Resumo:
- No dia 8 deste mês, a Unicef passou a aceitar doações em criptomoedas;
- A iniciativa faz parte de um grande projeto da agência que envolve o uso contínuo de blockchain para tornar seu trabalho mais eficiente;
- Por enquanto, doações são aceitas apenas em bitcoin e ether.
Quando Christina Lomazzo era adolescente, ela pulava de um lado para o outro da fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos por diversão. Nascida em Ontário e com pai italiano, Christina cresceu falando inglês, francês e italiano, e quando ela e seus amigos de entediavam, entravam todos em uma SUV preta, cruzavam o rio Detroit e iam aos Estados Unidos assistir o jogo de basquetes dos Detroit Pistons. Em vez de comprarem presentes uns para os outros, a família de Christina viajava pelo mundo.
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Agora, a antiga coordenadora de projetos do Banco do Canadá, de 28 anos, e cofundadora das práticas de blockchain governamentais da Deloitte, está alavancando sua carreira internacional nas Nações Unidas. Em setembro de 2018, ela foi contratada para ser a diretora de blockchain do Fundo Infantil das Nações Unidas (a Unicef), coordenando a tecnologia por trás do bitcoin, que facilita transações entre fronteiras. Depois de 14 meses trabalhando em Nova York, na United Nations Plaza, Christina e seu time internacional anunciaram o Unicef Crypto Fund, um protótipo que permite que a entidade aceite doações em bitcoin e ether, e invista diretamente em startups de blockchain.
Além de investir suas criptomoedas em empresas mais novas e de capital aberto que trabalham com crianças, o fundo representa a primeira agência da ONU (que teve receita de US$ 6,7 bilhões em 2018) a aceitar doações em bitcoin e ether. O protótipo, que foi lançado na semana passada com uma doação veio da Ethereum Foundation (de 1 bitcoin e 10.000 ethers), funcionará também na Unicef USA, Unicef França, Unicef Austrália e Unicef Nova Zelândia.
Com isso, a ONU, que arrecadou US$ 15 bilhões em doações ano passado, começa uma nova fase onde não se identifica apenas como prestadora de ajuda, mas também como líder em inovação financeira. A habilidade de aceitar doações em criptomoedas e poder rastrear exatamente pelas vão tornam a agência mais transparente, o que traz mais doações.
“Nós não vemos o Crypto Fund como uma ferramenta cripto”, disse Christina, sobre o escritório de inovação da Unicef em Nova York. “Vemos o fundo como um preparo para o futuro digital. Precisaremos lidar com bens digitais, sejam eles bitcoins ou alguma moeda apoiada pelo governo. O futuro pode ter qualquer uma dessas opções, e o fundo nos ajuda a entender como viver ou como implementar esses bens digitais.”
Christina nasceu em abril de 1991 em Windsor, Ontário, não muito longe de onde cresceu em Amherstburg, e mais perto ainda do antigo estádio de basquete dos Pistons. Filha de um engenheiro de computação e de uma advogada trabalhista, ela foi criada por sua avó italiana que nunca aprendeu a falar inglês.
Com um senso de cultura global em seu DNA, Christina entrou para a Universidade de Ottawa em 2009, e estudou na Itália e na Austrália antes de se formar em negócios internacionais. Logo após tirar seu diploma, ela conheceu o bitcoin quando trabalhava como coordenadora de projetos no banco central do Canadá. Em 2016, quando fez pós-graduação na Canada’s Global Alliance in Management Education e na Western University em gerência internacional e negócios internacionais respectivamente, ela começou a se interessar pelo bitcoin, escrevendo uma de suas teses sobre criptomoedas. “Como bancos respondem à inovação disruptiva: um estudo do blockchain” foi sobre como dez grandes bancos estavam explorando a tecnologia.
Antes de Christina se formar, em dezembro de 2015, mais ou menos quando a Unicef estava começando a explorar o blockchain, ela foi contratada pela Deloitte, onde trabalhava em um prédio do outro lado da rua do Parlamento em Ottawa, a capital do Canadá. Na época, o trabalho com blockchain do escritório ainda fazia parte da divisão de tecnologias emergentes, que se especializava em ajudar agências locais, provinciais ou estatais a usar a tecnologia.
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Em fevereiro de 2016, quando seus futuros colegas das Nações Unidas terminavam seu primeiro protótipo de blockchain, Christina entrava em um bar em Toronto chamado Clocktower Brew Club e começou a documentar como o bitcoin estava evoluindo. Ela fotografou um caixa eletrônico de bitcoin que estava “atrás de cortinas pretas, então você sentia que estava fazendo algo errado”, ela disse, e tirou a primeira de quatro fotos do caixa. Ela mostra o preço de 551 dólares canadenses. Hoje, o bitcoin vale US$ 11.059.
