Enquanto as ações da Norwegian Cruise Line continuavam afundando como o Titanic (queda de 80% desde o final de 2019, chegando a US$ 12 por ação no final de abril), Scott Dahnke e sua equipe na L Catterton estavam observando silenciosamente os destroços. Os parceiros de sua firma de private equity em Greenwich, Connecticut, já haviam se dado bem ao abrir uma marca de beleza em navios de cruzeiro e estavam focados em marcas de luxo. Afinal, o “L” no nome vem do apoio financeiro da LVMH, a gigante francesa de artigos de luxo. A empresa já obteve uma série de sucessos com investimentos no sofisticado Restoration Hardware, de design de interiores; no Lily’s Kitchen, uma empresa orgânica de Londres fabricante de alimentos para cães; e na Peloton, de bicicletas ergométricas conectadas à internet.
Mas este era um novo território. Os empresários nunca haviam visto uma mudança tão repentina nos resultados de uma marca conceituada. Dahnke decidiu que era o momento certo para atacar, apesar do melhor cenário mostrar que a Norwegian não iria colocar nenhum de seus navios de cruzeiro na água por pelo menos mais dois meses. “Não há dúvida de que os consumidores gostam de cruzeiros, eles querem voltar à água”, diz Dahnke, de 54 anos. “Estamos apoiando uma empresa forte e bem posicionada em um setor resiliente.”
LEIA MAIS: Uso e qualidade de 4G aumentam durante a pandemia
A indústria de cruzeiros foi especialmente afetada pelo coronavírus. Não apenas todo o setor de viagens está paralisado, mas os navios foram epicentro de alguns dos primeiros surtos significativos fora da China. A Norwegian, com 2,7 milhões de clientes por ano, ocupa a terceira posição entre as grandes operadoras de cruzeiros, atrás da Carnival e da Royal Caribbean Cruises. Todas viram suas ações despencarem mais de 70%.
A Carnival anunciou recentemente que retomaria seus cruzeiros na América do Norte em 1º de agosto de 2020, apostando que os consumidores farão viagens do tipo antes que a vacina seja desenvolvida. A Norwegian está sendo ainda mais agressiva, mas seus 28 navios não navegarão novamente até pelo menos 1º de julho de 2020.
A empresa pode achar que não tem muita escolha a não ser voltar para o mar. As coisas ficaram tão ruins que, em um documento à Comissão de Títulos e Câmbio dos EUA (SEC, na sigla em inglês), a empresa alertou os investidores sobre uma possível falência, dizendo que havia “dúvida substancial” sobre sua capacidade de continuar operando em meio a quarentenas por coronavírus. Nesse mesmo dia, a L Catterton apareceu com um investimento de US$ 400 milhões, através de uma colocação privada de notas sênior conversíveis de seis anos. Foi um movimento que lembra o de Warren Buffett para o Goldman Sachs em 2008, porque as notas, que acabarão por tornar a L Catterton a maior acionista da linha de cruzeiros, pagam 7% de juros.
O aporte da L Catterton veio com a estipulação de que a Norwegian arrecadaria pelo menos mais US$ 1 bilhão das outras ofertas de ações e dívidas. Um dia após o aviso de falência e o investimento da L Catterton, a Norwegian anunciou que havia levantado outros US$ 2 bilhões, vendendo US$ 460 milhões em ações ordinárias e US$ 1,54 bilhão em duas ofertas de dívida.
A empresa de cruzeiros agora tem US$ 3,5 bilhões em caixa, o que, segundo seu CEO, Frank Del Rio, é suficiente para cobrir sua queima de caixa, sem receita, por pelo menos 18 meses. Até agora, o financiamento pouco fez para corrigir as ações da Norwegian. No final de 2019, a capitalização de mercado da Norwegian era de aproximadamente US$ 12 bilhões, hoje são US$ 2,5 bilhões. Para a investidora e sua potencial participação acionária de 20%, uma recuperação total do negócio de cruzeiros significaria um ganho extraordinário.
“Não podemos prever o futuro, mas os dados, combinados com 40 anos de história e o que os consumidores estão nos dizendo, sugerem que o setor se recuperará”, diz Dahnke. “Quando isso acontecer, a NCL está posicionada para continuar como uma empresa excepcional.”
LEIA TAMBÉM: Relatório que aponta economia mundial pior derruba mercados
Dahnke está acostumado com negócios em mar aberto. Em 2015, a L Catterton pagou US$ 925 milhões pela Steiner Leisure, fornecedora global de serviços de spa e fabricante de produtos de beleza com sede na Flórida, proprietária da OneSpaWorld. A OneSpaWorld opera spas e academias de última geração em 176 navios de mais de 20 empresas de cruzeiros e detém mais de 90% do mercado de “bem-estar” de navios de cruzeiro.
Esse investimento ajudou os parceiros da L Catterton a entender a economia dos navios de cruzeiro: os passageiros são leais, mais velhos e ricos, e os negócios são à prova de recessão. De acordo com a pesquisa da OneSpaWorld, o crescimento mundial de passageiros em navios teve uma média de 6,7% ao ano nos últimos 25 anos, através dos altos e baixos da economia em geral. O típico passageiro de cruzeiro tem 49 anos, é casado, tem renda familiar média de US$ 114 mil e faz cruzeiros a cada 2,3 anos. E eles não têm medo de gastar com spas. Os clientes da OneSpaWorld normalmente gastam cerca de US$ 238 em tratamentos de bem-estar, que vão desde massagens com aroma de algas até injeções de botox.
