“Sinto a Itália mais do que eu a conheço”, foi o que eu rabisquei com a caligrafia esfarrapada no sensor de escrita do meu laptop. Estou em Ravello, na Costa Amalfitana, bebendo taças de Fiano e Falanghina, que são meus novos vinhos brancos favoritos com minérios de colinas vulcânicas da Campânia. Mas não é o vinho que está no comando, eu acho. Sinto muita admiração pela arte italiana de La Dolce Vita desde que me lembro. Quando criança, minha avó, que era dona de uma agência de viagens, me apresentou a Itália pela primeira vez. Durante toda a vida, ela foi cativada pela história romana, inclusive pela comida típica, pelos vinhos e pela geografia mar-montanha que parece seguir um padrão nas províncias italianas, mas de jeitos totalmente diferentes.
Piemonte tem suas próprias tradições, assim como a Ligúria. A Costa Amalfitana, pelo o que eu ouvi, também. Então, depois de anos sem conhecer aquelas paisagens deslumbrantes estampadas nas capas das revistas e pelo Instagram, sucumbi à tentação.
“Todos os restaurantes da Costa Amalfitana são turísticos”, disse nosso motorista do MyDaytrip, Salvatore, que veio de Nápoles e estava levando eu e meu marido para Praiano, uma cidadezinha a cerca de dez minutos de Positano. Ótimo, pensei, imaginando se esses cinco dias seriam uma experiência ruim que confirmaria minha hesitação em visitar esta região cara e de difícil acesso.
A Costa Amalfitana, que representa um pequeno trecho da costa sul da Itália, tem vista para o Mar Tirreno e para o Golfo de Salerno. A famosa via Costiera Amalfitana contorna os penhascos de calcário, abraçados pela água cristalina por cerca de 64 quilômetros entre Vietri sul Mare e Sorrento. As principais cidades costeiras são Positano e Amalfi, exemplos da arquitetura italiana clássica. E Ravello, que paira nas nuvens entre Amalfi e Minori.
“Isso não significa que não sejam bons restaurantes”, esclareceu. “Mas foram criados para os visitantes, não para os locais”, concluiu o motorista.
Esse aviso veio logo após passarmos três dias em Napoli, arruinando as outras pizzas para o resto da minha vida, comendo as melhores margueritas napolitanas do mundo. Por US$ 7 cada pizza popular, combinando com uma taça de US$ 7 de Piedirosso com sabor de ameixa polvilhada com sal marinho, nenhuma refeição custava mais do que US$ 15.
Das muitas alegrias de Nápoles, comer e beber está no topo. Embora haja turistas, sendo a maioria de navios de cruzeiro vindos da Espanha ou de Quartieri Spagnoli, não é realmente uma cidade turística. É uma cidade viva, respirando, decadente, próspera e contraditória de ideias, ambições e eras que abrangem 4.000 anos desde que os gregos a fundaram em 600 a.C. como Nápoles, (ou Neapolis), sendo nea: novo e polis: cidade. Enquanto afloram as divergências políticas, sociais e culturais entre os habitantes – como em qualquer lugar –, a população concorda totalmente quando o assunto é pizza, vinho e café. É o começo ou fim perfeito e inevitável de uma passagem pela costa italiana.
Antes de Nápoles, passei uma semana em Sannio, que possui a própria espécie uva do norte da Campânia conhecida como Falanghina, e a uva vermelha Aglianico. Algumas variedades cultivadas ao longo da Costa Amalfitana se sobrepõem às da Campânia, incluindo Sannio, Fiano di Avellino, Taurasi e Lacryma Christi del Vesuvio. Uma dica: eu não viria sem saber nada sobre estes vinhos.
Fui de trem de Benevento in Sannio para Nápoles e, alguns dias depois, encontrei-me com Salvatore, saboreando meu primeiro contato com a famosa Costa Sorrentina. Salvatore parou para experimentarmos as raspadinhas de limão e laranja, uma experiência turística popular ligada às tradições agrícolas. Um pai e um filho nos deram raspadinhas.
“Cultivamos limões e outras frutas cítricas em Amalfi por quatro gerações. O que você achou?”, perguntou o filho com uma curiosidade autêntica. Doce, brilhante, com sabor do sol, diante de uma vista deslumbrante do Tirreno? Claro que estava delicioso, respondi, postando uma foto no Instagram e marcando a conta deles.
De volta à estrada, derrapamos em curvas e buracos, quase colidindo com alguns scooters impacientes. Meu marido agradeceu por não fazê-lo dirigir. Vislumbramos a paisagem enquanto Salvatore, cheio de lendas e opiniões locais, contava mais sobre os lugares.
“Aquela montanha nós chamamos de montanha do leite, porque produz os melhores queijos, especialmente o mussarela”, disse. “Não sei o que você come nos Estados Unidos, aquela mussarela de plástico”, disse ele. “Se tiver mais de um dia, não é mussarela. Vira provolone”, disse, fazendo a gente rir só de pensar em um Napoletano sendo servido com os tipos de queijo que servem na América.
