Cortes drásticos no uso de combustíveis fósseis. Mais florestas e menos consumo de carne. Essas são apenas algumas das ações necessárias nesta década para conter o aquecimento global em 1,5 graus Celsius acima das temperaturas pré-industriais, afirmou um importante relatório da agência de ciência climática da ONU ontem (4).
Apesar de alertas às mudanças climáticas emitidos pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em português) desde 1990, as emissões globais continuaram a crescer na última década, chegando ao seu ponto mais alto na história.
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O resultado: as emissões globais estão a caminho de passar do limite de 1,5 graus Celsius previsto no Acordo de Paris de 2015 e chegar a 3,2 graus Celsius até o fim do século.
“Deixamos a COP26 em Glasgow com um otimismo ingênuo, baseado em novas promessas e compromissos”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, na publicação do relatório.
“Mas as atuais promessas climáticas ainda representariam um aumento de 14% nas emissões. E a maioria dos grandes emissores não estão tomando as medidas necessárias para cumprir nem mesmo essas promessas inadequadas.”
Neste momento, apenas cortes drásticos de emissões nesta década em todos os setores, da agricultura e transporte à energia e construção, podem reverter o cenário, diz o relatório. Mesmo assim, os governos também precisariam intensificar os esforços para plantar mais árvores e desenvolver tecnologias que possam remover dióxido de carbono que já está na atmosfera, após mais de um século de atividade industrial.
“É agora ou nunca”, disse o co-presidente do relatório do Painel, Jim Skea, em um comunicado que acompanhou o relatório – o último de uma série de três partes do Painel. O próximo ciclo de revisão não deve acontecer por pelo menos cinco anos.
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Enquanto relatórios anteriores do Painel sobre a mitigação de emissões de carbono tinham a tendência de focar na promessa de alternativas de combustíveis sustentáveis, como energia solar e eólica, o novo relatório destaca apenas a necessidade de cortar a demanda do consumidor.
“Muitas pessoas presumiram que a redução da demanda poderia ser atingida por meio de uma melhor eficiência”, disse o antropologista econômico Jason Hicket, da London School of Economics. “Mas a evidência que temos agora sugere que, em si, isso não será suficiente.”
Sem diminuir a demanda por energia, menciona o relatório, reduzir emissões rapidamente até o fim da década para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius será quase impossível.
“Aceitar um estilo de vida de menos consumo é quase a única medida política de ação rápida que sobrou para impedir impactos desastrosos das mudanças climáticas”, disse Daniel Quiggin, um pesquisador ambiental no instituto britânico Chatham House.
Essa “mitigação no lado da demanda”, como descreve o relatório, coloca o ônus nos governos para aprovar políticas que incentivem escolhas sustentáveis. Um exemplo seria investir em ciclofaixas e transporte público, bloqueando carros em centros urbanos para influenciar a escolha do público.
Esse tipo de ação pode desacelerar o crescimento econômico em alguns pontos percentuais no curto prazo, afirmou o relatório, mas essas perdas seriam compensadas pelos benefícios econômicos de prevenir mudanças climáticas extremas.
Uma década atrás, a redução da demanda era “politicamente intragável”, disse Quiggin. “Mas agora, com a pandemia e a crise entre Rússia e Ucrânia, estamos vendo… o começo da disposição política. Quando as pessoas realmente compreenderem a escala da crise e os problemas que ela pode causar, elas estarão dispostas a reduzir o consumo”.