A pedido da Forbes Brasil, jornalistas da revista em várias partes do planeta analisam as políticas de saúde e os impactos da pandemia em seus países. E mostram que os erros, os acertos, a incerteza, a solidariedade e a esperança de dias melhores são denominadores mais comuns do que podíamos supor. Os relatos foram escritos ao longo do mês de abril, e alguns dados citados pelos autores podem ter sofrido alteração.
JOVENS EM RISCO
POR MICHEL LOBE EWANE, EDITOR EXECUTIVO DA FORBES AFRIQUE*
No dia 13 de abril, a África somava 14.525 casos confirmados de coronavírus, com 788 mortes e 2.570 pessoas curadas. Ainda que o continente tenha testemunhado um aumento significativo dos casos confirmados nas últimas semanas, o número ainda é pequeno quando comparado a outras partes do mundo. “A rápida evolução da Covid-19 na África é profundamente inquietante e constitui um claro sinal para a ação”, declarou o doutor Matshidiso Moeti, diretor regional da Organização Mundial da Saúde (OMS) da África. “Nós ainda podemos mudar o curso desta pandemia. Os governos devem recorrer a todos os seus recursos e capacidades.”
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As primeiras medidas já foram tomadas. A maior parte dos países impôs medidas de isolamento e praticamente todos fecharam suas fronteiras, aeroportos internacionais e escolas. Vários países declararam Estado de Emergência e impuseram toque de recolher. É o caso de Senegal, da Costa do Marfim e da República Democrática do Congo. As autoridades congolesas decidiram, em um primeiro momento, isolar a capital, Kinshasa, do resto do país – com seus 12 milhões de habitantes, ela era o principal foco de contaminação. Na sequência, sob pressão dos pequenos comerciantes e dos habitantes que não conseguem se sustentar sem trabalhar, o isolamento ficou restrito ao bairro La Gombé, onde se encontram as embaixadas e as sedes das grandes companhias públicas e privadas – e onde vive a alta sociedade. Outros países impuseram um isolamento restrito – como Ruanda e África do Sul, onde as autoridades obrigaram os habitantes a ficar em casa.
Em vários lugares do continente já se observa a transmissão local. “A África pode tirar ensinamentos de países que observaram uma forte diminuição dos casos de Covid-19 intensificando o número de testes, isolando os casos e assegurando um acompanhamento meticuloso dos contágios”, declarou Moeti.
Compreender como a pandemia vai evoluir na África é ainda um trabalho em curso. A resposta deverá ser adaptada ao contexto africano – nossa demografia é muito diferente da que existe na China, na Europa e nos Estados Unidos. Temos a população mais jovem do mundo. Aqui, quase 26 milhões de pessoas convivem com o HIV e mais de 58 milhões de crianças apresentam um retardo de crescimento devido à subnutrição. É possível, portanto, afirmar que os jovens estão mais em risco na África do que em qualquer outra parte do mundo.
No plano terapêutico, várias nações africanas integraram em seus protocolos o uso da cloroquina. É o caso do Marrocos, da República Democrática do Congo e de Camarões. Mas as autoridades de Yaoundé (capital de Camarões) decidiram restringir sua utilização, que agora depende de uma autorização especial entregue pelo Ministério da Saúde.
A solidariedade nacional e internacional é indispensável para que a África seja capaz de enfrentar a pandemia. Jack Ma, o bilionário chinês, foi um dos primeiros a colocar a mão no bolso para oferecer 5,4 milhões de máscaras e 1 milhão de testes. O Badea (Banco Árabe de Desenvolvimento para a África) disponibilizou US$ 100 milhões. A OMS, por seu lado, apoia os governos na detecção precoce dos casos e fornece kits de testes da Covid-19, preparando os técnicos dos laboratórios e reforçando a vigilância nas comunidades. Hoje 45 países africanos já podem efetuar testes; no início da pandemia, eram apenas dois.
