Muitas vezes, vejo postagens intituladas “Uma carta para mim mesmo aos ‘x’ anos”. São escritos de pessoas a elas mesmas, geralmente quando já passaram dessa idade e desejam, imaginariamente, dizer coisas a suas versões mais jovens.
Pois eu não tenho essa vontade. O meu desejo, agora que chego aos 70 anos daqui a uma semana, é dizer a mim mesmo: “Mas já 70 anos? Passou rápido demais, tão rápido que eu tenho de lembrar a mim mesmo que não tenho mais 30 anos, idade que muitas vezes sinto ainda ter.
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O que eu aprendi nesse tempo todo? Primeiro, que o esporte foi um grande amigo. Inicialmente, foi uma ferramenta terapêutica da qual eu fazia uso pessoal (porque eu já fui uma pessoa ansiosa), mas, mais tarde, um poderoso instrumento que aprendi a usar em pessoas com as mais diversas questões de saúde mental: de ansiedade e depressão à dependência química.
Também aprendi que sempre vale a pena pensar fora da caixinha, ainda que alguém tente demovê-lo disso. Quando estava fazendo residência em Psiquiatria, nos anos 80, não havia sub-especializações nessa área da Medicina. O que havia era a chamada Psiquiatria Geral. Todos tinham de saber um pouco sobre tudo.
Foi quando eu decidi ousar. Eu me perguntava: “Mas por que tem de ser assim? Quer saber? Vou estudar um tema só”. E foi assim que acabei me tornando um especialista em dependência de álcool e drogas, algo que não havia naquela época no Brasil. Corri riscos, sim, mas levei esse projeto pessoal à frente.
Outro aprendizado foi: “esteja genuinamente presente”. Sempre fui um profissional que quis abraçar muitas coisas diferentes. Entretanto, isso me deixava com uma pitada de culpa por não estar tão próximo dos meus filhos quanto gostaria.
Hoje entendo que não se trata de estar junto de acordo com um tempo cronológico, mas de compartilhar um tempo de qualidade. Ainda que meu dia a dia seja muito corrido, quando estou com minha família, estou verdadeiramente lá.
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Por fim, ame. Ame as pessoas com que você se associa, com quem você divide a vida, com quem você se conecta e com quem você aprende. Eu amei muito e continuo amando. Sei, também, que fui e sou amado.
O Arthur que chega aos 70 anos sabe que uma hora dessas a cabeça vai ficar mais lenta. Mas, enquanto esse dia não chega, continua a acordar todos os dias 4h30 da manhã animadão, feliz, leve, com a cabeça fervilhando de ideias e de projetos para colocar em prática, pronto para dar uma volta com seu quinto “filho”, o Franc Guerra, um golden retriever que, com o passar do tempo, tornou-se um verdadeiro companheiro de atividade física vida e de vida.
Outro dia, uma amiga disse para mim que não vê a minha vida como uma roda-gigante, daquelas que você entra no carrinho, sobe, mas depois, ao voltar ao ponto inicial, sai da cadeirinha. Ela vê a minha vida como uma roda-gigante que engata em uma montanha-russa. Quando todo mundo pensava que eu iria sair desse brinquedo, eis que eu pego um lugar no brinquedo mais emocionante do parque de diversões, do qual saímos com o rosto corado, o coração batendo forte e reenergizados. Acho que ela tem razão. É assim que sinto a minha vida aos 70 anos.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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