Outro dia, ouvi em uma reportagem no rádio que o número de pedidos de afastamento por burnout cresceram 1000% em 10 anos (entre 2014 e 2023). Esse índice muito fora da normalidade acende um alerta: o de que a nossa relação com a produtividade está tóxica e está nos deixando doentes.
Vivemos em um mundo que parece glorificar o excesso de trabalho, como se ficar 10, 12 horas na organização em que você trabalha o fizesse melhor profissional do que o seu colega que consegue se desligar quando chega o fim do expediente. E esta é uma armadilha perigosa.
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Aprendemos que ser mais produtivo é ser melhor funcionário, empresário, marido ou esposa, pai ou mãe e que tudo o que você a mais fizer importa. Será mesmo? É claro que todas as coisas que realizamos nos nossos dias importam, mas não no mesmo grau e não ao mesmo tempo.
Ao pensarmos que nem tudo na vida tem o mesmo peso, conseguimos fazer uma listinha mental que nos permite priorizar o que é mais importante naquele momento e o que pode ser deixado para o dia seguinte. Esta é outra armadilha perigosa envolvida na ideia de produtividade: a de que tudo tem de ser feito ao mesmo tempo e agora.
Será que a quantidade de coisas que realizamos importa mais do que como realizamos e do que a qualidade do que realizamos? Mais importante do que a ideia de produtividade talvez seja pensar na ideia de eficiência, ou seja, a capacidade de realizar bem no tempo que lhe é dado dispendendo menos energia.
Ser produtivo, eu diria, é ser capaz de fazer as coisas certas levando em conta a sua capacidade de realizá-las. Não podemos tirar a nós mesmos dessa equação.
Vou dar um exemplo: alguns de meus colegas médicos atendem até as 22h muito bem; sentem-se realizados por fazerem isso e têm a consciência de que entregam um trabalho de excelente qualidade.
Eu, que acordo todos os dias muito cedo, jamais seria produtivo se tentasse fazer o mesmo, porque após as 19h já estou muito cansado. Se considerássemos apenas o número de pacientes atendidos por dia, talvez eu fosse taxado como um médico pouco produtivo.
Mas ao me colocar na equação, ao considerar a minha competência de entregar com excelência o meu trabalho, estou sendo tão produtivo quanto meus colegas.
Vale refletirmos: será que estar permanentemente ocupado significa ser produtivo? Ou será que, quando olhamos para uma outra pessoa que cremos ser mais produtiva do que nós, estamos olhando apenas um instantâneo do que está acontecendo com ela?
A verdade é que, a maior parte das vezes, não temos noção de se essa pessoa está realizando algo acima da sua capacidade de fazê-lo ou não. Pegamos apenas o número “bruto”.
Cabe a nós mesmos, na imensa maioria das vezes, colocar limites. É o autoconhecimento que nos faz avaliar a energia que temos para realizar cada uma das tarefas que nos é dada, e priorizá-las de acordo com isso.
Outro ponto – e isso vale para quem trabalha em organizações que privilegiam metas: é importante saber que o descanso faz parte do trabalho tanto quanto faz parte dos treinos. Sem ele, não rendemos. Gosto de reforçar esse ponto porque ele costuma ser negligenciado. Ter momentos de lazer e dormir bem são essenciais quando falamos em produtividade e eficiência.
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Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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