*A Forbes Afrique cobre 21 países francófonos do continente
O CHEIRO DA VIDA
POR ALEX MILBERG, DIRETOR E PUBLISHER DA FORBES ARGENTINA
E, de um dia para o outro, os protagonistas de Black Mirror somos nós. Só podemos ver nossos parentes, amigos e colegas por uma tela – é a vida em “modo Zoom”. A quarentena foi estabelecida na Argentina em 20 de março. As fronteiras foram fechadas, voos domésticos e internacionais foram suspensos. O país “apagou”. Medidas drásticas evitaram o que poderia ter sido uma catástrofe se o vírus se espalhasse na província de Buenos Aires, onde reside a maioria de nossos 16 milhões de pobres (40% da população). Em 20 de abril, havia 142 mortos e 3.031 infectados – estima-se que os números sejam muito maiores dada a falta de testes.
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Uma flexibilização da quarentena seria anunciada em 26 de abril. Enquanto isso, aqueles com mais de 70 anos precisam de permissão legal para sair de casa. A intenção é nobre: proteger o grupo mais vulnerável. Mas a medida mais uma vez sacode a tensão entre as políticas de saúde e as liberdades individuais. Em Buenos Aires, não há um aplicativo para acompanhar os movimentos dos cidadãos. Podemos passear com nossos cães, mas não com nossos filhos, presos há 30 dias. Não é permitido caminhar, correr ou se exercitar. Você só pode ir ao supermercado ou à farmácia.
A economia já estava um desastre antes da pandemia. As consequências, agora, são imprevisíveis. O governo pressionou por algumas medidas para sustentar pequenas e médias empresas que não podiam mais pagar os salários de abril. Muito diferente dos US$ 1.200 que Donald Trump deu a cada americano, aqui o valor chegou a US$ 154, e apenas para os mais carentes. O presidente Alberto Fernández, que assumiu o cargo em dezembro, está no auge da popularidade. Ele convocou
os líderes da oposição a se unirem na implementação de políticas públicas. E, com uma média de seis mortes por dia, o sistema de saúde parecia pronto para o pico que nos aguarda em maio. Respiradores e suprimentos foram comprados, e hospitais de emergência foram preparados caso o surto suba com a chegada do frio.
A negociação da dívida externa com o FMI e os detentores de títulos privados entraram em estágio crítico. A proposta do governo é não pagar nada por três anos. Calote? “Já operamos como se estivéssemos inadimplentes”, disse Martín Guzman, discípulo do ganhador do Nobel Joseph Stiglitz, a quem foi confiado o Ministério da Economia.
A redação da Forbes está vazia. Fechamos a edição de abril de nossas casas e, em vez de papel, publicamos apenas online e abrimos o conteúdo gratuitamente para toda a sociedade argentina em quarentena. Embora nosso tráfego online tenha dobrado, adoramos papel – e esperamos voltar a imprimir em maio. Sentimos falta do cheiro da tinta. Sentimos falta do cheiro da vida – como ela era.
NOVA YORK (QUASE) SITIADA
POR KATYA SOLDAK, DIRETORA EDITORIAL DAS EDIÇÕES INTERNACIONAIS DA FORBES MEDIA
Atravesso o Brooklyn Bridge Park, contemplando o magnífico horizonte de Manhattan. À primeira vista, ele parece tão movimentado como de costume. No entanto, olhando mais de perto, não há aquela típica mistura de turistas com sua cacofonia de línguas estrangeiras, fotógrafos com tripés e adolescentes andando de skate. O parque está cheio de praticantes de corrida solitários e pais com calças de ioga empurrando carrinhos duplos e vigiando atentamente as crianças em patinetes. Não há ninguém jogando vôlei na areia à beira-rio. Ninguém fazendo piquenique na área de churrasco. Todos mantêm uma distância amistosa e educada; alguns usam máscaras faciais. E, no entanto, aquilo não parece um distanciamento social nem o isolamento que, de fato, é – decretado pelo prefeito e pelo governador de Nova York, na tentativa de conter a disseminação do coronavírus.
