Se você acompanha o noticiário, deve ter percebido que nas últimas semanas não há um dia em que não seja publicada uma notícia sobre as apostas online. Tratei disso, inclusive, há muito pouco tempo nesta coluna, mas decidi voltar ao assunto porque o que estamos vendo no mundo todo são autoridades preocupadas com o impacto das bets no orçamento doméstico e na saúde dos cidadãos e das famílias.
Começo dizendo que apostar não está necessariamente ligado à falta de saúde. Desde crianças apostamos com nossos amigos, entre outras coisas, que time será campeão brasileiro ou do mundo. Muitas atividades de férias envolvem jogos de cartas, nos quais se apostam de feijões a pequenas quantidades de dinheiro.
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O que vemos agora, entretanto, é algo completamente diferente. O modelo de negócio dessas plataformas se aproveitou do fato de que o smartphone foi incorporado de maneira quase irreversível ao dia a dia das pessoas para se apresentarem com seus anúncios chamativos e que, quase sempre, têm entre seus garotos-propaganda ídolos da música e do esporte: personalidades muito bem-sucedidas que são referências para adultos e crianças.
Não há uma página web que visitemos em que não surja uma ou mais janelas com marketing agressivo chamando a nossa atenção. Com tanta oferta, muitos resolvem arriscar-se ali. De tanto apostarem, uma parte dessas pessoas desenvolve o que chamamos de transtorno do jogo compulsivo, ou seja, uma forte dependência a essas apostas, até porque, vez ou outra, são recompensados com alguma quantidade de dinheiro.
A questão é que muita gente, especialmente aqueles que estão em dificuldades financeiras, tem trocado os chamados investimentos tradicionais (de poupança às ações) para apostarem online, como mostrou um estudo americano recente.
Segundo a pesquisa, para cada dólar investido em uma aposta esportiva, os investimentos líquidos de uma família caem em US$ 2. Isso quer dizer que muitas pessoas estão desviando dinheiro de investimentos sólidos para o que deveria ser um produto de entretenimento.
Com dívidas se acumulando e a disponibilidade de crédito nos bancos caindo, muitos se veem presos em uma roda viva de estresse financeiro ao deixarem o orçamento pessoal ou familiar comprometido, o que pode chegar ao ponto de elas entrarem em burnout (tema sobre o qual também escrevi recentemente).
Além disso, tudo o que se refere a gastos monetários sempre vem acompanhado de um julgamento moral, positivo ou negativo. Diferentemente de quem tem problemas com álcool, por exemplo, quem consome compulsivamente as suas finanças em apostas online não é considerado um doente, mas uma pessoa ruim, que está destruindo a sua família.
Ainda deveremos falar muito sobre esse tema nos próximos anos. Mas fica aqui uma dica: procure identificar se algum gatilho faz você querer apostar e converse com alguém sobre isso, de preferência, um profissional de saúde.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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