Eles estão por toda parte: em programas de TV, capas de revistas, livros e até – literalmente – na sopa. Desde novos desenvolvimentos na alimentação, passando pela indústria plant-based ou como substituto da proteína animal, tomando protagonismo na cena culinária, até a sua crescente aplicação na medicina em novos paradigmas terapêuticos – que incluem psicodélicos – e inspirando áreas tão diversas como espiritualidade, design, arte e sustentabilidade, chegou a vez dos fungos.
“Nos últimos anos, o aumento de oficinas de divulgação sobre o reino fungi, assim como passeios guiados em busca de fungos, cativaram um público que deseja se reconectar com o ambiente natural. Nas oficinas, não só são fornecidas informações sobre as espécies comestíveis da região e como diferenciá-las das não comestíveis e tóxicas, mas também são dadas diretrizes sobre como realizar uma coleta sustentável que preserve a saúde das florestas”, diz Alejandro Sequeira, uma referência latino-americana no assunto, autor, designer e divulgador científico formado em biologia há quase duas décadas, que se dedica à pesquisa do reino dos fungos, com ênfase nas espécies silvestres.
Leia também
“Graças a documentários norte-americanos Fantastic Fungi (Fungos Fantásticos) ou The Web of Life (A Teia da Vida), e ao trabalho de numerosas divulgações científicas, a confirmação de que nenhum ser vivo pode viver isolado ganha cada vez mais força. O sucesso da vida se baseia nas associações, e os fungos se transformaram na imagem dessa interconexão”, afirma ele,
Se todos concordam que o interesse pelo mundo dos fungos atingiu seu clímax durante a pandemia, depois da estreia de Fungos Fantásticos na Netflix (2019), em um momento em que os consumidores estavam mais abertos a descobrir novos alimentos, a proliferação de eventos temáticos dedicados à divulgação dos fungos nos últimos dois anos também reflete esse fenômeno.
Somente no ano passado, foi realizado na Plataforma Nave (em frente ao Planetário Galileo Galilei, em Buenos Aires, na Argentina) um festival que abrigou 1.500 fãs por dia, conhecido como Expo Fungi. Neste ano, personalidades como a jornalista argentina Soledad Barruti, e organizações locais como a Ação Fungi Argentina, formam um movimento que busca promover conhecimento sobre o mundo dos fungos.
A isso se somam as feiras, festivais temáticos menores ou eventos como a Conferência Gastronômica sobre Fungos, que ocorreu no Konex, espaço cultural em Buenos Aires, em agosto. Do outro lado do Rio da Prata, Sequeira organiza os Fungizajes, conhecidos como encontros micológicos internacionais em Montevidéu, no Uruguai.
Fungos comestíveis
Se no mundo existem mais de 40 mil tipos distintos de fungos – sem contar os venenosos -, e a maioria são espécies comestíveis que não apenas complementam a nutrição, mas também possuem baixas em calorias, é compreensível que os fungos tenham se tornado cobiçados e um diferencial comercial dentro da gastronomia e do gourmet.
Além disso, eles também oferecem textura – o que explica o seu uso em substitutos da carne bovina -, e versatilidade, já que podem ser preparados de várias maneiras.
“Trabalhamos com fungos há oito anos, em uma época que conseguir um shitake era mais complicado. Hoje, o fungo está na moda gastronômica, o que nos beneficia bastante, já que começa a ser uma matéria-prima mais aceita pela sociedade e que aos poucos vai se tornando comum”, explica Manuela Donnet, referência local na cozinha com fungos, de seu restaurante homônimo no bairro de Chacarita. A cozinha de Donnet vem ditando tendências há vários anos e inclui desde um menu inteiramente preparado com fungos, uma dark kitchen que prepara sanduíches e até delivery de sushi vegano feito à base de fungos, evidenciando o potencial e o crescente mercado.
“No meu papel como chefe de cozinha, há um trabalho árduo onde devo me nutrir junto a cientistas, licenciados, nutricionistas, coletores de fungos e entusiastas, buscando informações necessárias para cozinhá-los de uma maneira que não prejudique ninguém. Por isso, nosso trabalho também é informativo e buscamos, por meio de diferentes ações – conferências, convenções, jantares, grupos de cultivo e outros – contribuir para o conhecimento do reino fungi. Também notamos que em outros restaurantes se referem aos fungos simplesmente como fungos, sem nomear a espécie específica, o que me leva a pensar que alguns profissionais os cozinham sem saber ao certo o que estão cozinhando”, alerta Donnet, chamando a atenção para a importância de educar as novas gerações de cozinheiros que trabalham com esses produtos para fazê-lo de modo responsável.
Por sua vez, Ivana Torres, cozinheira vegana e proprietária do Mushroom em Montevidéu, no Uruguai, relata como a demanda local tem crescido, outro lugar onde a cultura fungi vem se afirmando: “Quando abrimos o bar há três anos, havia poucos empreendimentos cultivando fungos gourmet (fora os champignons e shitakes do supermercado). Hoje há muitos. Vejo nos cardápios dos restaurantes, onde antes só se viam champignons e agora a oferta cresce”.