Essa imagem tranquila de corredores e crianças brincando é enganosa. Os cinco distritos da cidade – Brooklyn, Queens, Manhattan, Staten Island e Bronx – foram atingidos duramente pela veloz propagação do vírus. Com o número de mortos aumentando, eles se tornaram o epicentro da pandemia.
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Profissionais da área médica me confirmam a realidade perturbadora descrita nas notícias. Os hospitais não dispõem de equipamentos de proteção suficientes, máscaras de uso único são reutilizadas, não há leitos e respiradores suficientes. Os médicos intubam pacientes sem parar, ajudando-os a respirar. Os hospitais da cidade montaram tendas improvisadas para triagem de contaminados e para servirem de necrotério. A reação tardia do governo à propagação do vírus está custando muitas vidas.
Algo impressionante nos habitantes de Nova York, onde vivo há 17 anos (eu nasci e cresci na Ucrânia soviética, onde acompanhei de perto o desastre de Chernobyl), é como as pessoas se unem – como após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 e depois do devastador furacão Sandy, em 2012.
Hoje, quando escolas, lojas não essenciais, bares e restaurantes estão fechados e muitas pessoas se isolam e tentam seguir as diretrizes de distanciamento social, os nova-iorquinos ajudam uns aos outros, comprando alimentos para vizinhos mais velhos e ajudando na desinfecção de áreas comuns. Profissionais de saúde mental oferecem-se para atender os mais ansiosos e assustados. Nos supermercados e farmácias, é permitida a entrada de algumas pessoas por
vez; os clientes aguardam do lado de fora, mantendo cerca de 2 metros de distância entre si, e os porteiros colocam desinfetante nas mãos de todos.
Além de solidariedade, também há medo e ansiedade. Segundo o Departamento do Trabalho do Estado de Nova York, durante os primeiros dias do isolamento, em algumas partes do estado, houve um aumento de 1.000% nos pedidos de seguro-desemprego: 1,7 milhão de pessoas telefonaram para solicitar o benefício. Mais de 1 milhão de crianças de famílias em dificuldades financeiras dependiam do almoço que recebiam na escola, e que agora está sendo fornecido em pontos de refeições.
A sede da Forbes em Nova Jersey está em trabalho remoto desde a primeira semana de março. Nós nos reorganizamos depressa: toda a empresa – de 400 pessoas – migrou para um ambiente de trabalho virtual. Além de realizar chamadas de vídeo e reuniões diárias, nossas equipes fazem encontros virtuais para as pessoas elevarem o moral umas das outras.
As autoridades da cidade não foram tão ágeis. Durante semanas, quando estava claro que a crise era iminente, 8 milhões de nova-iorquinos se deslocaram usando o metrô lotado, frequentaram restaurantes e bares lotados e também foram e voltaram de aeroportos internacionais lotados, respirando o ar muitas vezes contaminado.
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Na ausência da equipe de pandemias, demitida por Trump em 2018, a reação do governo federal à calamidade foi igualmente demorada. “Temos tudo sob controle”, disse ele em janeiro, quando o vírus já vinha se disseminando. “É uma pessoa que está vindo da China, e está tudo sob controle.” O governo deixou de submeter a população a exames em tempo hábil. Em Nova York, o prefeito Bill De Blasio e o governador Andrew Cuomo intervieram e tentaram ajudar os hospitais a garantir suprimentos e postos de exames adicionais. Continuam tentando.
Enquanto isso, a cidade cogitava não só fechar parques e lugares públicos, mas também proibir as pessoas de sair de casa e até mesmo sair de Nova York. A Big Apple permanecerá confinada.
