Sempre nadei e continuo nadando muito mal. Comecei a nadar bem tarde na vida, para poder iniciar no triatlo. Mesmo com todo o treino do mundo, tenho de admitir que natação não é o meu forte. Muitos conhecidos brincam comigo dizendo que eu não nado, apenas sobrevivo na água.
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Brincadeiras à parte, gostaria de contar a história de dois amigos triatletas extremamente bem capacitados. Um deles, ao contrário de mim, que divido o meu dia entre vários compromissos profissionais diferentes, só atendia em consultório no período da manhã e, à tarde, podia dedicar-se ao aperfeiçoamento das três disciplinas esportivas que compõem o triatlo: natação, bike e corrida.
Esses amigos eram tão competentes no esporte que por vezes tinha de engolir o meu orgulho, sabendo que ficaria muito atrás deles na natação.
Eis que, em duas ocasiões diferentes, fui pego de surpresa por eles. Em uma delas, me deparo com o meu colega sentado na praia depois de ter cumprido a primeira de duas etapas de natação de uma prova. Muito surpreso, indaguei a ele o que havia acontecido. Ele simplesmente respondeu: “Hoje não deu; não consigo mais”.
Na outra oportunidade, eu, que costumeiramente estava entre os últimos a chegar na prova de natação, vejo o outro dos meus camaradas abraçado a um barquinho de apoio no meio da água. Como assim, pergunto a ele? Ao que ele devolve: “Quebrei” (quebrar é a gíria dos atletas para o momento em que o corpo não é mais capaz de seguir naquele esporte).
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Pode ter sido coincidência – ou de fato me senti estimulado a dar ainda mais de mim porque eles estavam fora do páreo -, mas nessas duas competições, eu bati o meu recorde pessoal na natação.
O que eu pretendo ilustrar com essa historinha é que todos nós temos as nossas fraquezas e fortalezas. É claro que podemos (e devemos) buscar melhorar os nossos pontos sensíveis. Entretanto, mesmo que busquemos a excelência de nossas competências, mesmo que tenhamos a certeza de quais os nossos pontos fortes, estamos expostos ao erro e à falha.
Ou, então, à constatação de que não estávamos tão preparados ou de que o desafio era maior do que imaginávamos. Tudo bem desistir ao percebermos que chegamos ao nosso limite. Isso é falhar de maneira inteligente.
E que, mesmo aqueles com a clara consciência de seus pontos fracos, como eu, podem, com vontade e esforço, bater seus “recordes pessoais”.
Esta é uma grande lição para a nossa saúde mental. Que o bom guarda em si algo de ruim, que o ruim não é absoluto, pois ele tem em si algo de bom. O mesmo vale para nós: não somos 100% infalíveis e invulneráveis (duvide de cursos que proponham transformar você em uma máquina supereficaz e imune a falhas) nem totalmente incapazes (embora muitas vezes nossa cabeça jogue mesmo contra a gente, nos fazendo crer isso). Somos tudo isso ao mesmo tempo e agora.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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