Ela ainda complementa. “Vi até umas milanesas de cogumelo-pollo em Maldonado, no Uruguai, e isso é um grande avanço. No Uruguai, existe uma grande cultura de coletar fungos no interior do país. E algo mais familiar e que não chegava às cozinhas dos restaurantes. Agora vejo muitos restaurantes aproveitando a temporada de fungos e adicionando-os aos seus cardápios, e isso é incrível”.
E acrescenta: “Escolho trabalhar com fungos porque todo o resto me deixava um pouco cansada, e me parece que aos clientes também. Eles vêm ao Mushroom sem ter ideia: ‘Recomende-me algo, quero experimentar algo diferente’”.
Seja porque muitos começaram a trabalhar com os fungos por proximidade ao veganismo ou vegetarianismo – uma tendência alimentar em ascensão no mundo -, ou, como no caso dessas duas cozinheiras, por vontade de experimentar outras matérias-primas e inovar, o boom dos fungos também atrai como atividade ou até hobby.
Isso pode ser observado no aumento de pequenos e médios produtores que abastecem essas propostas gastronômicas, assim como o consumidor comum que também começa a se animar a comer e preparar mais fungos, e até cultivá-los em casa, graças aos kits de autocultivo.
A Micelio.bio, empresa argentina que nasceu em 2021 e é composta pelas marcas Mü Hongos e La Honguera, se dedica à produção de fungos frescos, oferece cursos e vende kits de cultivo de gírgolas, ou cogumelo-ostra, para cultivo doméstico.
A eles se somam outros pequenos e médios atores, como o Nicolás “Niki” Drucaroff, conhecido como Funginista, que iniciaram seus próprios empreendimentos de cultivo de fungos em casa e que foram se sofisticando com o tempo. Drucaroff afirma que não só aumentou a produção e atualmente fornece para restaurantes de Buenos Aires, mas também instalaram cabines de frutificação de fungos em alguns locais.
O que ocorre atualmente é que, embora na Argentina não se consumam tantos fungos por questões históricas ou culturais como na China ou no Japão, ou mesmo países latinos, a oferta de fungos não consegue satisfazer a grande demanda atual.
“Os fungos sempre estiveram na cozinha mexicana. São ingredientes fundamentais de grande parte da culinária deste território e de seus povos originários e/ou camponeses. Mesmo antes da milpa, por serem um ingrediente silvestre. O que aconteceu nesta última década é que os fungos abriram caminho na cozinha urbana e na alta gastronomia, talvez como uma consequência lenta do que começou a ocorrer nos anos 1980 e 1990”, diz Laura Linares, estudiosa do tema e autora do Primeiro Dicionário Gastronômico de Fungos Mexicanos, em relação ao boom culinário que também está sendo observado naquele país, confirmando que o crescimento é regional.
“Na atual cena culinária do México, é evidente que os fungos não são mais vistos como ingredientes tóxicos ou alimentos para os pobres, mas sim como alimentos versáteis, nutritivos e de grande benefício ecológico”, afirma Laura. Ela conta que, em meio ao aumento da popularidade dos fungos na América Latina, observou como as informações estavam dispersas entre mercados, enciclopédias, fake news e outros, e por isso decidiu iniciar o projeto de seu livro. “Este dicionário foi o resultado de uma necessidade de levar os fungos às cozinhas e mesas urbanas do México da maneira mais consciente e responsável possível”, afirma.
Fungos medicinais
Dentro do que se conhece hoje como “capitalismo psicodélico”, em relação à corrida pelo desenvolvimento e comercialização de substâncias psicodélicas para possíveis usos terapêuticos na medicina (da qual participam o setor farmacêutico, startups e empresas listadas em bolsa), os fungos oferecem um horizonte tentador do ponto de vista econômico.
Embora haja apenas cerca de 200 espécies conhecidas que contêm alucinógenos entre as 700 mil que existem no planeta, esse promissor mercado já projeta ganhos superiores a US$ 10 bilhões (R$ 54,5 bilhões na cotação atual) para 2027.
Segundo especialistas, os mais procurados são os adaptógenos e psicodélicos. Os primeiros, que estão em alta por serem integrados em suplementos, bebidas, soros e alimentos variados, contêm princípios ativos que ajudam na adaptação às situações de estresse do cotidiano, mas não são psicoativos, como a melena de leão, reishi e cordyceps. Um exemplo desse mercado é a empresa Silo Wellness, que conta com a família Marley por trás, conhecida por ser pioneira na comercialização de “fungos funcionais”, ou seja, aqueles que podem ser vendidos legalmente e não têm impacto psicotrópico.
- Siga a Forbes no WhatsApp e receba as principais notícias sobre negócios, carreira, tecnologia e estilo de vida
- Siga a ForbesAgro no Instagram
Outra vertente que ganhou destaque nos últimos quatro anos é a utilização e administração de micro doses de psilocibina, princípio ativo dos chamados “cogumelos mágicos”. “Atualmente, na Argentina, comercializam-se substâncias psicodélicas em sua forma natural (por exemplo, cogumelo psilocibio desidratado) de forma ilícita.