A MELHOR NOTÍCIA
POR BRIAN CARVALHO, EDITOR DA FORBES ÍNDIA
Os números da Índia parecem baixos em comparação com os epicentros da Covid-19, como EUA, Itália, França e Reino Unido. Até a manhã do dia 13 de abril, tínhamos cerca de 8 mil casos e 308 mortes – que, em um país com uma população de 1,35 bilhão, pode não soar nenhum alarme. Mas em um país onde um em cada seis habitantes urbanos mora em favelas, onde mais de dois terços da população vive em áreas rurais e onde a densidade populacional é altíssima (464 pessoas por quilômetro quadrado, contra uma média global de 51), os maiores desafios são os testes e o rastreamento dos infectados.
Até o fim de semana do dia 11 de abril, a Índia havia testado cerca de 180 mil amostras, das quais 4,7% deram resultado positivo. A média diária de testes era de pouco mais de 13 mil. Em 24 de março, o governo indiano havia declarado uma quarentena de 21 dias em todo o país, embora muitos dos 29 estados já tivessem paralisado as atividades antes disso. A paralisação – depois estendida até o final de abril – era necessária, e muito possivelmente contribuiu para o baixo número de infectados e de mortos pela infecção.
No entanto, as consequências imediatas do anúncio da quarentena foram desastrosas. Estima-se que quase 10% da população da Índia – mais de 120 milhões de pessoas – seja migrante de áreas rurais para mercados de trabalho urbanos. Eles são, em sua maioria, semialfabetizados e semiqualificados, e migram em grande parte para metrópoles que concentram os polos industriais e financeiros.
Quando o governo anunciou o confinamento, não previu o movimento dessa massa de volta para suas cidades. Dezenas de milhares correram para os terminais de ônibus e trens, transformando a estratégia de distanciamento social em pó. Outros milhares que não conseguiram lançar mão desses meios de transporte escolheram caminhar centenas de quilômetros para chegar às suas aldeias. Alguns morreram no caminho.
Nas favelas, o distanciamento social não é uma opção viável quando há de seis a oito pessoas amontoadas em um quarto de 3 x 3 metros. Isso torna a tarefa dos agentes de saúde um desafio descomunal. Considere, por exemplo, Dharavi, a maior favela da Ásia, na qual 850 mil pessoas estão espremidas em apenas 2,4 quilômetros quadrados. O medo da transmissão comunitária ali é muito real.
A Índia agora tem que fazer a difícil escolha que outros países já fizeram, com resultados variados: salvar vidas ou seus meios de subsistência. Grandes indústrias imploraram ao governo para permitir a retomada das atividades – ao menos, 25% de sua capacidade. Isso ajudaria a fazer com que as rodas da economia recomeçassem a se mover. Enquanto isso, as empresas que podem ter seus funcionários trabalhando remotamente – de serviços financeiros a tecnologia da informação – adotaram o modelo home office.
Essa tendência, aliás, era inevitável – com ou sem pandemia – por causa das longas horas de deslocamento, da poluição e da escassez de imóveis nos grandes centros. A tecnologia, na forma de aplicativos e softwares de videoconferência, tornou a transição mais suave para uma força de trabalho majoritariamente jovem. Às organizações cabe o ônus de adaptar suas práticas de RH à tendência do trabalho remoto. Nas indústrias menos adaptáveis (como a de alimentos e bebidas e a de aviação, para citar duas), cortes salariais e demissões são inevitáveis.
A incerteza sobre o quão pior a pandemia pode ficar e quanto tempo ela vai durar tem assombrado governos, investidores, empreendedores, trabalhadores e cidadãos. A melhor notícia, no momento, é que ela não vai durar para sempre.
COBAIAS DE UMA EXPERIÊNCIA
POR DROR SHAIER, EDITOR-CHEFE DA FORBES ISRAEL
Tel Aviv, geralmente uma cidade vibrante 24 horas por dia, está silenciosa. O zumbido dos patinetes elétricos, os sinos das bicicletas e os jovens empreendedores correndo para os espaços de coworking pelo Rothschild Boulevard parecem agora uma memória desbotada de outra vida.
