O táxi para em frente a um muro cinza despretensioso, que quase passa despercebido. Estamos em Barranco, o bairro mais descolado e boêmio de Lima (Peru), a uma quadra do Oceano Pacífico. Um recepcionista me guia para dentro da propriedade por uma horta. Ao fundo, avista-se uma casa com grandes janelas de vidro e um time de garçons a postos. Ao entrar, dou de cara com uma mesa de mármore, onde estão dispostos ingredientes das mais diversas cores, nem todos reconhecíveis à primeira vista. “Estas são algumas das coisas que vocês irão degustar nesta noite”, diz o hostess, apontando para pimentas peruanas, batatas brancas desidratadas, cogumelos em formatos que nunca vi, espinhos de pirarucu, entre outros produtos.
É assim que são recebidas as 35 pessoas por dia (uma vez no almoço e outra no jantar) que conseguem uma disputada reserva no Central, restaurante do casal peruano Virgilio Martínez e Pía León, eleito o melhor do mundo pelo ranking 50 Best, o Oscar da gastronomia, no dia 20 de junho. “[O título] é muito importante para que quem está longe do Peru entenda nossa filosofia de trabalho e a maneira como nos aproximamos da natureza. Para além disso, não nos sentimos melhores nem piores por causa de um prêmio”, disse Martínez à Forbes Brasil dias depois da vitória inédita de um latino em 21 anos da lista.
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São vários os méritos da conquista. No Central, tudo está perfeitamente alinhado para levar os comensais em a uma viagem — vertical — até o núcleo identitário do Peru. Isso porque o menu degustação “Mundo Mater”, com 14 etapas, tira toda a sua inspiração da geografia acidentada do país: cada prato representa uma altitude, de menos 15 metros abaixo do mar até as montanhas, a 4.200 metros acima, em uma jornada de cerca de três horas por uma variedade incrível de ecossistemas nacionais.
Veja alguns dos pratos do restaurante Central:
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Gustavo Vivanco Cacao Chuncho, no qual todas as partes da fruta são usadas, da casca à folha
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Gustavo Vivanco Conexión Amazónica: pirarucu e mandioca
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Ken Motohasi Piraña y Tucupi
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Ken Motohasi Mucilago y Miel
Cacao Chuncho, no qual todas as partes da fruta são usadas, da casca à folha
No salão, sóbrio, mas elegante, com as mesas multicoloridas de pedra polida, todas elas se voltam para onde o show acontece: a cozinha. Completamente espelhada, dali é possível ver o trabalho frenético da equipe de pelo menos 20 profissionais. Assisto de camarote enquanto o time corta, assa e emprata com pinças e sifões o que será servido naquela noite de maio.
Da cozinha, saem autênticas obras de arte. As tintas dos quadros são ingredientes intrinsecamente peruanos, que fazem parte da história e cultura de um país que foi um dos focos de civilização, há cinco mil anos. Pense em uma variedade de milhos e batatas — apenas algumas, já que o Peru tem cerca de 350 tipos do cereal e 3.500 do tubérculo —, folhas de coca, kiwicha (espécie de quinoa andina), chirimoya, cocora (o “‘tomate da Amazônia”’) e até cushuro, alga que já foi chamada de “‘caviar dos Andes’”, extraída de lagoas de alta altitude. Decorações como cabeças de peixe, tentáculos de polvo, plantas e algas in natura, nativas de cada altitude, também chegam à mesa para montar a ambientação a cada parada na jornada de sabores, das águas amazônicas até os desertos e picos andinos.
Tudo é fruto de um trabalho minucioso que Martínez faz há mais de uma década ao lado de sua irmã, Malena. Com o centro de pesquisa Mater, a dupla percorre o país estudando lugares e tradições ancestrais de povos quechua. “Trabalhamos em conjunto com outras disciplinas, como ciências, artes e expressões culturais. É inspirador, porque a aprendizagem está sempre presente. O fato de saber que iremos aprender algo novo se torna uma motivação”, explica o chef. Nestas andanças, o limenho não coleta só insumos, mas também técnicas anciãs de culinária. Uma delas é a huatia, forma inca de preparo de batatas debaixo da terra, com um forno de barro com pedras quentes. O chef adaptou a tradição para a cozinha profissional: as papas nativas são tiradas na hora da camada de argila, diante dos meus olhos.
