Quando se trata da alta gastronomia, as mulheres ainda encaram uma série de preconceitos e desafios. A cozinha profissional parece estar limitada à presença masculina – chefs mulheres são minoria em restaurantes. A cozinha clássica se construiu como um espaço masculino. Às mulheres era designada a nutrição da família. Mas felizmente o mundo e a gastronomia estão sempre em mutação. Hoje, apesar de ainda haver barreiras como machismo e falta de apoio, as mulheres vêm conquistando seu espaço na alta gastronomia.
As mères de Lyon
Uma das histórias mais incríveis e menos conhecidas dessa trajetória é a das mères (mães) de Lyon, cidade considerada a capital da gastronomia francesa, com mais de 2 mil restaurantes, 13 dos quais estrelados no Michelin. Essas mulheres eram as antigas cozinheiras de ricas famílias burguesas. A partir da primeira metade do século 20, tais famílias perderam as condições financeiras para mantê-las. A necessidade de sobrevivência levou uma parte desse contingente a trabalhar por conta própria ou a serviço de restaurantes.
Com o passar do tempo, a transmissão de conhecimentos dessas mulheres, de geração em geração, chegou a nomes renomados da gastronomia, como o grande mestre Paul Bocuse. Essa essência feminina pode ser exemplificada por algumas mulheres que conquistaram espaços importantíssimos na gastronomia mundial. Vamos a quatro delas.
De origem mexicana, Daniela Soto-Innes é proprietária do restaurante Cosme, localizado em Nova York, que há muitos anos figura entre os melhores restaurantes do mundo. Ela foi a mais jovem nomeada melhor chef feminina do mundo.
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Já a eslovena Ana Roš comanda seu restaurante, Hisa Franko, e é considerada uma das melhores chefs do mundo. Formada em relações internacionais, Ana sentiu o chamado da gastronomia e assumiu a cozinha de um restaurante que a levou à beira da falência inúmeras vezes. Sem desistir, ela manteve seu propósito e venceu: é repetidamente indicada entre os 10 melhores chefs do mundo, inclusive pelo prêmio The Best Chef Awards e o The Best Chef Pristine Award, concedido a chefs que selecionam seus produtos entre produtores locais.
Chef mulher mais estrelada do mundo e única mulher francesa a ter oito estrelas Michelin, Anne-Sophie Pic dá continuidade ao legado da família Pic, iniciado por sua bisavó Sophie, consagrado por seu avô, Andre, e seu pai, Jacques. Hoje possui oito restaurantes, em Valence (sua cidade de origem), Paris, Lausanne, Londres e Singapura.
Eleita a melhor do mundo em 2021 pela World’s Best Restaurants, a peruana Pía León começou sua carreira como assistente do setor de frios do Central, o restaurante que projetou o Peru no cenário gastronômico mundial. Em 2018, ela criou seu próprio restaurante, o Kjolle, que no ano seguinte já estava em 21º lugar na lista dos 50 melhores do mundo, ao mesmo tempo em que Pia foi consagrada como a melhor chef mulher da América Latina.
São apenas alguns exemplos da força, garra e perseverança femininas, mostrando que, sim, lugar de mulher é na cozinha. E que cozinhas!
Carla Bolla é restauratrice do La Tambouille, em São Paulo.
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Artigo publicado na edição 105 da revista Forbes, em janeiro de 2023.