Mas esses serão os primeiros sons que ouviremos novamente quando o governo decidir levantar as limitações impostas aos cidadãos no último mês e reativar a economia. Esses empresários, linhas de frente do setor de alta tecnologia israelense, têm um papel crucial. Eles foram a força motriz da economia na última década, e agora, nesta nova situação, estão em melhor posição para prosperar. A situação sem precedentes imposta pelo surto de Covid-19 mudou muitas coisas em nossas vidas – uma delas é a maneira como usamos a tecnologia. Do Zoom às soluções de e-commerce e fintechs – todas essas inovações se tornaram quase essenciais em nossa vida doméstica. É verdade que não são realmente novas. No entanto, normalmente toda tecnologia evolui do status de inovação promissora para o de serviço útil. Inicialmente, é abraçada pelos early adopters, depois por alguns curiosos da população mais jovem e depois por todos. O isolamento prolongado fez de todos nós, sem ninguém nos perguntar, uma espécie de cobaias em uma grande experiência. Não tivemos tempo para assistir de longe enquanto aqueles bravos usuários precoces experimentavam as novas tecnologias – tivemos que usá-las nós mesmos. E por “nós” quero dizer todos – de crianças do jardim de infância ao vovô e à vovó.
Se pouco tempo atrás a principal questão de um banco digital ou de uma solução de pagamentos online era como fazer uma senhora de 60 anos se sentir confortável para usá-lo, agora – depois de um mês de prática digital – isso é muito menos relevante. O mesmo vale para apps de videoconferência – quem pensou que nossos pais e avós os usariam tão naturalmente, como se fossem sua TV antiga?
A crise também é um teste maravilhoso para as tecnologias de inteligência artificial e big data, particularmente na saúde. Uma startup israelense, a Diagnostic Robotics, cujo cofundador Yonatan Amir é um de nossos Under 30, já está trabalhando com o Ministério da Saúde, fornecendo uma plataforma de avaliação e monitoramento de riscos para a Covid-19.
Então, se pudermos começar a falar sobre o dia depois do coronavírus e pensar em maneiras de gerar crescimento novamente, a alta tecnologia é uma boa direção. Aqui em Israel, depois de termos mais de 10 mil casos, parece que estamos chegando perto do ponto em que poderíamos voltar lentamente ao normal – com a esperança de que possamos ter a economia da “nação startup” de volta aos trilhos.
DESEMPREGO MONUMENTAL
POR MARIUS MICHAILOV, EDITOR DE FOTOGRAFIA DA FORBES ROMÊNIA
O presidente da Romênia, Klaus Iohannis, prorrogou o Estado de Emergência em todo o território romeno por mais 30 dias, sublinhando que “o perigo não passou”. Desde que a emergência foi declarada pela primeira vez, em meados de março, o número de infecções por coronavírus subiu para 7.700, quase 400 mortes e cerca de 1.500 recuperações.
Segundo o governo, o PIB da Romênia contrairá 1,9% este ano; já o FMI calcula que nossa retração será da ordem de 5% em 2020. A taxa de desemprego subiu para cerca de 25% da força de trabalho no primeiro mês do Estado de Emergência. Por fim, e não menos preocupante, a Romênia tem uma das menores proporções de testes por habitantes de toda a Europa.
O FIM DA CIVILIZAÇÃO
POR NIKOLAYUSKOV, DIRETOR EDITORIAL DA FORBES RÚSSIA
Estamos enlouquecidos na cobertura de todos esses eventos [Nikolay está praticamente sozinho na redação; quase todos os 150 colaboradores da Forbes Rússia estão trabalhando remotamente desde o fim de março]. O que posso dizer resumidamente é que as medidas do governo não foram suficientes. Empresas estão morrendo, o desemprego está aumentando. A percepção geral é de que as medidas no âmbito da saúde, como a quarentena, são mais danosas que a doença propriamente dita. E que, se governos dos séculos 14 e 15 tivessem enfrentado a Peste Negra da mesma forma, a civilização teria desaparecido.