O trânsito, felizmente, não foi tanto. Mas geralmente não é assim no verão. Percebi que uma visita pós-pandêmica à Costa Amalfitana, durante o auge da temporada de casamentos em junho, não foi a escolha mais inteligente, já que os preços e as multidões aumentam. Temendo essa realidade, fiz reservas de acomodação e jantar meses antes, orçando para cinco dias. Também reservei com antecedência o transporte entre destinos no MyDaytrip, porque os aluguéis de carros, se ousássemos dirigir, poderiam esgotar ou estar com preços muito mais elevados que o normal.
A estrada parecia mais adequada para ir de burro. Na verdade, o transporte com animais era como os romanos andavam por esses caminhos históricos. Em 1997, a frágil paisagem recebeu o reconhecimento da UNESCO por suas igrejas, cidades, jardins, fazendas de limoeiros e vinhedos. Por conta da vulnerabilidade de Amalfi ao impacto ambiental, seus habitantes locais se comprometeram firmemente com o turismo para obter renda, uma barganha que exige proteger o que o torna aquele lugar sempre atraente.
Passamos por Positano, parando em um meio-fio estreito para uma foto rápida. Optei por pular a hospedagem no icônico centro de vila de pescadores e iates devido ao custo e as multidões. De qualquer maneira, a melhor vista de Positano estava em Praiano.
Reservei uma estadia no hotel boutique Casa Angelina devido ao seu design contemporâneo com a decoração toda branca. Gostei do contraste diante de um mar de hotéis tradicionais com azulejos de cerâmica. Mais importante, eu queria experimentar Un Piano Nel Cielo, o restaurante fino do hotel que tem a vista do cartão-postal de Positano.
Fiz reserva ao pôr do sol para provar a gastronomia de Leopoldo Elefante. Como chef-executivo da Casa Angelina, ele lidera a cozinha desde 2017. Um escritor de culinária e colega recomendou a experiência, especialmente com combinações de vinhos da extensa lista de rótulos de Amalfi e Campanian.
“O vinho da Costa Amalfitana é muito distinto”, disse o sommelier, depois de anotar nosso pedido de água no “livro de águas”. Optamos por uma garrafa de espumante das Dolomitas por seu sabor limpo e de baixo teor salino, como era descrito.
Para o vinho, pedi para provar apenas especialidades locais, de cerca de 30 km do local. “Nada no mundo tem o sabor dos nossos vinhos porque usamos uvas nativas que são envolvidas pela brisa salgada do mar, prosperam no nosso solo vulcânico e absorvem o calor do sol”, concluindo com uma prosa amorosa.
Ele voltou com uma garrafa do Marisa Cuomo. Queria visitar esta vinícola, situada a 15 minutos de uma fenda vertical sobre o mar em Furore, mas faltou o carro e a vontade (ou orçamento) para pagar um táxi de 80 euros pelo privilégio.
Marisa Cuomo produz uma dúzia de vinhos, embora o carro-chefe Furore Bianco Fiorduva rompa com as normas regionais. Uma mistura de Fenile, Ripoli e Ginestra, essas uvas nativas cultivadas em calcário em uma pérgula podem amadurecer na videira antes da fermentação em barris de carvalho. O resultado é um sabor profundo e redondo, com notas de casca de limão cristalizada, flores e frutas do pomar.
Provamos mais alguns vinhos de Amalfi, incluindo um blend de Falanghina e Biancolella, ambos notáveis por sua acidez e corpo mineral.
Estudando o menu, podemos provar produtos locais e peixes frescos ainda brilhando com o frescor do oceano. Uma exibição impressionante de crudo envolvia uma ostra salgada, um suculento lagostim doce e um carpaccio de peixe branco macio com manteiga ornava perfeitamente com o blend Bianco.
Um sedoso tagliolini de 36 gemas de ovo misturado com uma dose do limão Amalfi e enrolado em volta de camarões e endro me fez questionar todas as massas que já comi na América.
Na manhã seguinte, ainda reflexiva sobre a interação entre os vinhos e a gastronomia, fizemos as malas para nossa próxima parada. Eu tinha um encontro marcado para entrevistar o Chef Alfonso Crescenzo no Restaurante il Refettorio, de uma estrela Michelin, dentro do hotel Monastero Santa Rosa.
Anteriormente, o espaço era um mosteiro dominicano construído no século XVII. O hotel, spa, a piscina infinita e os jardins ficavam bem acima do mar, na vila de pescadores de Conca dei Marini. Esse cenário espetacular apresentava quatro terraços com flores nativas, árvores e arbustos, uma vista que poderia ter roubado a atenção do pintor Monet de Giverny, se ele tivesse vivido mais 100 anos para admirá-los.
O restaurante, Il Refettorio, serve almoço e jantar no terraço durante o verão. O azul marinho se estende pelo horizonte, enquanto o doce aroma do jasmim perfuma o ar. O Monastero Santa Rosa é um dos hotéis mais bonitos do mundo, ainda melhor por ostentar uma das melhores experiências gastronômicas da Costa Amalfitana.
