Nas últimas semanas, enquanto o mundo voltava os olhos para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2024 (COP29), em Baku, no Azerbaijão, e as reuniões do G20 no Brasil sobre a temática, produtores de vinho da província de Mendoza, na Argentina, também discutiam o que a ausência de políticas climáticas significa para a indústria.
Laura Catena, diretora da Catena Zapata Wines e fundadora e proprietária da Luca Wines, que reside em Mendoza, considerada a capital do Malbec, diz estar preocupada com os efeitos do clima na vitivinicultura de seu país. “Na Argentina, o vinho é considerado alimento. É a bebida nacional do país”, afirma.
Leia também
Segundo Laura, em Mendoza é comum que ao menos uma pessoa conheça pelo menos outras dez que estão ligadas ao negócio do vinho. “Muitas das pessoas que trabalham na nossa vinícola têm seus próprios pequenos vinhedos e fazem o seu próprio vinho”.
Por meio de uma iniciativa que reuniu o setor privado e a Universidade Nacional de Cuyo, de Mendoza, mais o Instituto Catena do Vinho, fundado por ela, e dedicado ao estudo profundo sobre o terroir local, o grupo conseguiu atrair o Congresso Internacional de Terroir para a América do Sul, o que não acontecia desde a sua criação. O evento é um encontro entre acadêmicos e líderes com expertise na indústria vitivinícola.
O congresso não foi realizado na Argentina a toa. O país ocupa uma posição inferior à de outras nações com economias vinícolas mais desenvolvidas, como França, Itália, Espanha e Estados Unidos, mas provou ser uma potência na produção de vinho. Segundo dados do Instituto Nacional do Vinho, as exportações da Argentina geraram cerca de US$ 400 milhões (R$ 2,4 bilhões) em 2023. O Wines of Argentina, instituição que promove a imagem da bebida argentina, estima que 93% dos vinhos exportados são de Mendoza, famosa por seus vinhedos em altas altitudes e pelas uvas Malbec.
Clima e Terroir
“Muitas vezes, as pessoas pensam que ‘terroir’ é só sobre o solo”, diz Kees Van Leeuwen, viticultor que atua em Bordeaux, na França. Para ele, o solo é apenas um dos componentes. Terroir é a relação entre a qualidade, o estilo e o sabor do vinho e o lugar onde as vinhas crescem. Mas, mais importante do que qualquer um desses elementos, está o clima.
Neste caso, não se trata apenas dos eventos radicais. “É a evolução do clima. As temperaturas estão subindo, em muitos lugares há cada vez mais secas, eventos climáticos mais erráticos e, claro, isso impacta muito o terroir, porque o clima, especialmente a mudança climática, é um elemento central na expressão do terroir”, diz Van Leeuwen.
Videiras, Clima e Malbec no Oregon
Greg Jones produz vinho Malbec no vinhedo de sua família, “Abecela”, no sul do Oregon, na Argentina. Ele é climatologista especializado em como a variabilidade climática e as mudanças climáticas influenciam o crescimento das videiras, a produção de vinho e a qualidade do produto.
Como todos os proprietários de vinhedos e produtores de vinho, Jones está sempre monitorando a viabilidade climática das videiras e se mantém aberto a adaptar o vinhedo para aquelas plantas que conseguem lidar com o aumento das temperaturas e ainda ter um bom desempenho comercial.
“O que sabemos sobre as uvas para vinho é que existem apenas um número limitado de videiras vitis vinifera no mundo”, diz Jones. “Elas são encontradas geralmente em zonas de latitudes médias, e sabemos que o clima tem um conjunto de características nessas zonas”. Mas, com o aquecimento e as mudanças climáticas, as margens da “elasticidade” das plantas são limitadas e há um teto para o que pode ser feito, explica o especialista.
“Por exemplo, o Pinot Noir é cultivado em poucas regiões de clima frio no mundo. Então, se sua região esquenta além do que sabemos que o Pinot Noir pode suportar, em termos de produção ou qualidade, algo precisa mudar. E, normalmente, isso seria uma mudança varietal”, diz Jones.
Essa pode ser uma adaptação cultural difícil para regiões de produção de vinho no “velho mundo”, como as tradicionais regiões da França, como Borgonha e Bordeaux, além de áreas bem conhecidas na Itália e na Alemanha.
Solo Seco e Adaptação
Fernando Buscema, pesquisador, vinicultor e diretor-executivo do Instituto Catena do Vinho, diz que o recurso mais precioso do mundo não é mais tão abundante na Argentina como antes.
“O que temos visto é que a água está se tornando um fator cada vez mais limitante a cada ano. Você pode se mudar para um local onde há mais água, ou então aprender a usar a água de maneira mais eficiente”, diz Buscema. O Instituto tem feito parcerias com produtores e pesquisadores em ambientes climáticos estressados, como no Chile e em Israel, para desenvolver estratégias de plantio de vinhedos e métodos de conservação, com o objetivo de compartilhar esse conhecimento com toda a indústria do vinho.
Buscema afirma que os enormes desafios da mudança climática exigem esforços conjuntos de uma ampla rede de colaboradores. “Não é fácil. Os incentivos no setor público e privado são diferentes, os desafios são diferentes, as expectativas são diferentes, e ainda assim precisamos trabalhar juntos para encontrar uma solução.”
* Louise Schiavone é jornalista colaboradora da Forbes EUA, professora na Johns Hopkins University Carey Business School. Tem passagens pela Associated Press, CNN, NPR, a National Geographic e Los Angeles Review of Books.