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Mas o povo russo é muito paciente. A maioria está respeitando as regras de isolamento – Moscou parece absolutamente vazia. Por outro lado, sei que alguns estão encarando isso como férias e fazendo seus churrascos com amigos. Eu continuo vindo à redação, mas cancelei todos os meus compromissos sociais. Não é hora de festa.
MULTA DE € 2.000
POR ALINA LASTOVSKA, EDITORA-CHEFE DA FORBES LETÔNIA
O Estado de Emergência foi declarado na Letônia de 13 de março a 14 de abril, quando então o governo decidiu prorrogar sua duração até 12 de maio. As escolas estão fechadas (o ensino é organizado remotamente), eventos públicos foram cancelados e reuniões privadas estão proibidas. Atividades esportivas indoor e cultos religiosos também não são permitidos. Os habitantes foram orientados a ficar em casa. O governo letão também suspendeu o transporte internacional de passageiros. Os cidadãos da União Europeia podem cruzar o território da Letônia uma vez, em pontos específicos da fronteira, para retornar aos seus países.
Os moradores têm respeitado essas medidas, mas a polícia também tem o direito de verificar se há violações das restrições. A multa para quem não cumprir as diretrizes varia de € 10 a € 2.000. Parte da sociedade se posiciona contra tais decisões – historicamente, a confiança popular em políticos nunca foi muito alta em nosso país. Há também aqueles que não acham que o vírus seja uma ameaça e continuam com suas atividades cotidianas, mas são minoria.
O número de infectados não está subindo muito rápido – em 21 de abril, tínhamos confirmados 748 casos, 133 recuperados e nove mortes. Números pequenos para uma população pequena: a Letônia tem 1,9 milhão de habitantes. Já é possível observar, no entanto, um golpe significativo na economia do país. A produção caiu e uma proporção considerável de trabalhadores perdeu seus empregos. Para minimizar esses efeitos, as empresas terão € 4 bilhões em programas governamentais para ajudá-las a sobreviver. O resultado de tudo isso ainda está para ser visto.
IMPACIÊNCIA NO AR
POR MARCO BARLASSINA, EDITOR-CHEFE DA FORBES ITÁLIA
Passamos de 170 mil infectados, um triste recorde de vítimas e o fechamento da grande maioria das atividades produtivas. Os efeitos da Covid na economia serão profundos. O setor turístico (13% do PIB) pode ficar travado por meses. O mesmo vale para o setor manufatureiro. Os eventos com a presença de público não devem recomeçar antes de setembro. A moda, por sua vez, deve ser um dos primeiros setores a retomar as atividades.
As operações da Forbes Itália, com exceção dos eventos (que foram cancelados em todos os níveis em todo o país), continuam graças ao uso generalizado do smart working pela equipe editorial e demais áreas. Nossos escritórios estão fechados, mas todo mundo está trabalhando em casa (a revista sai regularmente nas bancas e para assinantes). Nosso site e a newsletter diária estão ajudando os italianos a entender o momento e vislumbrar cenários futuros.
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O governo tem dado apoio às empresas que se viram em déficit de liquidez e também para pessoas físicas, mas a população está naturalmente preocupada. E, após o pico do contágio e depois de um mês e meio de isolamento forçado, há certa impaciência no ar – e, acima de tudo, há uma forte necessidade de reativar as empresas para evitar que toda a economia nacional colapse. Essa fase está prevista para começar em maio. Será o reinício da Itália?
