Há uma epidemia de problemas de saúde mental nas empresas. Uma em cada quatro companhias afastaram de um a cinco funcionários por adoecimento mental nos últimos 12 meses, segundo uma pesquisa com 251 empresas brasileiras feita pelo portal Empregos.com. E, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), problemas de saúde mental no trabalho são responsáveis por grande parte da perda de produtividade dos profissionais.
Na semana passada, um estagiário de um dos maiores escritórios de advocacia do país se atirou da janela da empresa e, mais uma vez, aqueceu a discussão sobre saúde mental no trabalho. “O trabalho híbrido traz uma nova onda de ansiedade para os funcionários com o retorno da vida, e as pessoas sentem falta do convívio com o filho, da casa e da rotina”, diz Roberto Aylmer, psiquiatra e especialista em gestão de pessoas e saúde mental no trabalho.
Outros aspectos, como o excesso de compromissos online, as demandas fora do horário do expediente e a invasão do trabalho em casa também estão levando ao aumento de casos de burnout. Segundo a International Stress Management Association, o problema já atinge mais de 30% dos mais de 100 milhões de funcionários brasileiros.
Uma pesquisa da FGV com as empresas Talenses e Gympass deste ano mostrou que 43% dos entrevistados estão com sobrecarga de trabalho e 31% sofrem pressão por resultados e metas. E questões relacionadas à gestão, como falta de reconhecimento, de empatia, de apoio da liderança direta e de comunicação com o líder, também são fatores de risco para a saúde mental dos funcionários. “O chefe imediato é o principal fator de estabilidade mental de um colaborador no trabalho”, diz Aylmer, que pesquisou o assunto em seu mestrado.
A gestão da empresa tem um efeito fundamental sobre a saúde mental dos funcionários. Se você é líder, veja como identificar problemas psicológicos em pessoas da sua equipe e criar um ambiente de trabalho mais saudável.
Fique atento aos sinais
Estar atento à sua equipe é fundamental para se conectar com as pessoas e demonstrar um interesse real nelas, para além do trabalho e dos resultados. “Quando tenho interesse, percebo se a pessoa está fechada, abatida ou produzindo menos. E, em vez de aumentar a cobrança, eu dou suporte”, diz o psiquiatra.
Estes são alguns sinais que você deve procurar:
- queda na produtividade;
- aumento da irritabilidade;
- aparência de cansaço;
- alteração de humor repentina;
- negatividade em relação aos processos e novas ideias por exemplo;
- apatia nas reuniões;
- falta de interesse e comprometimento com metas, com os colegas e prazos;
- baixo sentimento de realização e felicidade no trabalho;
- ansiedade (que, em níveis intensos pode causar insônia, irritabilidade e dificuldade de concentração);
- distanciamento social de colegas e familiares.
Se mostre vulnerável
Para criar um canal aberto com a equipe e estimular a conversa, nada melhor do que começar com você. “Os colaboradores precisam sentir que há um ambiente propício para compartilhar as suas vulnerabilidades. E o próprio líder pode compartilhar seus pontos vulneráveis”, diz Joana Cortez, diretora de operações da consultoria global LHH. É importante deixar claro que não há consequências negativas para quem precisa expor algum desafio individual.
Destaque o papel do RH
A área de Recursos Humanos também deve comunicar aos colaboradores que há espaço para procurar ajuda. Assim, quem não se sentir à vontade em desabafar com o chefe pode procurar um representante do RH. Muitas empresas também disponibilizam atendimento psicológico para seus colaboradores ou benefícios nesse sentido.
Ofereça ajuda
Quando o líder identifica um comportamento diferente em alguém da sua equipe, o ideal, segundo Aylmer, é se aproximar, chamar para uma conversa fora do trabalho e perguntar “Como posso te ajudar?”. “Essa pergunta destrava o medo porque mostra um cuidado e interesse real na pessoa.”
De acordo com o especialista, os funcionários se questionam frequentemente se o chefe ou a empresa se importam com eles, e demonstrar esse tipo de atenção é um fator de retenção no trabalho. “Não indique direto para um especialista porque existe um medo de ser identificado com algum quadro.”
A primeira ação deve ser não tratar a saúde mental como tabu e investir em tratamento, prevenção e informação. “É papel das empresas serem protagonistas e proporcionar ambientes seguros e propostas convincentes para incentivar um estilo de vida diferente”, diz Fabio Battaglia, CEO da empresa de recursos humanos Randstad Brasil.
Ouça seus funcionários
O estudo global Workmonitor, realizado pela Randstad em 2022, mostrou que 92% dos funcionários brasileiros buscam formatos de trabalho e carreiras mais flexíveis para acomodar outras atividades ao longo do dia. “Isso mostra que é de extrema importância ouvir os colaboradores e preparar as lideranças para administrar as metas e objetivos de forma mais empática”, diz Battaglia.
Incentivar a prática de exercícios físicos, estabelecer uma rede de apoio e disponibilizar um canal de atendimento psicológico por teleatendimento ou de forma presencial e criar momentos de descontração são formas de estabelecer relações mais humanas dentro da companhia. “Quando os profissionais estão felizes e confiam nas empresas, são mais produtivos.”
Dê feedback
Desenvolver a equipe faz parte das tarefas de um líder, então é importante que você mantenha conversas contínuas de feedback com seus colaboradores. “Nessas conversas, vale perguntar como a pessoa está se sentindo com as demandas de trabalho atuais, se está com algum desafio em particular e também se está precisando de suporte para realizar seu trabalho”, diz Cortez.
Se o funcionário compartilhar alguma angústia, ela sugere pensar, junto ao RH, em uma forma de apoiá-lo, com suporte psicológico, mentoria ou até um processo de coaching em caso de questões mais práticas como, por exemplo, gerenciamento de tempo.
Fique de olho nos jovens
Um estudo da Harvard Business Review mostrou que os millennials e a geração Z, assim como pessoas negras e LGBTQ+, têm maior probabilidade de experienciar problemas de saúde mental. “Uma cultura tóxica, hierarquizada, com muita pressão e sem flexibilidade de modelo de trabalho afasta todos os tipos de talentos atualmente, mas com os talentos jovens esse cuidado é ainda mais importante”, diz Cortez.
Eles também foram os mais prejudicados com a pandemia. “As gerações mais jovens foram as mais afetadas porque tinham menos experiência de grandes crises, mais instabilidade emocional e precisam mais do social para desenvolver sua identidade corporativa”, afirma o psiquiatra.
Cuidado para não descontar na equipe
Como chefe, você também terá seus dias e fases ruins. Mas lembre-se: “Tudo o que você vive como líder impacta para o bem ou para o mal a sua equipe”, diz Aylmer. Por isso, se estiver em crise, não vá trabalhar. Você vai render mais para a empresa assim. “Porque as emoções não são biodegradáveis e o que você desabafa numa reunião, você deve falar na terapia.”
Caso contrário, você corre o risco de aumentar a pressão e, em vez de resultados, colher antipatia da sua equipe, além de criar um ambiente tóxico. “Mas quando você aumenta a segurança psicológica, o apoio e o suporte para a equipe, você aumenta a colaboração.” E, aí sim, os resultados também.
Para preparar os líderes, as empresas podem investir em programas de desenvolvimento de soft skills, como autoconhecimento, inteligência emocional, resiliência, agilidade de aprendizagem, adaptabilidade e empatia. “O desenvolvimento e o aprendizado contínuos são peças-chave para liderar em um cenário tão complexo e ambíguo”, diz Cortez.
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