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“Não inventei o brigadeiro de colher, mas fui a primeira a comercializar”, diz Carole Crema, chef-confeiteira que fez fama vendendo os docinhos em potes duas décadas atrás. Hoje, pegou birra da versão, que inicialmente improvisou porque não dava conta de manter um padrão na textura do brigadeiro fornecido para uma escola paulistana, o Dante Alighieri. Mas, ao comemorar os 20 anos da sua loja nos Jardins, afirma ter orgulho de ter começado a febre gastronômica que depois se estendeu para os ovos de Páscoa e os panetones de colher. Tanto que, ao criar um menu para o reality show Iron Chef, da Netflix, fez questão de incluir ali uma bandeja com cinco colheres de diferentes brigadeiros de café – do mocha ao latte.
Neste Dia do Brigadeiro (10/9), a Forbes publica uma entrevista com a confeiteira e apresentadora do programa Que Seja Doce, do GNT. Hoje ela vende seus produtos (incluindo brigadeiros, no formato tradicional) também por e-commerce próprio e em apps de delivery, além de desenvolver sobremesas private label para redes de restaurantes e food service, como Lanchonete da Cidade, Bráz, America e Havanna.
Forbes – Hoje a gente vê brigadeiros de colher em todo canto, e você é pioneira nisso. Como foi essa história?
Carole Crema – Eu tinha acabado de abrir minha loja. Vendia brigadeiro para a escola Dante Alighieri e tinha dia em que ele ficava mais duro, tinha dia em que ficava ok, tinha dia em que ele esborrachava. Estava difícil. Aí, em Campos do Jordão, em um evento, vi um potão de vidro com doce e umas colheres. E se eu vendesse o brigadeiro que nem a gente come em casa, molinho? Então improvisei. Em um copinho de acrílico descartável, eu punha 30, 40 gramas de brigadeiro e uma colher. Não inventei brigadeiro de colher, mas fui a primeira a comercializar. E falei: vou correr e patentear, porque isso vai virar moda. Tenho o maior orgulho.
Forbes – Patenteou mesmo?
Carole – Sim, o registro “de colher” é meu. Porque brigadeiro não pode, brigadeiro é do planeta, né?
Forbes – Depois vieram outros hits. Hoje em dia tem um monte de coisa “de colher”. Você tem a ver com isso também? Como foi?
Carole – Sim. O ovo de Páscoa e os panetones superrecheados, por exemplo, foram derivações. Brigadeiro de colher fez sucesso, então vamos fazer um ovo de colher também. Quando eu criei, a ideia era um ovo todo cheio de recheio: você quebrava com a colher e ia comendo. Eu pegava uma forma de ovo, punha o ovo ali, embrulhava com celofane. E os panetones “recheadésimos”, a gente começou e chamava de panetone de colher. Também teve o brigadeiro em tacinha para festa, o copinho de chocolate com doce…
Forbes – E o bolo de coco molhadinho?
Carole – Em 2008, fiz uma linha de doces retrôs, antigos, porque estava cheia da história do “de colher”, todo mundo já estava fazendo. Falei: “Quer saber? Eu vou voltar ao brigadeiro enrolado”. Fiz uma linha que tinha brigadeiro, olho de sogra e bolo de coco. Ele era uma coisa horrorosa, mas eu falei “é muito gostoso, não vai vender, mas está tudo bem”. Aí esse bolo de coco virou um tema na minha vida. Hoje vendo mais bolo de coco do que café.
Forbes – Era também um doce bem caseiro que você comercializou.
Carole – Tenho isso de pegar as coisas simples. Faço o clássico comfort sweet, um doce de casa mesmo. Agora estou fazendo gelatina colorida – que a gente ama, mas ninguém tem coragem de fazer. A vida inteira fui criticada. E quer saber? Não vou mais ligar para o que estão falando. Vou seguir o que eu acho que é a minha verdade.
Forbes – Você ouviu muito?
Carole – Saíam notinhas: ah, os doces muito açucarados… Passei muito tempo tentando lutar contra. Mas resolvi que não, que tudo bem, que é isso que eu faço.
Forbes – Você pegou um brigadeiro que se comia na panela, aquela coisa bem da casa, e colocou em um potinho, depois em um potinho de chocolate… O ovo de Páscoa também, você pegou e transformou. Eu queria entender esse processo. Você tenta transformar em algo de chef-confeiteira?
Carole – Não tento. O que eu gosto não tem nada de chef. É igualzinho ao que minha mãe faz. Sua mãe. É Leite Moça, manteiga e Nescau. Atenção: não é cacau, chocolate belga… O normalzinho mesmo. A única coisa que eu fiz foi ajustar o ponto. Quando a gente faz o brigadeiro e come na panela, ele está molinho porque está quente. Ao mesmo tempo, para ficar com aroma e gosto de brigadeiro, ele tem que chegar ao ponto de enrolar. Um brigadeiro mais mole é um brigadeiro cru. Então eu fazia o brigadeiro, deixava chegar a um ponto mais durinho, e depois de pronto desligava o fogo e botava leite ou creme de leite para sempre ficar na textura de comer molinho.