DIVISÃO E INCREDULIDADE
POR URIEL NAUM ÁVILA, COORDENADOR DA FORBES LATAM
De 29 de fevereiro a 14 de abril, as pessoas infectadas pela Covid-19 totalizavam oficialmente 5.377 – uma média de 117 infectados por dia. As mortes chegavam a cerca de 400. Muito ou pouco?
Se compararmos esses números com os de países como Espanha ou Estados Unidos, podemos dizer que são poucos. Mas há um problema: nem todos acreditam nas cifras dadas pelo governo do presidente Andrés Manuel López Obrador e nem todos consideram que ele fez o que era certo para mitigar o contágio e evitar uma crise econômica – que, segundo analistas, estaria levando o México a um declínio em seu PIB de até 6% ou mais em 2020.
O governo do México talvez seja o que mais está discutindo a pandemia. O presidente dá uma palestra diária todas as manhãs aos jornalistas sobre vários temas da vida nacional, com ênfase na Covid-19; às 19h, o subsecretário de Prevenção e Promoção da Saúde, Hugo López-Gatell, oferece outro informe da situação no dia e que medidas estão sendo tomadas.
Então, de onde vem a incredulidade que citei no título? Existem duas razões pelas quais um importante segmento da população perdeu a confiança no governo. Em primeiro lugar, o próprio Obrador parecia zombar da pandemia, que já começava a fazer vítimas em outros países, considerando que não era hora de apertar as medidas para contê-la no México. Em segundo lugar, a oposição, representada por políticos, empresários e alguns jornalistas, tem aproveitado essa e outras situações de crise midiática para denegrir tudo o que este governo faz. Um dos aspectos “revelados” nesse cenário foi a precariedade do sistema público de saúde mexicano. Em várias províncias, médicos e enfermeiros deixaram claro que não têm as ferramentas mínimas, como luvas, para tratar os pacientes. Ora, a deterioração no sistema de saúde do país se arrasta há várias administrações.
Na questão econômica não tem sido diferente. Desde o início de seu governo, Obrador foi categórico ao dizer que apoiaria principalmente as pequenas empresas, e nesta pandemia seu discurso permaneceu nessa linha. A concessão de crédito – insignificante – a trabalhadores formais, informais e microempresas fez parte de sua proposta
anticíclica, além de aumento na austeridade no funcionalismo público, eliminando bônus e reduzindo salários de funcionários de alto nível. De seu lado, grandes consórcios e grupos tacharam o atual governo como “altamente destrutivo”.
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Os sindicatos colocaram na mesa a possibilidade de o México contrair dívida externa, algo que o presidente recusou. Outras propostas foram fornecer apoio às empresas por meio de recursos fiscais, acelerar pagamentos pendentes a determinados fornecedores e multiplicar os projetos público-privados.
O fechamento temporário de escritórios, fábricas e lojas continua a gerar uma perspectiva negativa para o futuro imediato da economia de nosso país – que já estava se deteriorando antes disso. Nesse aspecto, a Covid-19 foi considerada não só uma ameaça à saúde, mas sim mais uma zona de combate em um país dividido, onde o que está em disputa, mais que tudo, são interesses e ideologias.
PARA NÃO MORRER DA CURA
POR LUÍS LEITÃO, DIRETOR-EXECUTIVO DA FORBES PORTUGAL
Portugal vive sob o efeito da Covid-19 desde o início de março. Os primeiros casos surgiram no dia 2, e logo a população ficou em alerta. Muitas empresas mostraram-se proativas na tentativa de evitar a propagação do vírus entre seus trabalhadores: fecharam suas instalações e pediram aos colaboradores para trabalharem em regime remoto. Nas primeiras semanas de março, começamos a ver pessoas usando máscaras e mantendo distanciamento, médicos e enfermeiros evitando o contato físico com doentes. Tudo isso antes de o governo declarar Estado de Alerta, em 16 de março, obrigando o fechamento de escolas, bares e restaurantes e impondo restrição à circulação.
