IBGE, cerca de 64 milhões de brasileiros convivem com algum nível de insegurança alimentar. Esses números revelam uma realidade preocupante e inaceitável.
Os dados da FAO indicam que, globalmente, um terço do que é produzido é desperdiçado. De acordo com o estudo “Food wastage footprint – Impacts on natural resources”, publicado pela FAO (2013), a maior parte do desperdício de alimentos (cerca de 54%) ocorre na fase de produção, manipulação pós-colheita e armazenamento. Nas etapas de processamento, distribuição e consumo ocorrem os restantes 46%.
Esses números já são alarmantes, entretanto, o problema é ainda mais complexo e profundo do que as estatísticas sugerem. Alimentos que permanecem nos campos por falta de compradores, por não atenderem aos padrões estéticos ou porque o preço não cobre os custos de colheita representam perdas que não são contabilizadas pela FAO cuja metodologia inicia-se no pós colheita. Essas ‘perdas’ resultam em enormes prejuízos para os produtores, o meio ambiente e o desenvolvimento rural, culminando em endividamento e êxodo do campo.
A desconexão entre oferta e demanda, somada a um sistema agroalimentar desequilibrado e às mudanças climáticas, torna algumas culturas, como hortaliças e vegetais, inviáveis economicamente, principalmente para pequenos produtores. O excesso de oferta, aliado a preços cada vez mais baixos, leva muitos agricultores a abandonarem suas atividades, agravando o desemprego rural e ampliando a insegurança alimentar.
De acordo com o Censo Agropecuário de 2020, divulgado pelo IBGE, houve uma redução de 9,5% no número de estabelecimentos agrícolas familiares em comparação ao censo anterior, de 2006. Esse êxodo rural está diretamente relacionado à falta de viabilidade econômica das pequenas propriedades. Além disso, a ONU-Habitat projeta que, até 2030, mais de 90% da população brasileira viverá em áreas urbanas, o que colocará ainda mais pressão sobre os sistemas alimentares, aumentando a demanda por alimentos enquanto a produção rural de pequena escala se enfraquece.
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Reconhecer as falhas no planejamento do plantio, na logística e nos modelos de comercialização de alimentos frescos é o primeiro passo para enfrentar esse problema. O segundo é compreender que a produção de alimentos envolve recursos naturais, insumos e investimentos, e que a má gestão desses recursos não apenas agrava as mudanças climáticas, mas também eleva os preços dos alimentos, dificultando o acesso de quem mais precisa. Por fim, é essencial desenvolver métricas claras para quantificar esse problema nacional, como bem destacou Peter Drucker: “O que não pode ser medido, não pode ser gerenciado”.
Iniciativas como o projeto #FaçaumBemINCRÍVEL estão na linha de frente dessa batalha. Através da compra de frutas, verduras e legumes que pequenos produtores não conseguem vender, o projeto assegura uma remuneração justa, ao mesmo tempo que distribui esses alimentos para combater a fome em instituições como o Mesa Brasil e Cozinhas Solidárias. Parte dos recursos é destinada ao fortalecimento do cooperativismo, à capacitação de mulheres rurais e à promoção de relações comerciais mais justas. Esse modelo inovador já recebeu prêmios internacionais, incluindo reconhecimento do IICA e o título de Utilidade Pública.
Como você pode ajudar a mitigar este desafio?
Faça escolhas conscientes: opte por alimentos frescos de pequenos produtores, apoiando quem está na linha de frente do combate à fome e ao desperdício. Apoie iniciativas que conectam campo e cidade, garantindo que os alimentos cheguem a quem mais precisa. Pequenas ações locais somadas podem transformar esse desafio global.
* Simone Silotti é produtora rural de hortaliças em Mogi das Cruzes (SP). É formada em Estudos Sociais e Gestão do Agronegócio pela FATEC MC, com MBA em Gestão de Projetos pela USP ESALQ. Recebeu os prêmios: internacional Líder da Ruralidade do IICA, Empreendedor Social da Folha de São Paulo e o Josué de Castro. Integra o Grupo de Trabalho do MDS sobre Estratégicas para a redução de Perdas e Desperdícios. Também é uma das 100 Mulheres da Forbes Agro e faz parte do Grupo Forbes Mulheres Agro.