Beber também faz parte da experiência. Os 14 pratos — 11 salgados e três doces, incluindo uma sobremesa com couve-flor e outra com todas as partes do cacau — podem ser harmonizados com destilados (destaque para o de coentro, Physalis peruano, mel e pimenta), fermentados artesanais e vinhos, alguns microlotes de vinícolas latinas. Um deles é o argentino Vinyes Ocults Gran Malbec, com uma produção de apenas 1.300 garrafas por ano, a maioria delas já reservada para o Central, me explica o sommelier.
Há uma década no ranking de melhores restaurantes do 50 Best, por muito tempo Martínez vendeu o Central como um “‘símbolo do Peru”’. Hoje com um trabalho mais maduro, ele vê seu ofício como representativo não só do seu país natal, mas da América do Sul: “Podemos falar da Cordilheira dos Andes como um todo, da Amazônia sem fronteiras”. Com o peso de comandar o melhor restaurante do mundo, os próximos passos do chef são focar nos estudos — seu sonho atual é ter um centro de pesquisa na Amazônia — e nos empreendimentos que já tem com Pía: o Central e o Kjolle (em Lima), o MIL (nos arredores de Cusco) e o ambicioso MAZ, recém-aberto em Tóquio.
Termino o jantar com uma xícara de chá de muña, a menta dos Andes, pensando: vida longa à cabeça que carrega a coroa. E sorte para quem quer fazer uma reserva no Central a partir de agora, com pelo menos três meses de antecedência.
Veja quais são os melhores restaurantes do mundo em 2023, segundo ranking do 50 Best
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Divulgação 1º lugar: Central – Lima, Peru
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Divulgação 2º lugar: Disfrutar – Barcelona, Espanha
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Divulgação 3º lugar: Diverxo – Madri, Espanha
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Divulgação 4º lugar: Asador Etxebarri – Atxondo, Espanha
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Divulgação 5º lugar: Alchemist – Copenhague, Dinamarca
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Divulgação 6º lugar: Maido – Lima, Peru
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Divulgação 7º lugar: Lido 84 – Gardone Riviera, Itália
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Divulgação 8º lugar: Atomix – Nova York, EUA
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Divulgação 9º lugar: Quintonil – Cidade do México, México
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Divulgação 10º lugar: Table by Bruno Verjus – Paris, França
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Divulgação 11º lugar: Trèsind Studio – Dubai
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Divulgação 12º lugar: A Casa do Porco – São Paulo
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Divulgação 13º lugar: Pujol – Cidade do México, México
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Divulgação 14º lugar: Odette – Singapura
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Divulgação 15º lugar: Le Du – Bangkok, Tailândia
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Divulgação 16º lugar: Reale – Castel di Sangro, Itália
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Divulgação 17º lugar: Gaggan Anand – Bangkok, Tailândia
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Divulgação 18º lugar: Steirereck – Viena, Áustria
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Divulgação 19º lugar: Don Julio – Buenos Aires, Argentina
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Divulgação 20º lugar: Quique Dacosta – Dénia, Espanha
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Divulgação 21º: Den – Tóquio, Japão
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Divulgação 22º: Elkano – Getaria, Espanha
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Divulgação 23º: Kol – Londres, Inglaterra
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Divulgação 24º: Septime – Paris, França
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Divulgação 25º: Belcanto – Lisboa, Portugal
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Divulgação 26º: Schloss Schauenstein –
Fürstenau, Suíça -
Divulgação 27º: Florilège – Tóquio, Japão
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Divulgação 28º: Kjolle – Lima, Peru
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Divulgação 29º: Boragó – Santiago, Chile
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Divulgação 30º: Frantzén – Estocolmo, Suécia
1º lugar: Central – Lima, Peru
Reportagem originalmente publicada na edição 109 da revista Forbes Brasil