Uma jovem garota caminhava lado a lado com seu pai, um homem que tinha sido seu herói desde que ela conseguia se lembrar, em vinhedos que ficavam a quase 1.500 metros de altitude aos pés da Cordilheira dos Andes, na Argentina. Enquanto o frio fazia sua espinha arrepiar e o sol batia quente em seu rosto, ela olhou em volta para a terra que um dia seria considerada uma das maiores vinhas da Argentina e uma das mais intensamente estudadas no mundo.
A personalidade adorável desta jovem fez dela a favorita entre todos da família. Então foi decidido que o vinhedo receberia seu nome, Adrianna. O pedaço de terra especial acabaria por se tornar parte da realização do sonho de seu pai: mostrar ao mundo que a Argentina poderia fazer alguns dos melhores vinhos do mundo.
O homem era Nicolás Catena Zapata, que seria considerado um gigante no mundo do vinho, não sem uma luta difícil: embora a vinícola de sua família, Bodega Catena Zapata, existisse desde o final dos anos 1890 e ele já fosse considerado uma lenda viva na Argentina, havia muitos no estabelecido mundo dos vinhos finos que não levavam seus rótulos a sério.
Como sua filha mais nova, Adrianna, seria a inspiração para um de seus maiores vinhedos, sua filha mais velha, Laura, se juntaria a ele para administrar Catena Zapata e não só abrir um caminho no mundo dos vinhos finos, mas também levar a ideia do sentido de local (também conhecido como terroir) e o conceito de produções ‘grand cru’ para outro nível de pesquisa e discussão.
Enquanto Adrianna caminhava pelos vinhedos com seu pai, sua irmã mais velha, Laura, se formava em medicina nos Estados Unidos – onde seguiria para concluir a residência em um hospital da Califórnia. Hoje, quando ela é apresentada como doutora Laura Catena, o título não apenas representa sua dedicação à educação e pesquisa, mas também muitos anos como médica de emergência em tempo parcial, enquanto também equilibrava as idas e vindas entre Califórnia e Argentina, criava filhos e administrava uma das vinícolas familiares mais respeitadas do mundo. Mas inicialmente esse não era o plano: enquanto estava na universidade, ela queria salvar o mundo e pensava que não havia forma melhor para cumprir tal missão do que dedicar sua vida à medicina.
Apesar de respeitar o pai, Laura tinha o desejo de encontrar seu próprio caminho no mundo – algo considerado uma revolução para uma mulher argentina nos anos 1990. Ela conheceu bem os Estados Unidos quando Nicolás passou algum tempo como professor visitante de economia na Universidade da Califórnia, Berkeley, no início dos anos 1980, enquanto ela terminava o ensino médio na Califórnia. Foi um bom momento para deixar de morar na Argentina, pela instabilidade política e econômica, e Laura teve a chance de aprender a falar inglês fluentemente (e eventualmente francês), e ao longo do tempo encontrou seu caminho para a medicina.
Em sua fase de jovem adulta, a filha precisou ajudar Nicolás em vários momentos, para falar com grandes proprietários de chateaux em Bordeaux (já que ele sempre admirou as principais regiões vinícolas da França) ou em eventos como o New York Wine Experience. Mas Laura ficava profundamente incomodada com os comentários condescendentes que seu pai recebia na década de 1990, sentimento agravado ao ver todos os participantes de eventos de viticultura lutarem para falar com produtores franceses e italianos, prestando pouca atenção a Nicolás – embora ele fosse considerado um rei na Argentina. Então ela encontrou uma maneira de equilibrar a situação, não apenas trazendo o nome de sua família para conversas internacionais sobre vinhos finos, mas também mostrando ao mundo o potencial argentino como produtor da bebida.
Quando Laura se juntou oficialmente a seu pai para ajudar a administrar a Bodega Catena Zapata em 1995, ela também fundou o Catena Institute naquele mesmo ano, já que muitas coisas sobre vinhas e vinificação eram baseadas mais em informações anedóticas do que em pesquisas confiáveis. Uma das coisas que acabou refutando foi uma declaração do gerente do vinhedo de seu pai, que dizia que uvas como Malbec e Cabernet Sauvignon nunca amadureceriam em altitudes elevadas como no vinhedo Adrianna. E assim Laura, junto a especialistas de vários campos científicos, partiu em uma missão para estudar todos os aspectos dos vinhedos e vinhas da empresa, além dos processos de vinificação e o produto final.
Recentemente o Instituto Catena divulgou um relatório que mostra resultados positivos em alguns de seus principais locais com a variedade Malbec. Ela argumenta que a ideia de terroir (ou um vinhedo ‘grand cru’) não deve ser apenas associada a lugares lendários como Bordeaux e Borgonha, mas que alguns dos vinhedos de alta altitude da Argentina – nos quais a família Catena tem estado na vanguarda do cultivo de videiras em alturas extraordinariamente elevadas -, também devem ser considerados locais que produzem vinhos distintos e complexos, com estrutura e acidez para envelhecimento a longo prazo.