“Os dados são os mais atraentes que eu já vi na minha carreira. Há um alto grau de lealdade e repetição de cruzeiros”, diz Dahnke. “A OneSpaWorld foi nosso primeiro investimento diretamente no setor de cruzeiros e ajudou a entender esse mundo e formar nossos pontos de vista.”
A L Catterton listou a OneSpaWorld na bolsa em março de 2019, em um acordo no valor de US$ 850 milhões, enquanto ainda mantém quase metade da sua participação original. As ações subiram 37% desde o IPO até janeiro de 2020. Agora caíram 50%. Em 2019, a empresa registrou US$ 562 milhões em receita e, embora sofra com o golpe de 2020, as receitas deverão subir para US$ 654 milhões em 2021. A L Catterton, que ainda possui 14% da OneSpaWorld, injetou outros US$ 75 milhões na operadora de bem-estar, fornecendo liquidez pelos próximos dois anos.
A empresa, fundada em 1989, era originalmente conhecida como Catterton Simon Partners porque um de seus fundadores foi William E. Simon, banqueiro de investimentos e secretário do Tesouro nas gestões dos ex-presidentes norte-americanos Richard Nixon e Gerald Ford. No início dos anos 1980, Simon surpreendeu Wall Street com a compra e a oferta pública subsequente 18 meses depois da Gibson Greeting Card Co., transformando um investimento de US$ 80 milhões em aproximadamente US$ 300 milhões e fazendo pessoalmente mais de US$ 70 milhões de apenas US$ 330 mil investidos. O acordo provocou o boom do LBO (leveraged buyout) daquela década.
Em 2016, a Catterton fez parceria com o braço de capital privado da LVMH, L Capital. Os parceiros da L Catterton, incluindo J. Michael Chu e Scott A. Dahnke, são proprietários de 60% da empresa, enquanto a fabricante de artigos de luxo LVMH e seu proprietário Bernard Arnault controlam o restante. Arnault é a terceira pessoa mais rica do mundo, com patrimônio no valor de US$ 91,8 bilhões.
Dahnke, que se formou em engenharia mecânica em Notre Dame e fez mestrado em Harvard, ingressou na empresa em 2003. Antes de entrar na Catterton, trabalhou em private equity no Deutsche Bank e foi sócio da consultoria de primeira linha na McKinsey. Seu coCEO, J. Michael Chu (61), que é o fundador original da empresa, passou seu início de carreira como banqueiro em Hong Kong.
Hoje, a L Catterton tem mais de US$ 20 bilhões em capital, que investe nas principais marcas de consumo, desde provedores de ginástica como a Equinox e a ClassPass a empresas como Cholula e a Honest Co., que é a fabricante ecológica de fraldas de alta qualidade, maquiagem e limpadores de cozinha de Jessica Alba.
A aposta ousada da L Catterton na empresa de cruzeiros não é isenta de riscos sérios. A Norwegian tinha aproximadamente US$ 6,5 bilhões em dívida líquida em 31 de dezembro de 2019. Hoje esse número subiu para mais de US$ 7 bilhões e sua última rodada de dívidas tem taxas de juros acima de 12%. Segundo Harini Chundu, vice-presidente e analista da Advent Capital Management, grande parte da dívida consiste de hipotecas em seus navios e em duas ilhas resort que a empresa possui no Caribe. “Há muita dívida garantida, que esperamos aumentar”.
Dahnke insiste que a Norwegian é a mais bem posicionada de todas as principais linhas de cruzeiro. Além de ter uma “equipe de gerenciamento excepcional”, possui a frota mais jovem e menor, o que se traduz em uma implantação mais ágil, margens mais altas e mais receita por passageiro, de acordo com Dahnke.
Obviamente, algumas coisas mudarão depois que as quarentenas forem suspensas, mas não será um negócio normal para o setor. Robert Kwortnik, que ensina marketing na Faculdade de Negócios de Cornell, diz que os operadores de cruzeiros precisarão reforçar protocolos de saúde e segurança caros. “Olhando para o futuro, a primeira coisa que as linhas de cruzeiro terão que fazer é criar garantias duradouras em relação à saúde e segurança.”
E TAMBÉM: Trump ameaça impor novos impostos sobre empresas que fabricam produtos fora dos EUA
Outro ponto que deve diminuir margens: a probabilidade de que os navios transportem menos passageiros. Mas Dahnke argumenta que a Norwegian não precisa chegar nem perto dos níveis históricos de ocupação para ter uma viagem lucrativa. Os custos operacionais são mais baixos porque os custos de combustível, um dos maiores itens de linha, caíram, diz ele.
A pandemia certamente colocará à prova o modelo de negócios da Norwegian. Ainda assim, usando a história para prever o futuro, os ataques terroristas de 11 de setembro, que inicialmente interromperam quase todos os gastos com viagens, acabaram por ter pouco efeito nas viagens de lazer. Na verdade, segundo Kwortnik, as companhias aéreas e os navios de cruzeiro estavam operando com capacidade quase total em cerca de um ano. Se for esse o caso desta vez, isso significará uma navegação tranquila para Scott Dahnke e os parceiros da L Catterton.
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.