
Em julho de 2018, a Tilray, empresa canadense de cannabis, abriu seu capital na Nasdaq, tornando-se uma das primeiras companhias do setor a ser listada em uma grande bolsa dos Estados Unidos. No primeiro dia de negociação, as ações subiram 35% e a Tilray se tornou a primeira queridinha entre os papéis do setor de maconha.
Alguns meses depois, a Tilray atingiu US$ 214 (R$ 1.208 na cotação atual) por ação, avaliando a startup — que tinha US$ 27,5 milhões (R$ 155,3 milhões) em receita na época — em US$ 17 bilhões (R$ 96 bilhões), um recorde histórico. Mas, desde então, as ações vêm caindo drasticamente. Após sete anos sem avanços significativos em nível federal para a legalização da maconha nos EUA e com a concorrência acirrada no pequeno mercado canadense, o preço das ações da Tilray caiu para menos de US$ 1 (R$ 5,65), sendo negociado recentemente a US$ 0,49 (R$ 2,77). No mês passado, a Nasdaq enviou à empresa um aviso de possível deslistagem.
Irwin Simon, que se tornou CEO da Tilray em 2021 após a fusão com a também canadense Aphria, empresa canadense produtora de cannabis, onde ele já era CEO, sabe que as ações de sua empresa estão em situação crítica — e acredita ter um plano para reverter isso. Simon, que liderou a aquisição de mais de uma dúzia de marcas de cervejas artesanais e destilados nos últimos anos, afirma que “não está nervoso” com a ameaça de deslistagem, pois espera que os acionistas aprovem, em julho, um desdobramento reverso das ações que elevaria novamente o valor para mais de US$ 1.
“Temos grandes marcas, bons negócios, um balanço sólido, uma organização realmente boa, mas, sim, tenho uma ação ruim”, diz Simon, sentado em seu escritório em Midtown Manhattan. “A boa notícia é que temos opções. E com certeza não somos a empresa de cannabis mais feia, nem a cervejaria mais feia do mercado. Estou tentando entender, com a estratégia atual, quais outras oportunidades existem para nós”.
Simon, que fundou o Hain Celestial Group em 1993 — uma empresa de alimentos orgânicos que ele levou à bolsa e transformou em um negócio com US$ 3 bilhões (R$ 16,9 bilhões) em vendas anuais — conduziu a fusão da Aphria com a Tilray há quatro anos.
O acordo, que avaliou a nova companhia em quase US$ 4 bilhões (R$ 22,6 bilhões), foi estruturado como uma aquisição reversa da Tilray — cada acionista da Aphria recebeu aproximadamente 0,8 ação da Tilray (avaliada em US$ 6,20 na época) para cada ação da Aphria que possuía.
Apesar das dificuldades no mercado, a Tilray continua sendo uma das maiores produtoras de cannabis do mundo, cultivando cerca de 170 toneladas de maconha por ano, vendidas em 20 países, do Canadá à Europa e Austrália. Nos EUA, não pode vender por causa da legislação federal.
Após adquirir oito cervejarias artesanais da Anheuser-Busch e quatro da Molson Coors, que estão entre as maiores do mundo, a empresa também se tornou a quarta maior cervejaria artesanal dos EUA, com marcas regionais como Montauk Brewing (Nova York), SweetWater (Geórgia) e Breckenridge Brewery (Colorado). A Tilray também é dona da destilaria de uísque Breckenridge, com sede no Colorado.
A receita total da empresa foi de US$ 788 milhões (R$ 4,4 bilhões) no ano passado, mas, ainda assim, a Tilray registrou um prejuízo de US$ 222 milhões (R$ 1,2 bilhão). Embora esteja perdendo dinheiro, possui US$ 230 milhões (R$ 1,3 bilhão) em caixa e reduziu as perdas que, em 2023, chegaram a US$ 1,4 bilhão (R$ 7,9 bilhões).
Graças à série de aquisições lideradas por Simon — estratégia motivada, segundo ele, pelo medo de ser uma empresa de “aposta única” — a Tilray deixou de ser apenas uma empresa de cannabis. Ele franze a testa ao ouvir a palavra “maconha” e destaca o negócio de cannabis medicinal da Tilray, que gera US$ 80 milhões (R$ 452 milhões) em vendas anuais. Somando com o mercado recreativo, a empresa fatura US$ 275 milhões (R$ 1,5 bilhão) com cannabis.
Ele quer que os investidores enxerguem a Tilray, que obtém 60% de sua receita com cannabis e cerveja, como uma companhia diversificada de produtos farmacêuticos e bens de consumo, focada em “reunir pessoas para bons momentos”.
No ano passado, 35% da receita da Tilray veio da cannabis, enquanto 25% veio da divisão de bebidas alcoólicas. A empresa também opera uma unidade de distribuição farmacêutica na Europa, que entrega a erva medicinal e outros medicamentos a farmácias e representa 33% de sua receita. A divisão de bem-estar, como a marca Manitoba Harvest, empresa canadense adquirida pela Tilray e especializada na produção de alimentos à base de cânhamo, responde por cerca de 7% da receita da companhia.