Embora a comercialização seja ilegal, fora dos estudos clínicos, há relativamente pouco interesse das autoridades em limitar esse comércio, provavelmente porque esses psicodélicos representam um baixo risco para a sociedade e muitos de seus consumidores os utilizam para fins terapêuticos ou cerimoniais”, contextualiza Ain Stolkiner, médico graduado pela Universidade de Buenos Aires e bolsista de doutorado do Conicet (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas), um autarquia na Argentina.
Stolkiner participou de vários estudos sobre microdoses, realizados na América Latina, e atualmente conduz um que propõe investigar o impacto de retiros de meditação sobre os efeitos terapêuticos da psilocibina em pacientes oncológicos com depressão e ansiedade.
As terapias com microdoses também são ilegais na Argentina e em outros países da América Latina. Mas, devido à “origem natural”, o estigma social tem sido menor em comparação a outras drogas. “O futuro da forma de comercialização de psicodélicos certamente dependerá em grande parte do sucesso que as grandes empresas tiverem em apresentá-los como medicina perante as autoridades regulatórias de países influentes como os EUA. É esperado que, se a FDA (Agência Federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos) aprovar o uso médico da psilocibina, isso facilite sua entrada no mercado legal em países como a Argentina, que mantêm um sistema que facilita a aprovação de medicamentos aprovados lá”, afirma Stolkiner.
Ele ainda observa que o negócio dos psicodélicos se desenvolverá em torno da capitalização da terapia adjuvante ao uso da droga, mais do que ao desenvolvimento de novos ingredientes farmacêuticos ativos. O aumento de cursos e aulas com “facilitadores” sobre o tema, literatura, contas no Instagram e até kits caseiros para explorar as microdoses parecem indicar esse caminho.
Cogumelos Sustentáveis
A chegada dos cogumelos ao campo da engenharia e design de alimentos, acompanhada do avanço tecnológico – da qual a tendência “plant based” é apenas uma parte – também compreende o surgimento de outros produtos e até novas maneiras de pensar a produção alimentar em consonância com a mudança climática e os problemas ecológicos atuais. Esse segmento, a princípio de nicho, mas em franco crescimento, inclui desde café feito à base de cogumelos a bebidas energéticas ou funcionais e vários suplementos elaborados com cogumelos adaptógenos.
Assim, abre-se um caminho onde, em diferentes lugares do mundo, a valorização da “cultura fungi” e de práticas ancestrais, como a coleta de cogumelos silvestres, tendem uma ponte para a modernidade, conectando novos públicos com antigas tradições e, ao mesmo tempo, promovendo uma maior consciência sobre a preservação do meio ambiente e práticas de sustentabilidade.
“No Uruguai existe uma tradição de coleta de cogumelos silvestres comestíveis que provavelmente começou com a chegada, décadas atrás, de imigrantes europeus, principalmente italianos e espanhóis. Esses imigrantes trouxeram também costumes que têm raízes profundas nas tradições do Velho Continente”, afirma Sequeira. Isso incluía uma visão muito diferente do ambiente natural, onde viam as matas e a natureza em geral como provedores de alimento e medicina. A coleta de cogumelos requer o entendimento dos ecossistemas naturais e seus ciclos. Os coletores devem aprender a identificar diferentes espécies e essa conexão íntima com o ambiente fomenta uma apreciação mais profunda pelos ecossistemas e promove práticas mais responsáveis e sustentáveis.”
Escolhas do editor
O consumo de cogumelos cultivados aumentou nos últimos oito anos. Segundo Francisco Itzaina, da empresa especializada no cultivo de shiitake, Don Farruco, o número varia “entre 10% e 25% ao ano”. Além disso, ele acrescenta: “O volume de cogumelos shiitake frescos consumidos pelos uruguaios e turistas cresceu de 2,6 toneladas anuais em 2017 para mais de 8 toneladas este ano, em 2024”.
“Os cogumelos são uma fonte nutritiva rica em proteínas, vitaminas e minerais, e seu cultivo e coleta podem ser realizados em espaços reduzidos e com um impacto ambiental menor em comparação com a agricultura convencional. Ao promover a coleta de cogumelos silvestres e seu cultivo local, podemos reduzir a dependência de alimentos processados e da cadeia de suprimento global, fortalecendo a segurança alimentar local e também a identidade, caso as espécies coletadas sejam nativas ou os processos de cozimento façam parte da culinária tradicional do país. Se formos capazes de integrar conhecimentos tradicionais com práticas modernas, podemos construir um sistema alimentar mais justo e amigável com o meio ambiente, que também incentive uma maior consciência sobre a importância de cuidar do planeta”, afirma Sequeira.
*Laura Marajofsky é colaboradora da Forbes Argentina e Forbes Uruguai. Escreve sobre temas de mercado, diversidade e psicologia aplicada ao mundo corporativo. É conhecida por seu trabalho com igualdade de gênero no setor agro e como cofundadora da plataforma Grow Her, que visa ampliar a inclusão econômica de mulheres na América Latina.