A vida acadêmica de Gabriela Augusto não começou de um jeito muito fácil. Nascida na periferia de São Paulo, não tinha condições financeiras para custear um curso superior. A história começou a mudar quando, em 2012, conseguiu uma bolsa de estudos para cursar Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A oportunidade escancarou um outro problema. Mulher trans, Gabriela Augusto encontrou no contexto acadêmico um clima de opressão e preconceito de gênero. “Era um ambiente bastante hostil, conservador e elitizado”, diz. Ao olhar para as empresas que gostaria de trabalhar, a sensação foi semelhante: não encontrou um ambiente de representatividade que a incentivasse a pleitear uma vaga ou a subir na hierarquia. A alternativa encontrada foi o empreendedorismo. Em 2017, fundou a consultoria de diversidade Transcendemos, com o objetivo de ajudar organizações a desenvolver um ambiente que une pluralidade e inovação.
Um dado levantado pela consultoria de gestão McKinsey no relatório Diversity Matters, confirma a ideia de Gabriela. O documento, que compilou entrevistas com profissionais de mais de 700 empresas de capital aberto na América Latina em 2020, mostra que os funcionários de organizações com maior diversidade têm probabilidade quase duas vezes maior de propor novas ideias e tentar novas formas de fazer as coisas, fator essencial para criar um ambiente propício à inovação. O desafio não é apenas a contratação, mas fazer com que essas pessoas subam na pirâmide corporativa a fim de participar dos processos de inovação.
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O investimento em capacitação é um dos caminhos que podem ser seguidos pelas empresas que desejam colher esses resultados. Segundo um levantamento realizado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), existem mais de 4 milhões de pessoas trans no Brasil – cujo potencial pode ser aproveitado pelas empresas para inovar. Mas, muitas vezes, a dificuldade que elas enfrentam no ambiente acadêmico pode acabar as afastando do mercado de trabalho. Esse foi o caso do analista de projetos Gabriel Rocha. “Cheguei até a tentar cursar um ensino superior, mas o Gabriel de 18 anos não aguentou a pressão e a falta de suporte da faculdade”, diz. Contratado pela Accenture em 2018, ele também relata que, em experiências anteriores, o fato de ser um homem trans abria brechas para que seus empregadores violassem seus direitos. “Achavam que, por ser trans, eu não poderia conseguir algo melhor e podia me submeter a situações como trabalhar sem férias.”
Empresas já estão encontrando formas de solucionar esse problema. Uma delas é a Vivo, que com o Programa Vivo Explore, que oferece 100% de subsídio para seus colaboradores transexuais em cursos de graduação, pós-graduação e especialização. “Tudo isso é muito estratégico para a Vivo. A gente acredita que a diversidade de pessoas, vivências, culturas, comportamentos, habilidades e atitudes é um diferencial de inovação”, diz Niva Ribeiro, vice-presidente de pessoas da companhia. Sua concorrente, a Tim, abriu no dia 18 de janeiro a iniciativa Transforma, que oferece bolsas de graduação para pessoas trans.
Como incluir pessoas trans na empresa?
No caso da Vivo, o processo de inclusão de profissionais trans começa com o estabelecimento de metas de contratação, treinamentos contra vieses e adaptações do ambiente, com foco em uma linguagem mais inclusiva. “Pessoas trans podem usar seu nome social em endereços de e-mails e crachás. Também incluímos sinalizações nos banheiros, indicando que o uso é livre de acordo com o gênero que a pessoa se identifica”, diz Ribeiro.
Esses exemplos também vão de encontro com algumas das dicas que Gabriela Augusto sobre como começar a atrair profissionais trans. São elas:
- Diagnosticar o estado da diversidade na sua empresa: antes de tudo, é necessário entender o quão diversa a sua empresa já é. Gabriela Augusto cita o exemplo de organizações que procuram a Transcendemos para contratar pessoas trans e, durante o processo, descobrem que já possuem colaboradores com esse perfil.
- Entender como seus colaboradores estão se sentindo: um próximo passo é buscar entender a forma que os funcionários estão se sentindo dentro da empresa. Isso pode ser feito de diversas formas, desde reuniões individuais até pesquisas de clima. Esse processo é importante para conseguir mapear possíveis problemas que podem ser solucionados e elaborar um plano de ação.
- Rever seus processos de recrutamento e seleção: após coletar informações com as etapas anteriores, é hora de traduzir isso em estratégia. Os pontos identificados podem ajudar líderes de negócios a criar processos de recrutamento direcionados a esse público, estabelecer uma política de pronomes, oferecer cursos de vieses, entre outros.
- Se orientar por dados: dados oferecem informações poderosas para qualquer tipo de iniciativa com foco na diversidade. Ao metrificar os resultados, é possível saber o quão efetiva está sendo as iniciativas e promover adaptações para cobrir possíveis lacunas.
- Divulgar os resultados: ao tornar as iniciativas públicas, empresas conseguem passar a mensagem para o mercado de trabalho de que é uma organização comprometida com o bem-estar de colaboradores de grupos sub-representados. Esse é um fator determinante para um candidato que tenha dúvidas sobre se vai ou não ser bem recebido naquele negócio.