“A parte mais legal é que o caixa de bitcoin mudou desde então, e eu o rastreio”, ela disse. “Aquele específico se mudou para uma loja de conveniência perto da minha casa. Entrei e perguntei ‘onde está seu caixa de bitcoin?’ e ele estava bem no meio da loja, superbrilhante e visível. Tinha uma fila atrás de mim.”
Enquanto o bitcoin sofria para mudar sua reputação de uma moeda usada por criminosos para algo que negócios poderiam utilizar, Christina encontrava o anúncio de emprego de diretora de blockchain na Unicef “duas horas antes de as inscrições fecharem.” Christina se inscreveu para a vaga, e um mês e meio depois ela cruzava a fronteira novamente, dessa vez para ir à Nova York.
O nascimento do Crypto Fund começou bem antes de Christine, em 2007 quando a Unicef lançou seu escritório de inovação, liderado por Chris Fabian, 39 anos. O escritório, cujos protótipos usam tecnologias experimentais, rapidamente estabeleceu uma reputação por identificar projetos que podem ser implementados em grandes organizações. Um dos primeiros se desenvolveu e virou o que hoje é a divisão de tecnologia da informação e dados da Unicef.
No inverno de 2010, bem antes de as pessoas ouvirem falar em bitcoin, a Assembleia das Nações Unidas adotou a resolução 65/146 chamada “mecanismos inovadores para desenvolvimento financeiro” ou apenas “inovação financeira”. A resolução pedia que agências identificassem novas fontes financeiras estáveis para complementar doações existentes.
Mesmo com alguns projetos envolvendo realidade virtual que falharam, Fabian e Sunita Grote lançaram o fundo de risco da Unicef em fevereiro de 2016, para financiar startups de tecnologia em países em desenvolvimento. Em novembro daquele ano, o fundo gerenciado por Grote anunciava seus primeiros investimentos, incluindo o primeiro investimento em blockchain da Unicef, a startup sul-africana 9Needs, que usava blockchain para ajudar crianças a provarem suas identidades na escola.
Em agosto de 2017, enquanto Christina era promovida à consultora sênior na Deloitte, o escritório de inovação tinha sua primeira discussão sobre o Crypt Fund da Unicef. Em um ano, o time formulou a descrição de um produto oficial e criou a estrutura necessária para carregar criptomoedas. No entanto, eles ainda não tinham um líder dedicado, com Fabian e Grote ajudando em vários outros projetos.
Em setembro, no primeiro round de feedback para o Crypto Fund, Christina finalmente foi contratada para criar um time de blockchain e gerenciar todo o trabalho da Unicef com a tecnologia, ajudando o Crypto Fund a alcançar sua linha de chegada. “Blockchain é algo complicado e teórico”, disse Fabian. “E criptomoedas são uma aplicação complexa. Christina conseguiu tornar tudo isso compreensível porque ela já fez isso com bancos e governos.”
Em paralelo ao trabalho da Unicef com blockchain, o secretário-geral da ONU, António Guterres, publicou uma estratégia para como as Nações Unidas poderiam exponencialmente usar novas tecnologias para resolver problemas mundiais. Ele formou um painel liderado por Melinda Gates e Jack Ma para explorar como esforços cooperativos podem reduzir redundâncias e aumentar os impactos da ONU. EM junho de 2019, o painel lançou uma “declaração de independência digital”, com cinco recomendações para a criação de uma infraestrutura capaz de resolver problemas globais, abastecendo o Crypto Fund e outras iniciativas com blockchain da Unicef.
O relatório pedia inclusão digital na economia e na sociedade. O World Bank estima que em 2018, 1,7 bilhão de pessoas estavam excluídas da economia global. Usando termos do blockchain, o relatório pedia a criação de acesso a redes digitais e serviços financeiros para todos os adultos do mundo até 2030, recomendando a formação de uma aliança envolvendo a ONU para criar uma única plataforma de bens e dados, tudo com defensores do blockchain constantemente apontando para os benefícios da rede.
Três meses depois, o Crypto Fund estava pronto. De acordo com sua descrição, ele é limitado a até 1.000 bitcoins (aproximadamente US$ 8,2 milhões) e 10.000 ethers (US$ 1,8 milhão). O fundo gerenciará US$ 17,9 milhões no total, já recebeu o comprometimento de doações de mas 8.000 ethers de um único doador. Mais importante: o fundo não converterá as criptomoedas em moedas fiduciárias. Três companhias de gerenciamento de portfólios receberão as dispersões das criptomoedas. A Atix Labs recebeu 1 bitcoin, Prescrypto e Utopixar receberam 50 ethers cada. No total, o fundo apoia seis empresas de blockchain em um portfólio de 72 empresas de 42 nações.
