Se o cacau é conhecido como o “alimento dos deuses”, a Agrícola Condurú, no sul da Bahia, é um dos seus templos. No caminho entre Ilhéus e Itabuna, a propriedade rural com 200 hectares do fruto tornou-se, junto à marca Dengo, um centro de turismo cacaueiro, aberto ao público este ano.
Aos moldes do enoturismo, a experiência batizada de “Dengo Origem” faz uma imersão no universo do cacau, do plantio sustentável da muda até a degustação de chocolate. Nem o nome e nem o local foram escolhidos por acaso: foi ali na Condurú, há mais de uma década, que Guilherme Leal – cofundador da Dengo e da Natura – se encantou pelo cacau e pela região. “O objetivo dele [Leal] ao comprar essa propriedade era usá-la como um laboratório para entender melhor a produção e suas melhores práticas”, explica Estevan Sartoreli, co-CEO da marca de chocolates, à Forbes Brasil.
Agora, as portas da fazenda são abertas para mostrar a um público mais amplo a cacauicultura e o trabalho dos produtores da Costa do Cacau – que passam nos últimos anos por um reerguimento pós a praga da vassoura de bruxa, que desolou a região na década de 1990. O fomento do turismo também faz parte desse novo desenvolvimento, como um pilar inegável da economia local: cerca de 40% dos turistas do sul do estado passam pela rota do cacau, estima Marco Lessa, organizador do Festival Internacional do Chocolate, que em 2023 teve sua 14ª edição na Bahia.
Mas além de atrair turistas, a nova experiência tem fins educativos: “Queremos que o visitante compreenda a realidade da cadeia produtiva, porque nós como consumidores temos um nível de consciência muito baixo. Não existe uma preocupação geral de saber de onde vêm as coisas”, diz Sartoreli.
Veja fotos da experiência Dengo Origem na galeria:
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Nino Franco A Dengo Origem acontece dentro de uma fazenda produtiva de cacau
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Nino Franco Durante a experiência, você pode fazer a quebra do cacau por conta própria e comer a polpa in natura
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Nino Franco Instalações da fazenda para o processamento do cacau: da fermentação até a área de degustação do produto final
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Nino Franco Durante o tour, é possível entender a história da cacauicultura no sul baiano e a importância do fruto para a região
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Nino Franco O cacau fermentado vai para as barcaças para secar
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Nino Franco O cacau da fazenda é todo plantado no sistema de cabruca, isto é, rodeado e protegido pela vegetação nativa da Mata Atlântica
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Nino Franco Sala de fermentação das amêndoas do cacau
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Nino Franco Espaço de recepção dos visitantes
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Nino Franco O local tem espaço para crianças, além de várias redes espalhadas
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Nino Franco Loja da Dengo dentro da fazenda
A Dengo Origem acontece dentro de uma fazenda produtiva de cacau
Andanças na cabruca
A ‘aula’ é ao ar livre, rodeada de coqueiros, pés de açaí, jaca, banana – alguns dos insumos que depois integram as barras de chocolate – e muitos cacaueiros, claro. A fruta centenária, originária da Amazônia e cultivada na Bahia há mais de 300 anos, já nos recebe antes de descer do carro, na estradinha de terra que leva à fazenda. São milhares de árvores, algumas carregadas de cacau de todos os tamanhos e cores, do mais amarelo ao roxo amarronzado.
Mas é no tour guiado, por quase duas horas, que é possível conhecer (e provar) mais de perto esse ecossistema. Primeiro com um passeio pelo plantio, todo feito na cabruca – sistema sustentável de cultivar o fruto em meio à Mata Atlântica, sob a sombra e proteção de várias árvores nativas, que é especialmente adotado na costa sul da Bahia para garantir a conservação e biodiversidade da região. Ali em meio a mata vemos a quebra manual do cacau, junto a uma prova dele fresquinho, in natura (para os que gostam de algo mais cítrico, é até difícil parar de comer).
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O passeio segue para mostrar as etapas de processamento depois da colheita. Isso inclui a fermentação das amêndoas – processo essencial nas marcas “bean to bar” (do grão à barra, como a Dengo se intitula, mas que conceitualmente poderia se encaixar em “tree to bar”) que ressaltam os aromas e sabores do cacau -, a secagem (das barcaças cheias de sementes, é só tirar a casca e já se tem os famosos nibs) até a parte de industrialização do superalimento. E termina com um gran finale, digno dos chocólatras: uma degustação sensorial de chocolate, de várias origens e percentuais de cacau.
Quem quiser, ainda pode estender a visita no playground infantil e/ou no restaurante do local, o Toca Bistrô. Sob o comando da chef Deia Lopes, é servido uma culinária inspirada no sul da Bahia, com pratos e comidinhas sazonais para qualquer hora do dia – pense em dadinhos de tapioca com geleia de cacau, peixe na folha de bananeira, moqueca de banana da terra, cocada cremosa e mais, dependendo da estação.
Nos drinks, também figuram ingredientes locais e o fruto dos deuses, inclusive com uma das suas partes mais especiais e limitadas: o mel de cacau (também conhecido como néctar dos deuses, pra combinar), que aparece desde versões com gin e limão até frozens alcoólicos. E não é preciso fazer o tour guiado para tomar um café ou almoçar no Bistrô, aberto ao público geral desde às 9h – mas com recomendação de reserva.
Em tempo: a experiência “Dengo Origem: Do Cacau ao Chocolate” (R$ 160 por adulto) funciona de quarta a sábado, das 10h até às 16h, apenas sob agendamento prévio no site oficial. Na alta temporada, de novembro a março, a fazenda também fica aberta às terças e pode receber grupos privativos, de até 20 pessoas.
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A Costa do Cacau na Selva de Pedra
Para os que (ainda) não conseguem ir até a Bahia, a boa notícia é que é possível ter um gostinho da experiência de Ilhéus em São Paulo. Isso porque desde 2020 a capital paulista tem a Fábrica de Dengo, loja conceito da marca em plena Avenida Faria Lima, que mostra um pouco do processo da feitura do chocolate, junto com experiências gastronômicas.
São 1.500 metros quadrados e quatro andares para os chocólatras, que podem ver de perto uma máquina original de refino e conchagem do doce da década de 1940, além de fazer percurso com guia pelas outras atrações da minifábrica.
No quesito gastronomia, uma cafeteria, um restaurante (o Cabruca, da chef Senae Mattos), um bar de drinks e até uma sorveteria (onde a estrela é o cacuí, espécie de sorbet de mel de cacau com nibs) contemplam todas refeições do dia, do café da manhã ao happy hour, jantar e brunch aos finais de semana. À mesa, ingredientes e pratos da Bahia – como o pão delícia e o bolinho de estudante – e do Brasil, muitos dos quais usam e abusam de várias partes do cacau, a exemplo do mignon com crosta de nibs. E várias sobremesas chocolatudas, como era de se esperar.
“É um espaço que celebra o cacau e o chocolate, mas que também cultua os sabores, a arte e a cultura do país. Nossa intenção é revelar os sabores do Brasil para o brasileiro e para turistas de todo o mundo”, diz Sartoreli.
Além da mini-imersão, também é possível criar sua própria barra. É do gosto do freguês o tipo de chocolate usado e os toppings (como nuts ou cupuaçu cristalizado), junto com uma foto própria para estampar a embalagem.