A proatividade dos cidadãos e dos empresários foi notável, dado que muitos especialistas e até líderes políticos, como Francisco George (presidente da Cruz Vermelha Portuguesa e ex-diretor-geral da Saúde) e até o próprio presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tentaram menosprezar a situação em fevereiro, diante dos primeiros casos suspeitos.
O norte do país tem sido a zona mais afetada, com particular foco na área metropolitana do Porto – uma região empresarial e industrial, onde está sediada a indústria têxtil e calçadista de nosso país.
Apesar da boa resposta dos portugueses nas práticas de distanciamento e isolamento social, o governo acabou por decretar o Estado de Emergência. Seu efeito começou a ter resultados visíveis desde o início de abril, com a taxa de crescimento diária de novos casos infectados registrando valores abaixo dos 10%. A população tem sabido respeitar as indicações da Direção-Geral da Saúde, procurando sair de casa apenas em situações excepcionais (compra de alimentos e remédios, ida ao hospital etc.). Os raros casos de infração são cometidos notadamente por parte da população mais idosa, que tenta manter a mesma rotina de antes da pandemia.
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O confinamento social fez também despertar a conhecida solidariedade do povo português. Em bairros de Lisboa ocupados por uma população mais idosa, grupos de jovens se voluntariaram para fazer as compras dos mais velhos; empresas e pessoas físicas doaram máscaras e respiradores a centros hospitalares; e fábricas de bebidas passaram a produzir álcool para doação.
Hoje (escrevo este texto no dia 15 de abril) Portugal conta com mais de 18 mil casos confirmados, 599 óbitos, 383 recuperados e mais de 150 mil casos suspeitos. E, apesar de indícios apontarem para um controle da propagação, o presidente (o mesmo que havia desdenhado da pandemia em fevereiro) sinalizou com a prorrogação do Estado de Emergência até maio.
São muitas as vozes que anunciam que o pico da pandemia já passou, e outras tantas se esforçam para que o governo comece a abrir as portas da economia – que se encontra profundamente travada. Segundo pesquisa realizada pelo Banco de Portugal e pelo Instituto Nacional de Estatística entre 6 e 10 de abril junto ao empresariado português, 82% das empresas se mantinham em produção ou em funcionamento, mesmo que parcialmente, 16% encontravam-se temporariamente fechadas e 2% assinalaram que tinham encerrado definitivamente. O levantamento revela ainda que 37% das empresas reportaram uma redução superior a 50% do volume de negócios, e 26% tiveram redução superior a 50% do número trabalhadores.
O governo português tem procurado levar avante uma série de medidas para apoiar o emprego e as empresas, como moratória para contratos de crédito e adiamento de impostos e contribuições. Os empresários julgam-nas insuficientes. Até o momento, o pacote de ajuda estatal já supera 13 bilhões de euros (cerca de 6% do PIB) e dificilmente vai parar por aí.
Em seu relatório The Great Lockdown, o FMI estima que Portugal venha a ter um déficit de 7,1% (depois de, em 2019, ter fechado com um excedente orçamentário de 0,2%, o primeiro da sua história democrática); a dívida pública deve alcançar 135% do PIB; a taxa de desemprego vai disparar para 13,9% (atualmente é de 6,5%); e o PIB vai afundar 8% (mas deve recuperar 5% em 2021).
Além de lamentar todas as mortes, na perspectiva estrita da economia serão muitas as empresas que fecharão as portas. Por isso, com a curva da taxa de infecção cada vez mais estável, é importante pensar no pós-pandemia. É provável que alguns negócios reabram suas portas e a circulação de pessoas seja mais abrangente, salvaguardando-se o respeito pelas medidas de segurança. Caso contrário, corremos o risco de, se não morrermos da doença, morrermos da cura.
*Edição José Vicente Bernardo
Reportagem publicada na edição 77, lançada em maio de 2020
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