Forbes – Você está falando no passado. Não faz mais?
Carole – Esse ano eu vou fazer (inclusive apresentou no Iron Chef). Mas uso brigadeiro de colher mais para rechear bolo, para rechear doce. É como um ingrediente na minha cozinha. O brigadeiro de colher como antigamente eu não vendo mais. Peguei birra. Não quero mais.
Forbes – O que é um grande hit hoje? E o que que cansou?
Carole – Ah, cansou a palavra gourmet. Tudo que é gourmet, para mim, tem que ter fim. Tem que acabar. O que eu acho que vai ser hit são as coisas mais simples, feitas com bons ingredientes e boas práticas. Um bolo bem feitinho, um mousse de chocolate. Acredito muito na volta da simplicidade, na volta da comida de verdade.
Forbes – Qual é o mal do gourmet? Por que tem que acabar?
Carole – O mal do gourmet é que não tem por que chamar de gourmet. O que está errado não é o doce que as pessoas fazem. O que está errado é, só porque estou usando um chocolate de qualidade, virar gourmet. As pessoas não sabem o significado da palavra gourmet. Gourmet é a pessoa que come. Então virou uma coisa quase cafona. Tenho 25 anos de cozinha. Eu dava aula na Anhembi Morumbi há muitos anos e os alunos falavam de estrogonofe de nozes. Eu queria morrer. Para mim, estrogonofe é estrogonofe. Tenho um lado purista, acho que as coisas são o que elas são. Brigadeiro não é uma coisa gourmet. Mesmo que a gente use ingrediente chique, bacana, nobre.
Forbes – Ao mesmo tempo em que você é purista no uso das palavras, você pegou o brigadeiro e transformou em outra coisa, em um brigadeiro de colher. Aí tudo bem?
Carole – Verdade. Agora você me deu uma saia-justa (risos).
Forbes – Você tem vários grandes hits. Tem grandes erros também?
Carole – Muito mais do que hits. O próprio brigadeiro de colher nasceu de um erro, de eu não acertar o ponto do brigadeiro. Errei muito. O primeiro bolo que eu fiz foi para uma amiga, tinha formato de meia lua e começou a cair no meio da festa, porque eu ainda não sabia fazer a estrutura. Então pus uma garrafa de água segurando o bolo, uma pessoa passou e falou: a água é por causa dos símbolos da natureza? Depois veio um bolo para uma grande amiga, a [estilista] Emannuelle Junqueira, e eu já sabia fazer, já era um bolo bem feitinho. Mandei o bolo do casamento dela, e a duas horas de festa, que era na casa dela, a cobertura derreteu. Passei no supermercado, me arrumei, porque eu era convidada, comprei um monte de coisa e fui confeitar o bolo chegando lá. Foi engraçado, as pessoas falavam assim: nossa, você é chique, a Carole confeitando seu bolo na hora! Errei muito mais do que acertei. Em todos os sentidos: nas receitas, na administração… Colecionei erros, mas está tudo bem. Assim que a gente aprende.
Forbes – Você optou por abrir uma fábrica e investir no B2B. Por que resolveu fazer esse caminho?
Carole – Quase tudo que me aconteceu nesses 20 anos foi um pouco acaso. Quando abri a loja em 2002, queria ser um empório de sobremesas e chocolates; virei a brigadeirolândia sem querer. Logo vieram os casamentos, o que começou com o casamento dessa minha amiga. Aí fui aprender a fazer doce, a fazer bolo, tudo com a roda girando. Em 2011 ou 2012, o negócio dos casamentos pulverizou demais. Tinha muita gente fazendo. Aí o pessoal da Companhia Tradicional (de Comércio, grupo gastronômico), de que sou amiga, me ligou para falar da Lanchonete da Cidade. Eu já fazia para eles um bolo brigadeiro de colher e queriam que eu desenvolvesse sobremesas novas. Desenvolvi, eles amaram. Quer agora fornecer? Deu supercerto a Lanchonete, então a gente fez a Bráz (rede de pizzarias) e vieram mais duas ou três hamburguerias. Então veio a Havanna e aí esse negócio aconteceu.
Forbes – Por que não abrir mais lojas próprias?
Carole – Já tive três lojas simultâneas. Tem que ter uma metodologia que eu não tive. Eu fazia um doce em uma loja e não tinha na outra. Nunca deu certo. Prefiro garantir o produto, porque o serviço não é uma coisa fácil para mim. A gente faz uma tonelada de doce por dia.
Forbes – Quais são os seus planos no momento?
Carole – Quero estar em mais algumas capitais através de aplicativo. Hoje os meus doces já saem com data de validade da fábrica. Vendo, por exemplo, para a Havanna, e eles vão para Manaus, para São Luís Maranhão. Então já tenho uma uma estrutura e uma expertise disso. Quero ter o produto em mais lugares através de dark kitchens, dark stores. E eu vou mandar daqui tudo pronto. Você vai pedir, vai chegar uma fatia de bolo que eu cortei aqui na fábrica, congelei e botei no caminhão refrigerado. Eu quero bolo de coco chegando para todo mundo que quiser.