A empresa sofre, em parte, porque o mercado canadense de cannabis é pequeno — US$ 4 bilhões (R$ 22,7 bilhões) por ano, muito aquém dos US$ 32 bilhões (R$ 180 bilhões) do mercado legal dos EUA —, saturado de concorrência e com altos impostos. A Tilray é a maior empresa do setor no Canadá em receita, mas detém apenas cerca de 10% do mercado.
Com muitas empresas produzindo cannabis em excesso, os preços despencaram e as margens evaporaram. Outro fator é a estagnação da reforma federal da cannabis nos EUA, o que tem sido devastador para a Tilray e outras empresas canadenses. O plano sempre foi expandir para o país vizinho, mas isso só será possível com mudanças na legislação federal. “Não posso vender [cannabis] no mercado americano hoje, e isso me incomoda demais,” diz Simon.
Alguns analistas do setor acreditam que a Tilray pode estar bem posicionada para resistir aos desafios do mercado canadense. Afinal, possui cerca de US$ 230 milhões em caixa. Kristoffer Inton, analista da Morningstar que cobre a Tilray, afirma que a empresa é a operadora mais bem posicionada no Canadá. Ele diz que está “subvalorizada”, mas é “muito arriscada”. “Chamá-la de má empresa não é totalmente justo,” afirma Inton. “Ela apenas atua em um mercado onde ninguém ganha dinheiro.”
Outro obstáculo para as ações da Tilray é que, como ocorre com outras empresas do setor, a maioria de seus acionistas não são investidores institucionais. Cerca de 75% das ações da Tilray estão nas mãos de investidores individuais, o que significa que a empresa não conta com a estabilidade de grandes acionistas para sustentar o preço das ações.
A Tilray não está sozinha. As ações do setor de maconha estão em baixa. O AdvisorShares Pure Cannabis ETF (MSOS), maior fundo negociado em bolsa (ETF) do setor, caiu 88% desde 2020. Inton diz que investidores de varejo negociam com base em sentimento, e o sentimento em relação à cannabis está “bastante negativo no momento.”
“Acho que hoje ser uma empresa de cannabis me atrapalha,” diz Simon. A aposta no setor de bebidas ajudou a diversificar as receitas da Tilray, mas, ironicamente, a legalização da maconha tem prejudicado as vendas de cerveja nos EUA. Segundo a Brewers Association, entidade que reúne mais de 5.400 membros, incluindo cervejeiros, fornecedores e distribuidores no país, a produção de cervejas artesanais caiu 4% em 2024 em relação ao ano anterior, marcando o terceiro ano consecutivo de queda, à medida que as preferências dos consumidores continuam mudando. “A cannabis, no fim das contas, canibaliza as vendas de álcool,” admite Simon. “Se estou sendo canibalizado de um lado, quero estar no negócio que está fazendo a canibalização.”
Com isso em mente, ele acredita que o setor de bebidas da Tilray pode crescer por meio de suas marcas de drinks com THC derivado do cânhamo. Graças à legalização federal dos produtos de cânhamo pela Farm Bill de 2018, legislação agrícola e alimentícia dos EUA, a empresa comercializa suas bebidas com cânhamo em 13 estados do país, com os maiores mercados em Minnesota, Flórida e Texas.
A Tilray lançou essas bebidas no ano passado e ainda não divulgou a receita da divisão. Os drinks com infusão de THC representam cerca de 2% do setor, mas estão crescendo rapidamente, e é um segmento que anima Simon. “Essas bebidas com cânhamo são enormes,” diz Simon. “São o próximo hard seltzer alcoólico. Se eu pudesse vendê-las em 50 estados, seria um negócio de um bilhão de dólares para a Tilray amanhã.”
A estratégia de diversificação de Simon, no entanto, levará tempo para trazer resultados. A receita da empresa caiu 1% no último trimestre em comparação com o mesmo período de 2024, e a Tilray reduziu sua projeção de receita anual de US$ 950 milhões (R$ 5,4 bilhões) para US$ 850 milhões (R$ 4,8 bilhões).
Mas Simon busca inspiração nas gigantes do tabaco. A Philip Morris International, multinacional americana do setor de tabaco, com sede em Lausanne, Suíça, que controla a gigante dos sachês de nicotina Zyn, por meio da subsidiária Swedish Match, viu suas ações subirem 234% desde 2008. E considerando que a maconha não causa 480 mil mortes anuais nos EUA como os cigarros, Simon acredita que as ações da Tilray podem ter um desempenho ainda melhor. “Estou construindo algo diferente,” diz Simon. “Não existe hoje nenhuma empresa que tenha cannabis, destilados, cerveja e alimentos de cânhamo. Então, ou sou muito esperto ou muito burro”.