Meninas já bebem mais que os meninos. Esta foi uma das tendências apresentadas pelo Álcool e Saúde dos Brasileiros – Panorama 2022, que reúne dados de diferentes estudos brasileiros e mundiais e que é analisado pela equipe de especialistas do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA).
O fenômeno não é exclusivo do Brasil, mas mundial. Não só é bem alta a parcela de adolescentes entre 13 a 17 anos experimentando álcool pela primeira vez (63,3%), mas o batismo de álcool entre as meninas afeta uma fração ainda maior delas, praticamente 67%, enquanto entre os meninos a taxa foi pouco menos do que 60%.
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O dado interessante – e preocupante – é que a experimentação de álcool entre as meninas cresceu de 2015 para cá. E não só isso: cresceu também, desde 2015, a percentagem de meninas que provaram a sua primeira bebida alcoólica antes dos 14 anos de idade (de 29% para 32%).
Nós, que trabalhamos com dependentes de álcool, sabemos que quanto mais cedo se começa a beber, maiores as chances de no futuro se desenvolver transtorno pelo uso do álcool, do qual a dependência está, digamos assim, no extremo mais grave.
Outro dado preocupante é onde esses adolescentes têm conseguido ter acesso ao álcool. Quase 30% bebem em festas, seguido pela compra em supermercado, bar ou padaria (26,8%). Isso mostra que esses meninos e meninas têm tido acesso relativamente fácil a bebidas.
Por que as meninas estão bebendo mais cedo e mais que os garotos? Essa é uma pergunta que movimenta muitos especialistas. Ninguém tem uma resposta definitiva, mas temos algumas hipóteses:
1. Meninas amadurecem mais cedo, e o álcool entra como uma espécie de referendo a essa atitude que essas garotas consideram mais “adulta”;
2. Assim como acontece com uma boa parcela dos adultos, muitas adolescentes também usam o álcool como uma muleta, para “ajudar” a dar conta de problemas ou situações que elas enfrentam – desde escola a namorados, relações familiares, perspectivas de futuro etc;
3. Dados mundiais dão conta do crescimento do estresse entre os adolescentes. Questões de gênero e identidade sexual, se dar bem na escola, ter de lidar com as perspectivas da aceleração das mudanças climáticas e da precarização do trabalho (fenômeno também mundial), a pressão e o bullying dos colegas/amigos nas redes sociais são algumas coisas que essas meninas (meninos também) têm de lidar diariamente. O álcool é usado como “ajuda” para enfrentar essas questões.
Muitos adultos subestimam o estresse sentido pelos filhos. À primeira vista, pode parecer trivial quando comparado com os problemas enfrentados por eles. Mas o estresse e a ansiedade são algo muito real para essas adolescentes. E os pais têm de estar atentos, porque essas garotas podem estar usando o álcool, da mesma forma que muitos adultos: como uma válvula de escape.
Se você quiser conhecer todos os resultados desse trabalho, basta acessar este link.
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Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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