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A formação médica de Laura incutiu nela a importância de dados e pesquisa, que poderiam ser usados para embasar suas afirmações de ter vinhedos de alta qualidade – além de ajudar a Bodega Catena Zapata a fazer as escolhas certas ao longo do caminho do gerenciamento e técnicas de adega. Mas quando ela é questionada sobre a criação de designações de ‘grand cru’ para a Argentina, Laura se apressa em dizer que não acha que tal noção seja uma boa ideia no momento. Em primeiro lugar, ela acredita que ainda há muito a aprender sobre as mudanças climáticas e as ramificações de locais que são considerados de alta qualidade no momento, pois podem não ser vistos da mesma forma no futuro. Também há o problema político em permitir que os produtores de vinho mais poderosos da Argentina escolham os locais, pois podem basear suas escolhas em seus próprios interesses pessoais, em vez de exibir os maiores vinhedos do país. Idealmente, ela gostaria que fossem designações escolhidas independentemente por pessoas qualificadas, mas no momento ela não sabe se isso é possível.
Desfazendo estereótipos
Mas quando se trata do potencial dos vinhos finos da Argentina, Laura não tem dúvidas de que, depois de mais de 25 anos de pesquisa e vinificação, “que certos terroirs nacionais podem fazer vinhos de elegância e caráter, que têm estrutura, acidez e complexidade, envelhecer por várias décadas e talvez até um século.” Até hoje, ela se encontra constantemente com compradores de vinho, sommeliers e educadores para discutir abertamente suas próprias experiências ao falar sobre os grandes rótulos da Argentina que não são oficialmente designados, em comparação com os ‘grand cru’ oficialmente designados, como aqueles em Bordeaux e Borgonha.
Alguns acham que um vinho que tem a classificação de ‘grand cru’ no rótulo é fácil para os bebedores de vinho entenderem imediatamente como sendo um bom vinho. Mas, felizmente, com o passar do tempo, mais e mais consumidores estão abertos a aprender mais sobre vinhos de alta qualidade da Argentina, bem como de outros lugares fora de regiões vinícolas historicamente celebradas – embora às vezes eliminar estereótipos possa ser um processo longo.
A própria missão de Laura de mostrar o potencial dos vinhos da Argentina começou com suas frustrações por seu pai não receber o respeito que merecia. Certamente as coisas mudaram, pois hoje Nicolás está listado entre os grandes homens que foram verdadeiros visionários e defensores de seus vinhos regionais, o equivalente a Robert Mondavi para Napa Valley e Angelo Gaja para Barolo e Barbaresco. No entanto, pode-se dizer que Laura também merece esse título, embora seu avô nunca pudesse imaginar que uma mulher – e muito menos uma neta -, fosse a visionária que levaria os rótulos argentinos ao próximo nível.
Depois de 25 anos equilibrando uma vida entre a Califórnia e a Argentina, criando filhos e trabalhando meio período como médica de pronto-socorro enquanto assume a responsabilidade de criar um mercado mundial para os vinhos argentinos, ela ainda reúne profissionais do vinho e especialistas científicos para conversas complexas sobre como os rótulos nacionais são vistos em todo o mundo.
Ela diz querer ouvir as questões que precisa abordar, já que está focada em se esforçar para que a produção argentina seja sempre relevante e que seus vinhos superem as expectativas. Com o tempo, Laura percebeu que era importante para ela salvar o mundo onde cresceu e isso significava que ela precisava participar da melhoria dos vinhedos, práticas de vinificação e tornar-se a voz de um país para que as crianças argentinas pudessem crescer nos vinhedos como ela -, possibilitando que os viticultores e produtores de vinho tenham um futuro. Hoje, ela não poderia estar mais feliz por continuar a trabalhar ao lado de seu pai para manter viva a indústria do vinho na Argentina.
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E embora Laura tenha se aposentado da medicina, ela ainda se ofereceu para ajudar a vacinar contra Covid muitos moradores de rua em São Francisco – já que seu lado médico sempre existirá. A pandemia teve tantos altos e baixos, com lockdowns constantes e várias mutações do novo coronavírus, que tem sido difícil para muitos evitar momentos de desespero – por isso pessoas como Laura, que entram em ação para acabar com uma crise, são vitais.
Ela entende que cada pequeno passo à frente deve ser visto como uma vitória para continuar avançando e evoluindo continuamente para produzir vinhos honestos e de alta qualidade. E logo no momento em que ela lidera uma discussão recente sobre o conceito de vinhedos “grand cru”, um famoso mestre sommelier usou o termo “parcela” – usado na Argentina para se referir a grandes vinhedos que expressam qualidades distintas – e o rosto de Laura se iluminou imediatamente ao saber que mais uma grande vitória havia sido conquistada no caminho de conseguir o respeito que os vinhos argentinos merecem com tanto direito.
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