Quase todos os vegetais e ervas utilizados no restaurante são da horta do hotel, e os frutos do mar e carnes são de fornecedores regionais. O que o jardim da propriedade não cultiva, Crescenzo traz de sua própria fazenda em Minori.
Crescenzo dá um toque moderno aos pratos tradicionais. Ao contrário de muitas refeições de restaurantes Michelin que já estive, onde os chefs enfatizam demais o prato, a apresentação e o conceito em detrimento da simplicidade bem feita, o Crescenzo realiza os dois. Ele também conhece a sinergia entre vinho e comida, trabalhando com o sommelier para garantir que cada prato tenha a sua harmonização ideal.
O jantar começou com alguns dos pratos favoritos de Crescenzo. Primeiro, La Cro-Estatina, uma torta de legumes com uma bola de sorvete de tomate. Em seguida, o La Mozzarella in Carrozza, uma composição de queijo desfiado à mão e frito com ovo empanado no pesto Cetara, e um molho Amafli exclusivo feito com anchovas misturadas, azeite, pinhões, alho e salsa. O sommelier serviu outra mistura Falanghina-Biancolella para realçar o contraste entre o doce e o salgado dos pratos.
Passando para as massas, raviolis leves como nuvens com recheio de coelho local e provolone del Monaco, um queijo de Nápoles. A harmonização do vinho, um Fiano di Avellino repleto de fumaça, ervas e frutas cítricas, complementou o sabor do queijo.
Cada prato e vinho servido mostrava a verdade do lema “o que cresce junto, fica bem junto”. Uma lagosta escalfada com maionese de limão sorrentino com pêssegos amarelos foi combinada com um Greco di Tufo brilhante e estruturado que ecoou seus sabores de frutas de pomar. Um prato de cordeiro Laticauda, uma raça de ovelha da Campânia, criada em Irpinia por sua delicada doçura, combinava com o tempero terroso de Taurasi Agliancio.
Poderia ter sido a minha última refeição e eu teria deixado Amalfi contente, mas ainda tinha mais uma parada.
Eu tinha lido sobre as vilas românticas da pequena região de Ravello, os jardins exuberantes e o ar fresco servindo de inspiração para gerações de artistas.
Construído no século XII, o Palazzo Avino, de propriedade familiar, localizado em San Giovanni del Toro, já fez parte do bairro aristocrático de Ravello durante a Idade Média e o Renascimento. Hoje, serve como um encantador hotel 5 estrelas com jardins notáveis e cheio de referências históricas, além de oferecer uma experiência gastronômica com 1 estrela Michelin no Rossellinis.
O chef executivo Giovanni Vanacore personalizou o cardápio, dividindo-o em três sessões temáticas. O menu Journey into Memory, que baseia-se nas experiências de infância de Vanacore; Tradição e inovação conferem uma interpretação moderna aos pratos familiares de Amalfi; e Natural…in Color, um menu vegano e vegetariano, destaca os sabores mais finos, maduros e puros da estação.
Provando pratos de todos os menus, o sommelier combinou vinhos da Campânia por toda parte. Para começar, bebemos um espumante de Bosco de Medici, produtor nas encostas do Monte Vesúvio, com um toque floral e frutado. Perguntei sobre o Fiano com alguns anos de idade, pois sabia que altos níveis de acidez significavam potencial de guarda. Ervas secas e avelã defumada apareceram em um Mastroberardino Radici mais antigo que ele encontrou na adega.
Provamos um 2018 de Ciro Picariello, que vem ficando cada vez mais conhecido nos Estados Unidos. Texturizado e salino, o Fiano falava sobre as camadas de cinzas nos solos antigos. Terminamos com um vinho tinto da Costa d’Amalfi, uma mistura encorpada de Aglianico, Piedirosso e Sciascinoso que combinava com o cordeiro.
Vanacore cumprimentou as mesas depois do jantar e, quando veio à nossa, perguntei o que ele acreditava ser a “cozinha amalfitana”.
Ele apontou para a variedades de mariscos no menu, como o robalo, que cozinha em tachos feitos com barro local, que serve com abobrinha alla scapece, ou rodelas fritas com alho, azeite, vinagre e hortelã, uma preparação regional.
“A cozinha amalfitana é fresca, sedutora e sempre inclui uma pitada de limão amalfitano”, sorriu. “Eu tento incorporá-lo em todos os meus pratos”, declarou ele sobre os famosos limões de Amalfi, gordos e doces. Em seguida, o sommelier nos serviu limoncello em dois copos gelados como um digestivo de despedida.
Eu disse até logo, mas não adeus. Das fazendas históricas escondidas entre curvas verticais, barracas de frutos do mar de pescadores em praias acessíveis apenas por barco, às vinhas nativas entre pérgulas de limoeiros, a Costa Amalfitana tinha muitos vinhos e segredos culinários a serem descobertos. Como no resto da Itália, os sabores locais e os vinhos singulares de uva amalfitana provaram ser um motivo muito melhor para visitar do que tirar aquela foto para postar no Instagram. Embora, é claro, você sempre possa fazer as duas coisas.