Uma pesquisa mundial divulgada no segundo semestre de 2022 apontou algo que, para nós, médicos, já não é tão surpreendente: quase a metade dos brasileiros considera a saúde mental um dos principais problemas de saúde do país. A preocupação com essas questões supera até o medo do câncer.
Não por acaso, o número de pessoas que hoje tem a saúde mental em seu foco dobrou nos últimos quatro anos. Digo não por acaso porque esse período contempla o período mais difícil da pandemia. A Covid escancarou o tema. Todo mundo viu que todo mundo, todo mundo mesmo, tem algum problema nessa área.
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Evidentemente, não foram todos os que puderam se recolher, mas foi uma parcela significativa que teve que conviver com esse medo difuso que chamamos de ansiedade. Aqueles que puderam ficar em isolamento, se assustaram em ver seus companheiros, filhos e pais penando para dormir, estressados ao extremo, enfim…
O susto foi grande porque, antes de a Covid aparecer, geralmente uma família se reunia apenas para o café da manhã e para o jantar. Cada membro tocava a sua vida durante o dia. Ficava mais difícil se dar conta de questões como consumo exagerado de álcool, por exemplo. É importante lembrar que não são todas as pessoas que bebem e ficam embriagadas facilmente.
Entre os psiquiatras, circula há muitos e muitos anos uma piada que diz que existe uma vala na frente do consultório que leva ao Japão. Até pouco antes da pandemia, colegas nos encaminhavam pacientes, mas eles nunca chegavam ao consultório. “Caíam na vala”. Pessoas nos telefonavam para agendar uma consulta e, no dia marcado, “caíam na vala”. A brincadeira diz muito sobre como os brasileiros, de maneira geral, encaravam a questão de saúde mental. Simplesmente fugiam desse assunto.
O levantamento evidencia a mudança de perspectiva que houve com a chegada do novo coronavírus. As pessoas se conscientizaram de que, sim, é possível trocar ideias sobre saúde mental com colegas e com a família; que dá para marcar um médico para conversar sobre dificuldade para dormir ou exagero no uso de ansiolíticos, sem o risco de ele achar que elas são “loucas”, que dá para cuidar da nossa saúde mental até sem precisarmos ir a um especialista. Basta, por exemplo, praticar uma atividade física, reservar um tempo para o lazer, curtir os amigos, amar, transar.
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Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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