“O Crypto Fund da Unicef oferece uma oportunidade incrível de trabalho colaborativo de times globais da Unicef”, disse Aya Miyaguchi, diretora-executiva da Ethereum Foundation, que dará apoio tecnológico à Unicef. “A Unicef têm uma rede de 190 escritórios pelo mundo, o que dá ao ecossistema do Ethereum a possibilidade de trabalhar com mentes de diversas regiões, o que é muito benéfico para nossa tecnologia.”
Enquanto Christina espera que seu time encontre o valor de mercado de US$ 170 bilhões combinados em bitcoin e ethereum, existe uma segunda razão para investir em cripto. No momento, eles só aceitam doações gerais, mas no futuro, o doador poderá escolher exatamente como quer que seu dinheiro seja utilizado, como para comprar lápis para garotinhas em uma região específica, e ter 100% de certeza de que seu dinheiro foi utilizado para isso. Como as transações de ethereum e bitcoin são públicas, os fluxos são facilmente rastreáveis. Um relatório de 2018 mostrou que ONGs com esse tipo de transparência experienciam um aumento de 53% em suas doações.
“Estamos trabalhando para ter um visual em cada blockchain mostrando as movimentações do dinheiro”, disse Christina. “Você não precisa mais confiar na organização para quem está doando dinheiro, você verificar você mesmo para onde seus fundos estão indo.”
Já que ainda não é possível que a Unicef pague salários, contas de energia ou aluguel em cripto, o fundo recebeu uma isenção especial do diretor financeiro da Unicef. “Estamos entrando em uma era onde reconhecemos que a Unicef precisa ser uma instituição financeira”, disse Fabian. “E isso significa que precisamos aplicar nosso orçamento multimilionário de maneiras sofisticadas.”
O Fundo de Emergência da Unicef foi fundado em 1946 para levar comida, abrigo e outras necessidades a jovens após a Segunda Guerra Mundial. Países como França, Alemanha, Japão e Estados Unidos formaram comitês nacionais para arrecadar fundos e ajudar seu próprio país e outros.
Nesses comitês,os aspectos mais interessantes do Crypto Fund aparecem. A ONU é chamada de território internacional, o que significa que leis governamentais não se aplicam à United Nations Plaza em Manhattan da mesma maneira. Por isso, cada uma das 190 agências nacionais que poderiam se beneficiar do cripto precisa de seus próprios regulamentos. O fundo é notável, mas cada país precisa criar suas próprias normas antes de participar.
Dos quatro países que já estão do fundo, a Unicef França é a mais madura. Em janeiro de 2018, seu executivo Sebastian Lyon começou a explorar com o Ethereum novas formas de aceitar doações e disse que já tem uma “quantidade significante” de doadores individuais que estão interessados. Um dos principais motivos de acordo com Lyon são as regulamentações já existentes na França. Mesmo assim, aceitar cripto ainda exige “discussão extensa com reguladores, e também com auditores”, ele adicionou, algo que gostaria de evitar.
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Lyon disse que conversou com diversos outros comitês nacionais, incluindo Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, que estão ansiosos para aprender com essa experiência.
O trabalho de Christina com o blockchain vai além do Crypto Fund. Ela lidera um pequeno time de cinco pessoas do escritório de inovação. Christina responde a Fabian, cofundador do escritório, e Grote, que é o gerente de fundos em várias iniciativas de blockchain.
No aspecto operacional, a Unicef está explorando como o blockchain pode ser usado para rastrear conectividade com a internet em escolas como parte de seu Project Connect. O Atrium é uma plataforma sendo construída pela Unicef para encorajar agência da ONU a compartilharem o que aprenderam sobre o blockchain e colaborarem em projetos. O Boost Token está sendo explorado como uma maneira de recompensar mentores e estudantes de coding. Internamente, o protótipo do escritório está sendo construído usando os smart contracts do ethereum para automatizar alguns procedimentos.
Além do trabalho de Fabian com Christina na Unicef, ele é codiretor da Rede de Inovações da ONU, um grupo de 1.200 pessoas de todas as agências das Nações Unidas. De acordo com um relatório do ano passado, a rede de blockchain da ONU está montando seu primeiro grupo especializado em criptomoedas. “Isso significa que podemos mostrar a pessoas de outras agências o que fizemos para que eles apliquem imediatamente”, disse Fabian. “Se uma agência consegue que seu time jurídico assine algo, isso pode ser usado por outras agências como modelo. Quase como copiar e colar.”
“Isso obviamente começa com o Crypto Fund”, disse Christina. “Mas esperamos que se expanda, para que a origem e o destino das doações tenham mais visibilidade.”
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